Tudo paralisado

Nunes Marques paralisa no STF julgamentos de interesse de bolsonaristas

O caso mais recente aconteceu em uma ação penal contra o ex-deputado federal e ex-presidente do PTB Roberto Jefferson

Ministro Kassio Nunes Marques (Foto: Fellipe Sampaio / SCO/STF)

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, o ministro Kassio Nunes Marques vem paralisando julgamentos de interesse do titular do Palácio do Planalto e de seus aliados, com pedidos de vista ou destaque. O caso mais recente aconteceu em uma ação penal contra o ex-deputado federal e ex-presidente do PTB Roberto Jefferson. Mas também já ocorreu em análises da Corte sobre temas como o passaporte da vacina contra a Covid-19, uso de linguagem neutra nas escolas e decretos presidenciais que facilitaram o acesso da população a armas.

As suspensões de julgamentos são medidas previstas no Regimento Interno do STF e conferem aos ministros a possibilidade ou de ter mais tempo para apreciar a matéria, no caso da vista, ou de levar a discussão para um debate mais aprofundado, como é o caso do destaque. Para juristas ouvidos pelo GLOBO, essas possibilidades têm sido adotadas com frequência por Nunes Marques em casos de interesse do governo Bolsonaro.

— Nós não podemos deixar de admitir que se trata de uma estratégia bastante sutil, embora fundamentada pelo regimento do STF, para prorrogar, ganhar tempo em alguns casos — avalia a advogada constitucionalista Vera Chemim.

Ao GLOBO, o gabinete de Nunes Marques afirmou que a maior parte das interrupções de julgamentos realizadas pelo ministro ocorreu na modalidade destaque — quando a análise é levada do plenário virtual para o físico — e não pedido de vista. Ainda segundo o gabinete, o objetivo da descontinuidade da votação de determinados temas não é o de paralisar ou prejudicar a discussão, e sim de aprofundar a análise dos temas com o debate claro e transparente sobre questões que considera relevantes.

Em novembro do ano passado, o próprio presidente da República admitiu que Nunes Marques tem pedido vista em processos que envolvem causas conservadoras para evitar derrotas. E que, por causa da indicação do magistrado para a Corte, tinha 10% dele dentro do STF. A declaração foi dada antes da ida de André Mendonça para o Supremo, também na cota de Bolsonaro.

— Quando se fala em pautas conservadoras, ele já pediu vista de muita coisa que tem que a ver com conservadorismo. Porque, se ele apenas votasse contra, ia perder por 8 a 3, ou 10 a 1. A gente não quer perder por 8 a 3 ou 10 a 1. A gente quer ganhar o jogo ou empatar. Ele está empatando esse jogo — disse Bolsonaro na ocasião.

Casos concretos

No último dia 18, um pedido de vista de Nunes Marques paralisou o julgamento da ação penal que poderia tornar réu pelos delitos de homofobia, calúnia e incitação ao crime o ex-deputado Roberto Jefferson. O placar da análise, feita pelo plenário virtual da Corte, já contava com maioria de votos contra o petebista, mas a manifestação do ministro suspendeu o processo.

Apoiador de Bolsonaro, Jefferson foi detido em agosto de 2021 por determinação do ministro Alexandre de Moraes por suspeita de envolvimento com uma milícia digital que atua contra a democracia.

Em dezembro de 2021, um pedido de destaque do ministro suspendeu o julgamento sobre o passaporte da vacina contra a Covid-19, outro tema de interesse do governo. A paralisação ocorreu quando já havia maioria para que a medida fosse mantida, e agora não há data para o julgamento ser retomado.

Também em dezembro, o julgamento sobre a utilização da linguagem neutra em instituições de ensino e em editais de concursos públicos foi interrompido por um pedido de destaque de Nunes Marques. O caso trata de uma lei do estado de Rondônia que proíbe a linguagem neutra e que já havia sido suspensa, em decisão liminar, pelo ministro Edson Fachin. Bolsonaristas fazem pressão contra a adoção da linguagem neutra.

Nunes Marques interrompeu ainda o julgamento de ações em que há expectativa de derrubar os decretos presidenciais que facilitaram a compra de armas; votou para minimizar as perdas do governo com a arrecadação de tributos; e para barrar a candidatura à reeleição de Rodrigo Maia, adversário de Bolsonaro, à presidência da Câmara.