Diversidade

Papai Noel negro tem recepção calorosa em shopping do interior de SP

Metalúrgico aposentado Rubens Campolino conquistou não só os consumidores do centro de compras, mas também as redes sociais

Natal não é só sinônimo de renovação e de paz, mas também de quebra de barreiras. Que o diga o hoje metalúrgico aposentado Rubens Campolino, 70, morador há cerca de 40 anos em São José dos Campos (97 km de SP), que leva à criançada a figura de um Papai Noel negro.

Com risada longa e simpatia contagiante, Campolino conquistou não só os consumidores do Vale Sul Shopping, mas também nas redes sociais. Até sexta-feira (30), havia 1.300 comentários e 4.714 compartilhamentos no Facebook do shopping.

A recepção calorosa no shopping, entre abraços e beijos das crianças e adultos era um pouco inimaginável para Campolino, que foi criança na cidade mineira de Moeda e conheceu apenas Papais Noéis brancos. “Não. Foi a primeira coisa que respondi ao receber o convite. Imagina um Papai Noel negro? Qual seria a reação do povo”, relembra.

Ele conta que sofreu discriminação racial ao longo da vida. “Levo tudo na esportiva. Sempre fui assim”, diz, ao contar que recebeu recentemente apenas “uma” crítica de um homem em seu Facebook. “Eu me sinto realizado aqui e muito feliz de ser o Papai Noel de tantas crianças”, diz Campolino, pai oficial de quatro filhos e avô de quatro netos, após vestir as roupas especiais assinadas por uma figurinista do Rio.

Campolino foi descoberto casualmente, após conquistar o título de Mister Terceira Idade em 2017. Inicialmente, ele recusou o convite. A gerente de marketing do shopping, Luana Meneses, foi até uma casa de idoso em busca de um plano B. E não é que a pessoa indicada pela funcionária foi Campolino? “Ele é o cara que nasceu para ser o Noel”, diz Luana.

Além de Rubens Campolino, outros dois Papais Noéis se revezam na semana. Mas o maior movimento, segundo a gerência de marketing do Vale Sul, é quando o ex-metalúrgico está presente. “Voltamos neste ano só para vê-lo novamente. Achei bem legal a história dele”, diz a dona de casa Miriam Figueiredo, 30, mãe de Maria Luiza, 5, e Maria Julia, 1.

Ela conta que a filha mais velha, no ano passado, disse que o Papai Noel tinha a mesma cor dela. À reportagem a menina disse que o Papai Noel era “muito legal” e que havia gostado do “chapéu” dele. Também negra, a avó das crianças, que mora em Camaçari, na Bahia, e visitava a família na cidade do interior paulista, simplesmente se encantou. “É diferente. Amei. Já era para ter acontecido há muito tempo essa quebra de tabu.”

Dos cerca de 40 ajudantes do Papai Noel que se revezam no Vale Sul Shopping, Raquel Fausto, 22, festeja o reconhecimento das pessoas não apenas do colega Rubens Campolino, mas também dela, que é negra. “Para mim, tem sido maravilhoso”, diz Raquel, com um sorriso no rosto, após sua segunda participação na equipe de ajudantes.

A jovem confessa que, antes de assumir a função no shopping, conversou com Campolino. Ela admite que tinha receio do que poderia encarar pela frente.”A gente tinha medo e dúvida de como seria tudo. Só que foi muito além do que imaginávamos”, afirma a jovem, ao contar que já sofreu discriminação racial no mercado de trabalho e por conta do cabelo.

Libras

Em São José dos Campos, o Colinas Shopping também inovou no quesito Papai Noel. Com 13 anos de trenó e de barba branca, o aposentado José Mario dos Santos Graciano, 69, aprendeu Libras (linguagem de sinais) para se comunicar com as crianças e adultos surdos

“Eu adoro fazer essa figura [Papai Noel] todos os anos”, conta Graciano, de prosa fácil e que divide seu tempo com o trabalho na roça e o cuidar de seus pomares de frutas de diversos tipos.

Há uns quatro anos, quando Graciano já incorporava o bom velhinho, duas gêmeas irmãs se aproximaram dele, mas não se comunicaram. Foi quando descobriu, pelo pai, que elas eram surdas. “Aquilo mexeu comigo e fiquei em uma situação bem complicada. Foi quando descobri as Libras, que nem sabia que existia”, diz.

De lá para cá, Graciano fez vários cursos para se aperfeiçoar na linguagem. “É um eterno aprendizado. Não sou expert nem tenho a rapidez ainda, mas só de poder me aproximar da realidade desse público já me satisfaz”, afirma o Papai Noel.