Pablo Marçal fala sobre morte de jovem que lhe prestava serviço: ‘Coloquei o nome dele no meu melhor tênis’
Em live para 12 mil pessoas, coach diz que empresa ficará 70 dias em luto; família cobra investigação
O coach Pablo Marçal se manifestou publicamente pela primeira vez sobre a morte de Bruno da Silva Teixeira, que prestava serviços para uma empresa da holding dele. O jovem de 26 anos sofreu uma parada cardíaca durante uma maratona de rua realizada pelo grupo empresarial comandado pelo coach, no Alphaville, em São Paulo. Pouco antes da corrida, Bruno gravou um vídeo em que revelava uma mudança repentina na distância da prova, sem o conhecimento prévio dele, de 21 km para 42 km. “Onde eu fui me enfiar?”, disse ele, na gravação.
Teixeira passou mal no 15° km da corrida, por volta das 22h. Marçal, que nega envolvimento com a corrida, não estava no grupo. No entanto, o desafio repentino de correr uma maratona foi dado dias após o coach ter feito um vídeo no qual dizia ter completado uma corrida de 42 km. Na publicação, ele se gabava do feito e dizia: “Minha mãe não é mãe de fraco. Meu pai não é pai de otário. Minha vó não é vó de trouxa”.
Duas semanas depois da morte de Bruno, numa live com 12 mil pessoas, Pablo Marçal reiterou que não havia comentado o caso em público por “respeito à dor da família” e reclamou das cobranças por um posicionamento.
— Respeita o cara, morreu novo. Mil e trezentas pessoas morrem por dia com problema de coração. Passa na porta aqui da minha empresa. Nós vamos ficar 70 dias com as bandeiras baixas, nós estamos em luto por ele — afirmou Marçal, que revelou outra homenagem para o jovem: — Quando um piloto de avião morre, os pilotos que são amigos escrevem o nome do cara e carregam na ombreira. Eu corro todo dia com meu melhor tênis, está escrito o nome dele. Eu vou lançar o maior movimento de cuidar da saúde desse país.
Na mesma live, Marçal afirmou que, “se pudesse, gastaria milhões para esse cara não morrer”. No entanto, disse não ter “nada a ver” com a corrida e a morte, que ocorreu, segundo ele, enquanto estava dormindo em casa. O coach disse que não obriga colaboradores a correr nem a estudar.
— Ele escolheu isso, ele não corria com a gente, é um cara amado aqui por todo mundo, mas eu entendo vocês. Ele tá melhor que vocês que estão conversando fiado, entendeu? Para de ser acusador, isso é um hábito de gente miserável, gente vítima — disse o coach, que classificou o caso como uma “fatalidade”.
Coach alega ‘perseguição’; família quer punição para ‘maratona da morte’
Marçal afirmou, ainda, que está sendo perseguido após o caso.
— Eu sou um cara que, vocês sabem, vai virar presidente do Brasil uma hora ou outra. Você é famoso, você é ajeitadinho, você fala bem, você defende família, você defende tudo que a sociedade hoje está manipulada para não fazer, você vai ser perseguido. Eu continuo em pé, tranquilo. E se tiver culpa de alguém, que pague. Chega. Pode ir tranquilo. Descansa em paz — disse Marçal, na live, que não está mais disponível nas redes sociais do coach, mas foi gravada pela família de Bruno.
A mãe do jovem se recusou a atender ligações de Pablo Marçal. Para Luciano Teixeira, irmão de Bruno, o coach tenta se distanciar do fato, mas a família cobra apuração sobre o que aconteceu antes e depois da “maratona surpresa”.
— Ele tá tentando se proteger e ficar de fora. Está nítido que ele sabe o que acontece dentro do complexo dele tanto que se manifestou dando entrevista. Nós confirmamos o registro de ocorrência, e o delegado disse que vai começar a ouvir os envolvidos. A expectativa que o delegado consiga fazer o trabalho dele e nos ajude a chegar a quem inventou essa maratona da morte — disse Luciano.
Corrida havia dobrado de 21 km para 42 km
Bruno partiu para correr 42 km no dia 5 de junho em um desafio proposto de última hora. O jovem e colegas que trabalham na XGrow — empresa criada por Marçal e comandada por um sócio, desde que o coach decidiu ser candidato a presidente, no ano passado— souberam na hora que o desafio havia dobrado de 21 km para 42 km.
— Onde eu fui me enfiar? Esse é o problema de andar com gente de frequência alta — afirmou ele no vídeo, publicado na ferramenta stories do Instagram.
A Polícia Civil de São Paulo investiga o caso como “morte suspeita”.
— Vocês com desculpas aí para fazer os treinos, para fazer acontecer. Marcelo [coach que estava no grupo] está dando aula da mentoria enquanto está correndo. Duas coisas ao mesmo tempo — disse Teixeira em outro vídeo, gravado durante o exercício.
Teixeira começou a trabalhar em dezembro do ano passado para uma das empresas da holding de Marçal. Elas ficam todas sediadas em um mesmo prédio, que pertence ao coach, em Alphaville. Foi deste edifício que o jovem partiu para a corrida em grupo.
— A corrida foi organizada dentro da empresa para funcionários. Eles decidem no dia cedo: ‘À noite vamos fazer uma corrida’. Não existe preparação, não existe exame, nada. Só dizem que à noite vão fazer corrida. Tanto que não sabiam se seria 21 ou 42 km. Aí foi decidido que iriam fazer maratona, 42 km — disse Clara Serbim, melhor amiga de Teixeira, em entrevista ao GLOBO.
