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Pandemia faz número de sentenças de adoção despencar 26% em 2020

No intuito de diminuir o impacto causado pela Covid-19, boa parte das comarcas do país transformou os processos presenciais em online

Pandemia faz número de sentença de adoções despencar 26% em 2020 (Foto: divulgação/ O Progresso)

A pandemia da Covid-19 atrasou a finalização dos processos de adoção no Brasil em 2020. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano passado houve uma redução de 26,4% na concessão de sentenças de adoção no país se comparado a 2019 — a queda foi de 3.013 para 2.216 decisões. Enquanto isso, o Brasil tem atualmente 4.977 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, segundo o CNJ.

Além das dificuldades de procedimentos advindas da pandemia e de seus novos protocolos de segurança sanitária, a crise global fez com que muitas famílias simplesmente adiassem o sonho de adotar uma criança, explica Monica Labuto Fragoso Machado, juíza titular da 3ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio:

— Muitos pretendentes estão desempregados ou com alguém da família doente. Tivemos, inclusive, caso de óbitos por Covid-19 de pretendentes à adoção. E alguns habilitados disseram que tinham pais idosos e que não poderiam fazer estágio de convivência, pedindo a suspensão do cadastro. Também observamos que o aumento dos casos de divórcios acabou ensejando a desistência de habilitados, além de que médicos e enfermeiros habilitados que pediram a suspensão (do processo) por conta das grandes jornadas de trabalho.

Na contramão da queda nas adoções, houve em grande parte do Brasil uma tentativa de esvaziamento dos abrigos durante a pandemia. O objetivo era proteger crianças e adolescentes da contaminação pelo coronavírus.

Para que isso fosse possível, aconteceu uma corrida contra o tempo, entre fevereiro e março do ano passado, para avaliar com mais rapidez as famílias candidatas à adoção. Outras alternativas foram pesquisar se havia a possibilidade de os menores voltarem para suas famílias biológicas ou irem para um lar adotivo temporário.

— Na pandemia, o foco de trabalho dos servidores mudou. Agora, em vez de estarem preocupados em preparar novas famílias para adoção, eles passaram a trabalhar para tirar crianças abrigadas e tratar as denúncias de maus tratos contra crianças em famílias disfuncionais num contexto de isolamento social — afirma Saulo Amorim, coordenador do Grupo de Apoio à Adoção Cores da Adoção no Rio de Janeiro e membro do Observatório Nacional da Adoção.

Novos procedimentos

Quando as medidas restritivas de circulação começaram a ser empregadas nos estados, os processos de adoção tiveram que ser adaptados. Em boa parte das comarcas do país, o que era presencial se tornou online.

Assim, avaliações psicossociais das famílias candidatas a adotar, a aproximação com as crianças e adolescentes e até as audiências que autorizavam tanto a ida dos tutelados para a casa da família pretendente, quanto as adoções em definitivo, passaram para o ambiente virtual. No entanto, o tempo para concluir estas adaptações variou de acordo com o nível de informatização do Tribunal de Justiça de cada cidade.

— Percebemos que em várias situações era perfeitamente possível fazermos tudo à distância. Poucos foram os casos que o setor técnico indicava que era preciso fazer um estudo presencial, olho no olho com os pretendentes a adoção. O impacto da pandemia acabou sendo muito menor do que o que consideramos que seria de início — afirma Iberê Dias, juiz da Vara da Infância de Guarulhos (SP).

Este novo modelo de adoção foi vivenciado pela profissional de marketing digital Cristiane Borges, de 35 anos, e por seu marido, Rafael Soares, de 29. Eles se habilitaram como família adotante em novembro de 2019. No entanto, só começaram o processo de aproximação com os filhos em maio do ano passado.

— Começamos a conversar por videoconferência todos os dias, o que foi bem difícil porque as crianças não prestam atenção, ficam cinco minutos e não querem mais. Ainda mais com três crianças ao mesmo tempo — conta a mãe de Weverton, 12 anos, Vivian, 10, e David, 5.

Segundo ela, o caçula era muito tímido, então não falava nada. O maior saía de frente da câmera toda vez que os pais falavam algo com que ele não concordasse. E a menina foi mais tranquila.

— Eles brigavam entre si em frente à câmera para ver quem falava no microfone. Isso durou um mês — lembra.

Em junho, Cristiane recebeu autorização judicial para levar as crianças para passar o dia com ela. No dia seguinte, foi autorizada a passar uma semana com os filhos. No final do mês, saiu a guarda provisória. Os três irmãos estão com ela e o marido desde então.

A moradora do Rio Andréa Luiza também teve a experiência de adotar na pandemia. Ela viu o filho num grupo de WhatsApp e se apaixonou pelo menino de 9 anos, que morava em Maceió. Foram quatro meses falando apenas pelo telefone — como era pelo aparelho dos assistentes sociais foram poucos minutos por dia.

— Depois disso, ele passou um fim de semana com a gente, autorizado pelo abrigo quando mostramos o teste negativo para a Covid — lembra a mãe, que se derrete: — Foram seis meses até termos nosso príncipe moreno lindo em casa.

Daniela Pedras, de 40 anos, não teve a mesma sorte no seu processo de adoção. Moradora de São Paulo, ela vive na Lapa, bairro cuja comarca suspendeu as habilitações on-line. Por isso, ela segue, desde antes da pandemia, tentando passar pelas avaliações psicossociais para que consiga entrar na fila de adoção:

— Outras comarcas da cidade aderiram às avaliações on-line e estão fluindo normalmente. Mas eu estou aguardando até agora.

No entanto, apesar de alguns percalços, o que surgiu como alternativa para driblar um momento de crise sanitária deve virar rotina nas Varas da Infância e Juventude.

— Não tenho dúvida que esse novo formato de trabalho veio para ficar no judiciário como um todo. O que antes era exceção, invertemos o olhar. Não vou abrir mão da aproximação online, principalmente nos casos de adoção com famílias de outros estados. Com a tecnologia, é possível conversar todos os dias com o acompanhamento da nossa equipe de técnica supervisionando — diz a juíza Noeli Salete Tavares Reback, coordenadora estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Paraná.

Aula remota

Na pandemia, um desafio adicional foi o ensino remoto. Cristiane conta que os filhos sentiram dificuldade na adaptação na nova casa. No abrigo, eles estudavam apenas um dia na semana, quando a pedagoga visitava o espaço.

— Faziam a lição da semana toda em um único dia. Quando vieram para cá, foi um pouco mais complicado, porque tinham aulas todos os dias. No começo foram relutantes, falaram que queriam fazer tudo em um dia só — lembra a mãe do trio.

O grande desafio mesmo será neste ano, em que ela matriculou as crianças num colégio particular. Eles começaram a frequentar presencialmente, mas, como a situação do coronavírus voltou a piorar, Cristiane decidiu não mandar mais para a escola. Agora eles estudam online.

Segundo o advogado Saulo Amorim, que também é do Observatório Nacional da Adoção, a nova exigência de ensino em casa imposta pela pandemia não tem surgido como um fator para que casais percam a vontade de adotar.

— Até porque quem pensar nisso como um entrave tem que pensar muito o que é ser pai e mãe. A educação remota será um dos menores dos problemas ao longo da vida — defende o militante da adoção.