Padrão cultural que causou genocídio de índios em 1993 foi agravado, diz vice-procurador
A apologia ao garimpo coloca o índio como obstáculo a ser coletivamente eliminado, segundo o vice-procurador-geral porque "o garimpeiro é um herói que a custa de sacrifícios pessoais expande as fronteiras da riqueza
O procurador federal Luciano Mariz Maia, vice de Raquel Dodge na PGR (Procuradoria-Geral da República), foi responsável pela acusação no único caso de condenação por genocídio na história da Justiça brasileira, dos garimpeiros que chacinaram 16 índios no “Massacre de Haximu” (1993), quando era procurador em Roraima.
Dos cinco condenados, só um, Pedro Emiliano Garcia, está vivo e foi preso, no dia 1º de novembro, acusado por crimes ligados à mineração ilegal na Terra Indígena Ianomâmi.
Para Mariz Maia, o distúrbio cultural que levou ao genocídio, na época, “foi agravado nos anos posteriores”. “O garimpeiro é um herói da sociedade local, na praça central de Boa Vista há um Monumento aos Garimpeiros. Mas não há nenhum garimpo permitido em Roraima e, pelo menos desde 1989, o garimpo em terra indígena é crime”, afirma.
A grande estátua de um garimpeiro, a que se refere Mariz Maia, está localizada ao centro da praça do Centro Cívico, a principal da capital de Roraima, em volta da qual estão o Palácio do Governo, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça. Ele está para Boa Vista como o monumento a Juscelino Kubitschek em Brasília, junto à Praça dos Três Poderes.
A apologia ao garimpo coloca o índio como obstáculo a ser coletivamente eliminado, segundo o vice-procurador-geral porque “o garimpeiro é um herói que a custa de sacrifícios pessoais expande as fronteiras da riqueza. E o índio, de muitas terras, ‘preguiçoso’, passou a ser o dono das terras”.
Essa alteração da lei não correspondeu a uma mudança cultural na sociedade. “Conseguimos demonstrar esse choque: se o sujeito era herói e agora se torna bandido, imagine a frustração. São fatores que interferem para que esses grupos sejam violentos com os índios”, diz o procurador.
O genocídio foi definido na Convenção para Prevenção ao Crime do Genocídio, de 9 de dezembro de 1948, que em dezembro completa 70 anos, e foi incluído na Constituição brasileira de 1988. Sua tipificação prevê uma pluralidade de situações: “Destruição no todo ou em parte de um grupo étnico ou religioso em razão de seu pertencimento a essa minoria. Morte, lesões ou morte de um líder que desarticule política ou culturalmente esse grupo, mudanças forçadas ou esterilização”, explica o vice-procurador-geral.
Para caracterizar o genocídio, em 1993, a acusação usou as provas de que os matadores tinham por objetivo exterminar uma comunidade inteira e, ao não acharem todos os habitantes, mataram as pessoas encontradas em um acampamento do grupo.
Os índios eram vistos como “uma coletividade abstrata, apontada como empecilho aos interesses de outros grupos coletivamente vistos”, explica.