‘Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições’, diz Bolsonaro
Presidente renova ataques contra sistema eleitoral de olho em 2022, quando deve disputar a reeleição
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez nesta quinta-feira (8) novas ameaças em relação ao pleito do ano que vem, quando ele deve disputar a reeleição ao Palácio do Planalto.
“Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, declarou a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada. A fala foi transmitida por um site bolsonarista.
Bolsonaro tem feito recorrentes afirmações falsas sobre as eleições no Brasil, com acusações infundadas de que pleitos passados foram fraudados e que ele só será derrotado em 2022 caso haja irregularidade semelhante —pesquisas recentes apontam o favoritismo do ex-presidente Lula (PT).
A principal estratégia do presidente é questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.
O próprio Bolsonaro foi eleito para o Legislativo usando o sistema em diferentes ocasiões, assim como venceu o pleito para o Palácio do Planalto em 2018 da mesma forma.
Bolsonaro defende a adoção do voto impresso —segundo ele, auditável. Tramita no Congresso uma proposta nesse sentido, mas a ideia conta com oposição de uma coalizão de partidos, alguns deles da própria base de Bolsonaro.
Nesta quarta-feira (7), ao defender o voto impresso nas eleições de 2022, ele disse que, sem o artifício, um dos lados da disputa eleitoral questionaria o resultado e que, “obviamente”, este seria o lado dele.
“Eles vão arranjar problemas para o ano que vem. Se este método continuar aí, sem, inclusive, a contagem pública, eles vão ter problemas. Porque algum lado pode não aceitar o resultado. Este algum lado, obviamente, é o nosso lado, pode não aceitar o resultado”, disse Bolsonaro em entrevista à Rádio Guaíba.
A declaração de Bolsonaro de quarta provocou uma reação do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, que soltou nota para rebater o chefe do Executivo.
Na mesma entrevista, Bolsonaro fez nova defesa do voto impresso, reafirmou que apresentaria provas de que houve fraudes nas eleições de 2014 e 2018 e afirmou falsamente que, na disputa entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), foi o tucano quem venceu o pleito.
”O nosso levantamento aqui, né, o nosso levantamento, feito por gente que entende do assunto, que esteve presente lá dentro, acompanhou toda a votação, ele garante que sim [Aécio foi eleito].”
“E o que eu vi, eu não sou técnico em informática, mas o que eu vi, está comprovado, no meu entender, a fraude em 2014. O Aécio foi eleito em 2014”, disse o presidente, sem apresentar nenhuma evidência —naquele disputa Dilma Rousseff (PT) foi reeleita com 52% dos votos, ante 48% do tucano Aécio, com vantagem de cerca de 3,5 milhões de votos.
No início deste ano, após a invasão do Capitólio por apoiadores extremistas de Donald Trump que contestavam o resultado das eleições nos EUA, Bolsonaro disse que, se não houver voto impresso em 2022, ou uma maneira de auditar o voto, haverá no Brasil “problema pior do que nos Estados Unidos”.
A declaração se soma a um discurso contra o sistema eleitoral e a um contexto que inclui militarização do governo, flexibilização do acesso a armamento e naturalização da corrupção no país.
Para especialistas ouvidos anteriormente pela Folha, toda essa atmosfera alimenta a desconfiança sobre um risco de golpe, que não deve ser ignorada, ainda que vários considerem improvável que tal cenário se concretize.
A estratégia de manter um discurso que coloca em xeque o sistema eleitoral brasileiro e, ao mesmo tempo, questiona um eventual resultado negativo nas urnas aproxima Bolsonaro de outros líderes populistas, a exemplo do que fez Trump antes de deixar a presidência dos EUA.
No Planalto, Bolsonaro faz do mandato uma campanha eleitoral constante, alimentando sua base de apoiadores mais fiel com a retórica própria do autoritarismo.
Apesar de eleito por vias democráticas, especialistas afirmam que, em vários episódios, Bolsonaro já expressou de forma clara seu desprezo pelo sistema.
Ataques ao sistema eleitoral e à urna eletrônica fazem parte da retórica de Bolsonaro desde a campanha. Na véspera do pleito, em outubro de 2018, ele afirmou que só perderia se houvesse fraude. “Isso só pode acontecer por fraude, não por voto, estou convencido”, disse em live em outubro de 2018.
