Paciente que precisa de remédios caros entra em pauta no STF
Julgamento está marcado para a próxima quarta (22) e seu resultado deve servir de parâmetro para disputas sobre fornecimento de medicamentos de alto custo nesta e demais instâncias
Uma redução de 80 para “apenas” quatro ou cinco convulsões diárias. Esse é o principal argumento dos pais de Natan, de 6 anos, para convencer o Supremo Tribunal Federal (STF) a garantir que o Sistema Único de Saúde (SUS) pague para ele a importação do canabidiol, substância extraída da planta de maconha e único tratamento que se mostrou eficaz para atenuar o sofrimento da criança.
Desde 2015 o estado de São Paulo tenta reverter, sem sucesso, a decisão de primeira instância que determinou ao governo paulista pagar para Natan os cerca de R$ 300 mil necessários por semestre para importar o canabidiol. Após o caso ganhar a repercussão geral no Supremo, todas as outras 26 unidades da Federação entraram como interessadas no processo.
Judicialização da saúde
O pano de fundo da disputa é a chamada judicialização da saúde, fenômeno que cresce a cada ano, causando impacto no orçamento da área. Na quarta-feira, o Supremo tem pautadas ainda mais duas repercussões gerais ligadas ao fornecimento de remédios de alto custo pelo SUS. São mais de 43 mil processos suspensos por todo Brasil, aguardando uma definição do plenário.
No início do mês, 11 governadores se reuniram com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para reclamar que, ao garantir medicamentos caros a poucos, a Justiça pode acabar limitando o acesso de muitos a tratamentos básicos.
“A desproporção de valor é gritante. Vamos atender a 500 mil pessoas com o valor que atendemos a 30 milhões de pessoas na atenção básica”, disse o governador Reinaldo Azambuja, de Mato Grosso do Sul, que falou em nome do Fórum de Governadores. “A judicialização está tirando recursos da universalização”, resumiu.
Não há estimativa agregada sobre os gastos dos estados em decorrência de decisões judiciais ligadas a tratamentos médicos, mas Azambuja mencionou um impacto de até “[R$] 17 bilhões em todos os estados” em 2018. Segundo o Ministério da Saúde, no ano passado a União pagou, sozinha, R$ 1,2 bilhão na compra de 10 medicamentos para doenças raras, atendendo a 1.596 pacientes que conseguiram liminares na Justiça.
Um levantamento divulgado em março pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou um crescimento de 130% nas ações judiciais desse tipo entre os anos de 2008 e 2017, existindo hoje ao menos 498.715 processos de primeira instância só sobre temas relacionados à saúde. Um quinto dessas demandas é promovido por pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, mostra o estudo.
Entre os diversos motivos que levam as pessoas a buscar a Justiça para ter acesso a tratamentos caros está o descompasso entre o desenvolvimento tecnológico e sua incorporação pelos órgãos estatais, avalia o juiz federal Clenio Schulze, especialista no assunto e coautor do livro Direito à Saúde – Análise à luz da judicialização (2019).
“Um dos problemas maiores é que a indústria produz muito, são muitos medicamentos novos e é muito difícil o Estado incorporar”, disse Schulze à Agência Brasil .
Diante de casos de vida ou morte, os juízes muitas vezes sentem não ter alternativa senão determinar que o Poder Público providencie com urgência os tratamentos. “A percepção que eu tenho, em contato com os juízes do Brasil, é que, como regra, eles têm dado ganho de causa ao autor do processo, justamente por essa situação trágica”, disse o magistrado.
Sem alternativas
Não fosse o SUS, a família de Natan, portador de encefalopatia crônica por citomegalovírus congênito combinada com epilepsia, não teria como desembolsar o dinheiro para importar as ampolas de canabidiol necessárias ao tratamento.
“Se a gente não entrasse com o processo, nossa realidade ia ser muito mais difícil”, disse o pai de Natan, Gilvan de Jesus Santos. Ele hoje está desempregado e trabalha com bicos de entrega para sustentar a família, contou à Agência Brasil .
Responsável por mover milhares de processos do tipo, a Defensoria Pública da União (DPU) também entrou como interessada no caso. Nos autos, o órgão rebate os argumentos dos estados sobre a falta de recursos para arcar com os medicamentos caros não registrados pela Anvisa.
Para a DPU, a Constituição obriga o Estado a fornecer atendimento universal de saúde e, portanto, o Poder Público deve encontrar meios de priorizar essa obrigação.
“Ainda que sejam limitados ou finitos os recursos públicos e estejam os mesmos presos à observância das leis orçamentárias, no confronto de valores há que se dar prevalência à saúde e à vida digna dos indivíduos”, escreve o defensor público federal Bruno Vinicius Batista Arruda.
Julgamento
Por ter dezenas de interessados, cada um com a possibilidade de falar em plenário, a tendência é que a análise das repercussões gerais que tratam da judicialização da saúde tome bem mais do que uma sessão plenária no Supremo.