O que pensam ministros do STF sobre o depoimento presencial de Bolsonaro
Ministro vetou que presidente fale à PF por escrito na investigação que apura denúncias de Moro sobre interferência no órgão, e AGU estuda recorrer
Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo GLOBO em caráter reservado afirmaram discordar da decisão do decano da Corte, Celso de Mello, que vetou que o presidente Jair Bolsonaro possa depor por escrito à Polícia Federal (PF) na investigação sobre as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que Bolsonaro interferiu indevidamente na PF.
Um ministro considerou a decisão de Celso de Mello “desnecessária”. Outros dois integrantes, de alas diferentes do tribunal, concordaram. Para eles, o episódio só serviu para colocar mais lenha na fogueira dos atritos entre o Supremo e o Palácio do Planalto.
A Advocacia-Geral da União (AGU) ainda não decidiu se vai recorrer ou não da decisão de Celso de Mello. O decano deu à Polícia Federal a prerrogativa de agendar a data e o local do depoimento, o que ainda não ocorreu.
Esse grupo de ministros acredita que a maioria do STF concorda com a decisão tomada pelo ministro Luís Roberto Barroso em 2018, quando concedeu ao então presidente Michel Temer o direito de prestar depoimento por escrito no inquérito aberto a partir da delação de executivos da JBS.
O Código de Processo Penal prevê a possibilidade de depoimento por escrito aos chefes dos Três Poderes da República que são testemunhas ou vítimas. Barroso aplicou a regra a Temer por analogia, enquanto Celso de Mello entendeu que o fato de ele ser investigado tiraria tal prerrogativa.
Afronta à Presidência
Para ministros da Corte, ouvidos reservadamente, a decisão é uma afronta ao instituto da Presidência da República, independentemente de quem ocupe o cargo. Isso porque seria desrespeitado submeter o mandatário a um interrogatório conduzido por um delegado de polícia.
Para mostrar que não pretende facilitar para Bolsonaro, Celso de Mello também autorizou que Moro esteja presente ao depoimento, e que os advogados dele façam perguntas a Bolsonaro. Um ministro do Supremo considerou esse elemento mais um ingrediente para alimentar as dissonâncias entre o Planalto e o tribunal.
Os ministros que discordam da decisão de Celso de Mello são de diferentes alas do STF, incluindo garantistas, que priorizam direitos dos réus, e “punitivistas”, que têm visão mais rígida do Direito Penal.
Na decisão, Celso de Mello contrariou parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, que recomendou o depoimento por escrito.
“O Senhor Presidente da República, por ostentar a condição de investigado, não dispõe de qualquer das prerrogativas (próprias e exclusivas de quem apenas figure como testemunha ou vítima) a que se refere o art. 221, “caput” e § 1º, do CPP, a significar que a inquirição do Chefe de Estado, no caso ora em exame, deverá observar o procedimento normal de interrogatório”, escreveu Celso de Mello.
O decano está com aposentadoria marcada para novembro, quando completará 75 anos. Como relator do inquérito contra Bolsonaro, ele deu sinais de que conduzirá as investigações com pulso firme até os últimos instantes que estiver no STF.
Postergação
Como já revelou a colunista Bela Megale, uma estratégia sugerida por aliados de Bolsonaro é protelar o depoimento, especialmente para que chegue a data da aposentadoria de Celso de Mello. O recurso sobre o formato do depoimento poderia ser feito dentro dessa tentativa. Caso a AGU recorra ao plenário, dependeria do novo presidente da Corte, Luiz Fux, definir a data para que o tema fosse analisado.
Na aposentadoria de Celso, o inquérito pode ser repassado para seu sucessor na Corte, que será indicado por Bolsonaro. Mas também pode haver redistribuição por sorteio, caso isso seja requerido por uma das partes, como Moro. O caso também pode mudar de mãos caso o novo ministro se considere sob suspeição.