Órgão do governo contraria Bolsonaro e diz que crise energética requer atenção
Presidente comemorou chuva e disse que irá baixar bandeira da conta de luz em novembro
O grupo emergencial criado pelo governo para monitorar a crise hídrica afirmou, em nota, nesta sexta-feira (15) que “apesar do aumento das chuvas, a situação ainda requer atenção”. A avaliação da Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) contraria a declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, nesta quinta (14), traçou um cenário otimista para o setor após as recentes chuvas no país.
Na quinta, Bolsonaro disse que determinaria ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que deixasse de cobrar a bandeira de escassez hídrica, que acrescenta R$ 14,20 por cada 100 kWh consumidos, valor 50% superior à bandeira mais cara vigente até então.
“Meu bom Deus nos ajudou agora com chuva. Estávamos na iminência de um colapso. Não podíamos transmitir pânico na sociedade. Dói a gente autorizar ao ministro Bento, das Minas e Energia, decretar a bandeira vermelha. Dói no coração, sabemos da dificuldade da energia elétrica. Vou pedir para ele -pedir não, determinar- que volte a bandeira ao normal a partir do mês que vem”, declarou nesta quinta.
Para o grupo de monitoramento, houve aumento de chuvas, principalmente na região Sul, e há perspectiva positiva no Centro-Oeste e no Sudeste. Mesmo assim, o órgão técnico apontou dificuldades para a solução da crise hídrica.
Um exemplo citado pela Creg, que é liderada pelo Ministério de Minas e Energia, é a atual condição do solo “bastante seco, e, portanto, maiores dificuldades de transformação das chuvas em vazões, ou seja, em volumes significativos de água que chegam nos reservatórios do país”.
No comunicado distribuído após a reunião, a câmara disse que os resultados do esforço de enfrentamento à crise evidenciam a importância das medidas emergenciais, principalmente a busca por ampliar a capacidade de geração de energia, “apesar dos custos associados”.
O Ministério de Minas e Energia irá se reunir na próxima quinta (21) com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) para discutirem os cenários para a bandeira tarifária no país. O encontro já estava previsto antes das declarações de Bolsonaro.
A nova bandeira foi implementada em setembro e deve vigorar até abril de 2022, com o objetivo de antecipar receita para o pagamento das térmicas. A proposta foi criticada por especialistas e derrubou as ações de empresas do setor de energia nesta sexta (15).
Para os especialistas, o cenário ainda é grave e não permite abrir mão de toda a capacidade térmica disponível. Com a redução da bandeira, esse custo seria jogado nos reajustes tarifários de 2022, pressionando a inflação também no ano que vem.
A manutenção do parque térmico sem a receita adicional impacta diretamente o caixa das distribuidoras de eletricidade, que são responsáveis por recolher dinheiro do consumidor para repassar aos geradores de energia.
Na reunião nesta sexta, a Creg decidiu prorrogar medidas extraordinárias de combate à crise hídrica, como a flexibilização de regras para as usinas hidrelétricas Jupiá e Porto Primavera até fevereiro de 2022.
Desde junho, na tentativa de evitar um racionamento de energia elétrica, o governo decidiu reduzir a vazão dessas duas usinas, que ficam no rio Paraná.
Na reunião da Creg, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apresentou um cenário para o setor até abril de 2022. Para os próximos meses, a perspectiva é mais desafiadora que a traçada por Bolsonaro.
As projeções da ONS indicam que, num cenário conservador, poderá ser necessário usar parte da reserva operativa, que geralmente é acionada em caso de imprevistos.
Isso poderá ocorrer “em alguns momentos do mês de outubro de 2021 e em menor escala nos meses de novembro e dezembro”.
Segundo o órgão técnico, as medidas excepcionais adotadas para contornar a crise hídrica foram na direção correta.
“Os resultados apresentados evidenciam a assertividade das prospecções realizadas, bem como a importância das medidas excepcionais em curso, apesar dos custos associados, fruto dos esforços empreendidos especialmente com vistas ao aumento das disponibilidades energéticas e das relevantes flexibilizações hidráulicas em usinas hidrelétricas”, diz a nota.
A previsão é que a bandeira escassez hídrica vigore até abril de 2022. Segundo a Aneel, a nova bandeira gera uma alta de 6,78% na conta de luz.
Com a maior crise hídrica dos últimos 91 anos, as hidrelétricas perderam espaço na oferta, enquanto o governo se viu obrigado a acionar térmicas -fonte mais cara, cujo custo é repassado ao consumidor.
As bandeiras -verde, amarela e vermelha- constam da conta de luz e servem para indicar a necessidade de se reduzir o consumo. Caso contrário, o cliente paga mais. A bandeira escassez hídrica é a mais cara.
Embora o presidente tenha afirmado que determinaria a suspensão dessa nova bandeira, ele não tem autonomia para tomar esta decisão.
O órgão responsável por estabelecer as bandeiras tarifárias no Brasil é a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), mas, no caso da bandeira de escassez hídrica criada neste ano contra a crise, a decisão cabe à Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética), presidida pelo ministro Bento Alburquere.
Apesar de o presidente defender o fim da taxa mais cara, a arrecadação das bandeiras tarifárias acumulou um déficit de R$ 8 bilhões até agora. O rombo mostra que a receita com as bandeiras não tem sido suficiente para cobrir o custo mais elevado de geração de energia elétrica.
Em sua programação semanal da operação, divulgada nesta sexta, o ONS manteve, para a semana que vem, previsão de chuvas acima da média nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que concentram os principais reservatórios de hidrelétricas do país. Segundo o operador, o volume de precipitações nessas regiões deve chegar a 138% da média histórica.
Além disso, reduziu as projeções de consumo de energia no país, diante da possibilidade de temperaturas mais amenas. Em média, o consumo nacional cairá 2,8%, puxado pelo Sudeste e Centro-Oeste, onde a demanda deve recuar 3,8%.