‘Nunca se sabe o que esperar de um paciente com covid-19’, desabafa médica
Convivendo com pacientes com covid-19 em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) há pouco mais de…
Convivendo com pacientes com covid-19 em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) há pouco mais de um ano, a médica Miriane Garuzi diz que é angustiante lidar com a doença em razão da imprevisibilidade dela.
“Tive paciente de 42 anos, sem fator de risco, que estava acordando, abrindo os olhos, pronto para ser extubado. De repente, a pressão caiu. Ele simplesmente não respondia a nada. Pensei: Não acredito que esse paciente faleceu. Ele estava abrindo o olho agora há pouco’.”
Ela diz que casos como esse se repetem e tem paciente que morre “de uma forma tão súbita que você não consegue entender.” “‘Meu Deus, como estou perdendo esse paciente?’ É bem angustiante.”
Desde 2018, sua rotina diária é em UTI no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, no interior de São Paulo. Antes da pandemia, ela diz que o local era um ambiente mais previsível. “Nós controlávamos tanto as variáveis que não esperávamos surpresa. Quando acontecia uma surpresa, quase que era uma surpresa prevista. Agora, com covid, ele [o paciente] piora sem avisar, muda de uma hora para a outra. Nem sempre você tem um sinal do que vai acontecer.”
“É uma sensação de frustração e de impotência enorme. Você assiste seu paciente, faz tudo… Só que ele não responde a nenhuma das medidas”, destaca Miriane Garuzi.
Com as mudanças abruptas nos quadros, a médica diz que agora só fica tranquila quando o paciente já está longe do hospital. “Enquanto o paciente não está na enfermaria ou praticamente em casa, não comemore vitória. Não dá. Não dá. Muda muito.”
[olho author=””]”[Um paciente com covid-19 em uma UTI] É um paciente mais difícil de tratar, você tem que estar mais em cima. Muda muito o quadro. Você nunca sabe o que esperar de um paciente com covid-19. É um paciente que exige que você fique monitorando com muito mais frequência.”[/olho]
Surpresa com a imprevisibilidade dos quadros, Miriane conta que ficava revendo as situações de pacientes que faleceram no início da pandemia. “No começo, revíamos, revíamos. Falávamos: ‘Gente, será que eu comi bola?’, ‘Será que deixei passar alguma coisa?’.”
Em meio a um cenário de perdas, ela conversa eventualmente com equipes de psicólogos que passam pela UTI. “Nós chorávamos lá e eles nos atendiam”, diz ao se lembrar da ajuda que recebia quando enfrentava com casos mais difíceis.
“Cansei de ser atendida. Me ajudava a lidar com a essa sensação de impotência, com questões pessoais mesmo. Eu estava trabalhando e, na mesma época, perdi meu avô para a covid-19.”
“É muito desgaste, é muito cansativo. É muita má notícia todo dia. É muito óbito”, pontua Miriane.
A importância da UTI é porque há um atendimento e monitoramento constante dos pacientes. “E isso é necessário porque são pacientes mais graves. É necessário que se tenha uma equipe pronta para atender no momento imediato.”
Elo com a família
Na UTI, ela já teve de exercer uma função geralmente feita pela família, de acolher e dar apoio aos pacientes que não recebem visitas em razão da pandemia. “Eles estão longe dos familiares. A impressão que eu tenho agora é de que temos esse papel importante pela família não estar perto.”
Um dos casos que mais marcou a médica foi o de uma mulher de cerca de 30 anos que, antes de ser intubada, olhou e falou: “Estou com muito medo de morrer. Avise minha mãe que vou ser intubada. Fala para ela cuidar do meu gato, que eu amo muito ela”. Miriane diz ser duro atuar como mensageira de uma despedida que não pôde ser realizada.
Mesmo já imunizada contra a covid-19, a médica diz que ainda tem medo da pandemia, principalmente por sua família, que vive em São José do Rio Preto, também no interior de São Paulo. “Vejo os números subindo e cada vez vou me isolando mais.” Ela diz que só ficará mais tranquila quando a imunização avançar de verdade no país, algo que ainda não temos previsão de quando vai acontecer.