País cria mais vagas de baixa produtividade, diz estudo
O mercado de trabalho no Brasil está preso em uma armadilha de baixa produtividade. Atividades…
O mercado de trabalho no Brasil está preso em uma armadilha de baixa produtividade. Atividades que demandam menos estudo e oferecem salários mais baixos ampliam espaço no total de vagas criadas.
Já profissões que colocam o país em uma nova fronteira tecnológica, com mais qualificação e renda, até vêm crescendo, mas ainda são pouco representativas.
As tendências foram identificadas em um estudo de pesquisadores vinculados ao FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O levantamento tem foco no período de 2012 a 2019. Dessa forma, pretende eliminar eventuais impactos de caráter transitório causados pela pandemia no mercado de trabalho.
Entre as vagas que mais cresceram, em número de trabalhadores ocupados, estão vendedores de produtos diversos, em pontos comerciais ou nas ruas das cidades brasileiras.
Empregos em áreas relacionadas à transição tecnológica, como analistas de dados e serviços de TI (tecnologia da informação), também avançaram, mas sem alcançar tanto espaço na comparação com o total de profissionais no país.
O estudo do FGV Ibre é assinado por quatro pesquisadores: Janaína Feijó, Laísa Rachter de Sousa Dias, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Fernando Veloso.
“Entre as ocupações que registram os maiores aumentos estão aquelas relacionadas com a prestação de serviços relativamente mal remunerados, [tendência] compatível com a baixa produtividade do país nos últimos anos”, destaca o levantamento.
A análise é feita a partir de microdados da Pnad Contínua, a pesquisa sobre mercado de trabalho divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A Pnad contempla tanto o universo formal quanto o informal.
Segundo Veloso, o crescimento da população ocupada em serviços com menos exigências de qualificação e remuneração mais baixa reflete, em parte, a recente dinâmica macroeconômica vivida pelo país.
Entre 2014 e 2016, o Brasil embarcou em um período de dificuldades e amargou uma severa recessão, cujos prejuízos não foram totalmente recuperados. Diante desse quadro, a busca por vagas em serviços com menos exigências e no setor informal, por exemplo, foi alternativa para entrada ou reingresso no mercado de trabalho.
“A geração de empregos veio muito relacionada a vagas mais vulneráveis do ponto de vista de remuneração e até de proteção social”, diz Veloso.
“A tendência de crescimento do emprego em serviços é um fenômeno global. Não é a novidade em si. A questão do Brasil é que, entre os serviços que mais crescem, estão aqueles predominantemente informais e com menos exigência de escolaridade.”
O pesquisador menciona que, entre 2012 e 2019, o país até teve avanços na área de educação, o que costuma beneficiar profissionais no mercado de trabalho. Esses avanços, contudo, foram insuficientes para uma melhora mais forte nas condições de emprego.
Conforme o levantamento, mais de 44,7 milhões de trabalhadores não possuíam ensino médio completo no início de 2012. O número caiu para 37 milhões no final de 2019.
Em termos absolutos, a categoria classificada como outros vendedores é aquela que teve o maior acréscimo de ocupados, em média, entre 2012 e 2019. Foram 297.863 pessoas a mais ao ano.
Esse grupo engloba profissionais diversos, como vendedores a domicílio, vendedores por telefone, frentistas de postos de combustíveis e balconistas de serviços de alimentação.
Em seguida, aparecem os comerciantes e vendedores de lojas, com o segundo principal acréscimo, de 118.267 ocupados ao ano.
Vendedores de ruas e postos de mercado (80.163) –incluindo ambulantes que trabalham com comida–, cabeleireiros (78.548), condutores de automóveis, caminhonetes e motocicletas (77.464) e cozinheiros (58.635) também aparecem entre as dez ocupações em ascensão.
“A inserção no mercado de trabalho ficou mais difícil nos últimos anos. Talvez, essas ocupações representem uma forma mais fácil de colocação no mercado”, analisa Veloso.
As altas de outros vendedores (16,3% ao ano) e vendedores de rua e postos de mercado (11%) também estão entre as dez principais da pesquisa em termos percentuais.
“Trabalhadores com um nível mais baixo de escolaridade não têm tantas opções de atividades. Eles precisam encontrar algum tipo de renda”, sublinha a pesquisadora Janaína Feijó.