Irmão havia alertado sobre riscos do exercício pesado
Clara contou que Teixeira chegou a ser alertado pelo próprio irmão dele no dia da corrida. “Tenha cuidado, isso dá problema no coração, precisa fazer exame”, disse o familiar à vítima. Mas Teixeira respondeu: “Ah não, a gente vai devagar, só trotando”.
— Com essa cultura [de coach], não pode pedir desculpas, não pode ficar atrás, tem que olhar para o alvo, seguir em frente. O Bruno estava nessa “pira” de seguir, nessa mentalidade “anti-frágil” e ignorou o formigamento no pé — afirma Clara.
No último dos vídeos publicados por Teixeira, o jovem conta que precisou fazer uma parada por causa de um formigamento no pé, o que fez intensificar o exercício para reencontrar o grupo mais à frente.
— Eu tive que parar ali atrás para arrumar meu tênis, que estava apertado. Estava formigando o meu pé. Aí a galera foi e eu fiquei. Na vida também, o cara que você pegar como referência não vai te esperar. Ele vai fazer o que ele tem que fazer. Depois, irmão, você que tem que se lascar para alcançar ele. Alcancei, tô aqui. Tive que dar mais gás. Então, se você tem um cara de referência, não espere ele deslanchar na sua frente — disse no vídeo o jovem, que passou mal pouco depois.
‘Fatalidade’, diz advogado de Marçal
O advogado Tasso Renam Souza Botelho, representante de Marçal, disse ao GLOBO que seu cliente não se manifestou publicamente para não expor a família. O defensor também alegou que a maratona não foi proposta pela empresa, mas apenas “um treino entre amigos e veio a desaguar nessa fatalidade”.
— Não se trata de uma maratona nem de uma corrida ligada à empresa. Foi um treino desenvolvido por algumas pessoas, algumas são funcionárias que compõem o grupo empresarial e outras, não. Algumas passaram lá para deixar os carros porque o ponto de encontro do treino era um posto de gasolina próximo — afirmou Botelho.
Segundo Botelho, que também participava do treino, Teixeira estava correndo quando sentiu uma dor no peito. Abaixou-se e recebeu os primeiros socorros de colegas, que decidiram levá-lo de carro até o hospital Albert Einstein, de Alphaville. O advogado diz ter pagado do próprio bolso os custos de R$ 9 mil da internação do jovem na unidade de saúde.
— Bruno era um querido da empresa. Foi uma perda inesperada. Estamos todos sofrendo com a perda. Não houve exame prévio porque é um treino comum. Se você for correr a São Silvestre, não vão te pedir exame. Vão te pedir para assinar um termo. Não há necessidade legal de se ter exame prévio para fazer corrida. O que aconteceu foi uma fatalidade — disse ele sobre a tradicional corrida de rua de São Paulo, que tem distância de 15 km e suporte de equipes médicas e ambulância.
Botelho disse ainda que Teixeira era prestador de serviços em uma das empresas que são sediadas no Complexo, que pertence a Pablo Marçal.
— Pablo não tem mais participação societária na empresa em que o Bruno trabalhava. Ele vendeu a participação dele na época das eleições — acrescentou o advogado.
A Secretaria de Segurança de São Paulo afirmou que a ocorrência foi registrada como morte suspeita no plantão da Delegacia de Barueri e encaminhada ao 2º Distrito Policial da cidade, que passou a investigar o caso. “Diligências seguem em andamento, e laudos periciais estão em elaboração para auxiliar na conclusão da causa da morte”, disse a pasta, em nota.
Outro lado
A assessoria de imprensa de Pablo Marçal enviou uma nota ao GLOBO. Segue o comunicado:
1 – As pessoas que estavam no local da fatalidade chegaram a ligar para o SAMU, mas o serviço demorou fazendo perguntas e o carro de uma das pessoas que estava treinando estava mais próximo e levou a vítima para o hospital Albert Einstein, que fica muito próximo do local da fatalidade.
2- Ele foi vítima de um mal súbito e os presentes informaram que tudo aconteceu muito rápido. Ele chegou com pulso no hospital, pois foi feito massagem cardíaca no carro, e no hospital perdurou por mais 50 minutos aproximados.
3- Não era sua primeira vez em corridas de rua, praticava desde 2018 como está no seu Instagram, e nesse dia decidiu treinar de última hora. Inclusive, falou com um parente que o alertou de não participar desse tipo de treino antes de fazer exames. Descobrimos isso depois do ocorrido.
4- O ponto de encontro agendado entre os participantes era em um posto de gasolina que fica na rua onde ocorreu a fatalidade. No entanto, a maioria passou no prédio onde a empresa fica localizada para deixar seus veículos antes de seguir para o ponto de encontro, que era o posto, e lá acabaram pedindo instruções para os corredores mais experientes.
5- Era um treino espontâneo e amador, como muitos que acontecem todas as noites pelo Brasil, inclusive em no local do ocorrido onde se nota praticantes do esporte todos os dias ao anoitecer. Alguns se desafiaram a correr 42 km e outros se desafiaram a correr 10, 15, 21 km. A maioria chegou a correr entre 15 e 21 quilômetros.
Treinos não são estruturados. Cada um leva a sua água e suplementos de acordo com seus gostos.
Lamentamos essa fatalidade profundamente, pois todos estão sujeitos a uma fatalidade, mas ninguém espera.
Não houve manifestação prévia, pelo cuidado de não haver exposição da família e para não reviver uma dor tão difícil de suportar, o que infelizmente não foi possível, ja que certas pessoas se utilizaram dessa dor para outros fins.
Em todo tempo prestamos o suporte necessário a família e mais uma vez renovamos nossos sinceros sentimentos.