As acusações infundadas se mantiveram mesmo depois de eleito. Em março de 2020, Bolsonaro disse que teria vencido a eleição ainda no primeiro turno, porém nunca apresentou nenhuma prova disso.
Até hoje, não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica. A urna possui diferentes medidas de segurança e de auditoria.
Independentemente disso, há especialistas que defendem que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deveria aumentar a transparência do sistema eleitoral e melhorar as possibilidades de auditoria das eleições. O problema, dizem eles, é que o debate técnico e sério acaba ofuscado pela desinformação e por mentiras.
ALGUNS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA DAS URNAS ELETRÔNICAS
- Dispositivos de segurança
- Uso de criptografia
- Código certifica que o sistema da urna é o gerado pelo TSE e não foi modificado
- Somente o sistema do TSE pode funcionar na urna
- O sistema da urna fica disponível para consulta pública por seis meses
- Em Testes Públicos de Segurança, especialistas tentam hackear o equipamento e apresentam as falhas encontradas para o TSE corrigir
- Urnas selecionadas por sorteio são retiradas do local de votação e participam de uma votação paralela, para fins de validação
- Sistema biométrico ajuda a confirmar identidade do eleitor
- “Log”, espécie de caixa-preta, registra tudo o que acontece na urna
- Impressão da zerésima e boletim de urna
- Processo não é conectado à internet
- Lacres são colocados na urna para impedir que dispositivos externos (como um pendrive) sejam inseridos
O QUE BOLSONARO JÁ DISSE SOBRE URNAS ELETRÔNICAS
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‘PERDER NA FRAUDE’
Em live, em setembro de 2018, quando se recuperava de facada
“A grande preocupação realmente não é perder no voto [a eleição presidencial], é perder na fraude. Então, essa possibilidade de fraude no segundo turno, talvez até no primeiro, é concreta.”
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‘NÃO POR VOTO’
Em live, em outubro de 2018, antes do segundo turno das eleições
“Isso só pode acontecer por fraude, não por voto, estou convencido.”
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‘VOTO IMPRESSO É SINAL DE CLAREZA’
Em novembro de 2019, após Evo Morales renunciar à Presidência da Bolívia
“Denúncias de fraudes nas eleições culminaram na renúncia do Presidente Evo Morales. A lição que fica para nós é a necessidade, em nome da democracia e transparência, contagem de votos que possam ser auditados. O VOTO IMPRESSO é sinal de clareza para o Brasil!”, escreveu nas redes sociais.
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‘A DIFERENÇA FOI MUITO MAIOR’
Em live, em novembro de 2019, comentando a renuncia de Morales
“Todo mundo dizia que eu tinha tudo para ganhar as eleições na reta final. Eu tinha certeza disso e teve no final 55% para mim e 45% para o outro candidato. Muita gente achou que a diferença foi muito maior. Como um lado ganhou, e nas ruas todo mundo tinha essa convicção de que eu ia ganhar, não houve problema. Mas imagina se o outro lado ganha as eleições, como é que a gente ia auditar esses votos? Não tinha como auditar.”
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SUPOSTAS PROVAS
Durante evento em Miami, em março de 2020
“Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente [até hoje o presidente não apresentou o material], eu fui eleito no primeiro turno, mas, no meu entender, teve fraude. E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes (…).”
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‘VÃO QUERER QUE EU PROVE’
Em novembro de 2020, após votar no pleito municipal
“A minha eleição em 2018 só entendo que fui eleito porque tive muito, mas muito voto. Tinha reclamações que o cara queria votar no 17 e não conseguia. Vão querer que eu prove. É sempre assim. O cara botava um pingo de cola na tecla 7, um tipo de adulteração.”
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‘TEVE MUITA FRAUDE LÁ’
Em novembro de 2020, comenta as eleições americanas após votar no pleito municipal
“Tenho minhas fontes [que dizem] que realmente teve muita fraude lá. Isso ninguém discute. Se foi suficiente para definir um ou outro, eu não sei.”
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‘É NO PAPELZINHO’
Em conversa com apoiadores, em dezembro de 2020, dá informação falsa sobre as eleições para Presidência da Câmara dos Deputados, que adota sistema eletrônico desde 2007
“O que é comum na Câmara, não sei como está agora. As eleições na Mesa [Diretora], para presidente, é no papelzinho. Não sei como vai ser esta agora.”
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PIOR QUE OS EUA
Nesta quinta (7), ao comentar invasão do Congresso americano
“Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos.”
“Lá [EUA], o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí.”