A escassez de vagas levou Victor Lima, 39, a vender sorvetes e picolés na cidade do Rio de Janeiro. A decisão ocorreu há quase dois anos, antes da explosão da pandemia de Covid-19.
“Está muito difícil conseguir um trabalho fixo, ainda mais para quem é pobre e não teve oportunidade de estudar”, relata Lima.
O vendedor tem ensino fundamental incompleto. Seu desejo é encontrar um emprego na área de serviços gerais, mas ele não descartaria migrar para outros setores. O que falta no momento é oportunidade, diz.
“A gente tem de agarrar o que aparece.”
O trabalho na rua também foi a forma de sustento encontrada por Linaldo Rocha, 67. Ele vende biscoitos, café e água na zona sul do Rio. As bebidas são carregadas pelo vendedor em uma caixa térmica.
Rocha passou a trabalhar nessa função há cerca de sete anos. Antes, era porteiro de um condomínio. Também já atuou como relojoeiro e borracheiro.
A idade, diz, virou um desafio na busca por vagas no mercado de trabalho. “Isso dificulta. A gente vai até as firmas, mas sempre acabam perguntando sobre a idade”, conta.
O estudo da FGV Ibre ainda analisa o comportamento de vagas de trabalho intensivas em tecnologia. Segundo o levantamento, ocupações com essas características vêm ganhando peso na economia brasileira, mas ainda não são tão representativas.
A demanda por instaladores de equipamentos eletrônicos e de telecomunicações, por exemplo, foi a terceira ocupação que mais cresceu, em termos percentuais, entre 2012 e 2019 (13,1% ao ano).
Outras atividades relacionadas à tecnologia da informação e comunicação, como dirigentes de serviços de TI e especialistas em dados, também surgem como ocupações emergentes, com avanço da população ocupada em torno de 10% ao ano.
“Há um crescimento nessas vagas, mas ainda não são tão representativas no total. TI envolve uma qualificação maior, é vista como uma área de profissões com futuro”, avalia o pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho.
O estudante de direito Ricardo Freitas de Araujo, 24, decidiu migrar para o setor de tecnologia da informação. Há sete meses, assumiu uma vaga na parte comercial de uma empresa do ramo em Porto Alegre (RS).
A oportunidade foi aberta após ele ser indicado por um amigo, que também é estudante de direito e trilhou o mesmo caminho.
Araujo conta que vem fazendo cursos preparatórios para trabalhar com segurança da informação. Agora, já está em processo de mudança para uma vaga que considera mais técnica, de analista de negócios, na mesma empresa.
A meta, aponta, é continuar estudando e dar novos passos no setor de tecnologia. Ele planeja concluir o curso de direito em um ano e meio, mas não quer trabalhar na área jurídica.
“Pretendo me aperfeiçoar em segurança da informação. Vejo muitas possibilidades, mais do que no direito. Os dados são a moeda do futuro.”
O levantamento do FGV Ibre também aponta os tipos de ocupação que mais recuaram no Brasil, em média, ao ano, entre 2012 e 2019.
Nesse sentido, os pesquisadores chamam atenção para a redução de postos de trabalhadores classificados como elementares.
Nessa lista, estão trabalhadores elementares da agropecuária, da pesca e florestais (fechamento de 300.489 vagas), trabalhadores elementares da mineração e da construção (-94.992) e trabalhadores domésticos e de limpeza de interior de edifícios (-70.743).
Janaína avalia que pelo menos dois fatores ajudam a explicar, em parte, o declínio das atividades.
Ela relata que a modernização vem reduzindo funções associadas a tarefas repetitivas e operacionais.
Além disso, avanços incipientes na área de educação, entre 2012 e 2019, podem ter levado uma parte desses profissionais a migrar para outras atividades com rendimentos um pouco mais atraentes, especialmente dentro de serviços.
Segundo economistas, a crise gerada pela pandemia aumenta os desafios para a recuperação do mercado de trabalho no Brasil.
“É preciso um esforço para que o país aumente a qualidade educacional, e que ela seja voltada para o mercado de trabalho no longo prazo”, diz Sergio Firpo, professor de Economia do Insper.
Firpo acrescenta que, para avançar na geração de empregos, o Brasil também precisa colocar em prática uma agenda que estimule a competição entre as empresas.