CHINESES

Partido Comunista chega aos 100 anos com ampla influência sobre vida na China

Atuação da sigla, que celebra seu centenário nesta quinta-feira (1º), confunde-se com a do Estado

Partido Comunista Chinês chega aos 100 anos (Foto: Instagram)

Em um dia normal, o doutorando em relações internacionais Zeng Weishen se levanta cedo. Ainda na cama, checa as redes sociais e as principais notícias do dia em aplicativos e portais da China.

Quando não está correndo para cumprir os prazos da universidade, lê também as últimas atualizações do seu comitê de bairro —em geral um boletim com o status de obras e da manutenção de serviços públicos, além de novidades sobre impostos ou novas regulamentações municipais em Pequim. Depois, vai à academia e passa em uma lojinha, na qual paga a conta do café da manhã com uma carteira digital.

Essa rotina comum na vida de um cidadão chinês concentra uma característica central do país asiático: todas as atividades descritas passam, direta ou indiretamente, pelo Partido Comunista. Na semana em que celebra seu centenário, a organização pode reivindicar o feito de ter se tornado tão presente na vida da população ao ponto de muitas vezes suas funções serem confundidas com o próprio aparato estatal.

Nas notícias, o discurso é filtrado por diretrizes ideológicas do partido. Nas compras, as bases para a utilização de moeda digital são definidas pela legenda, e uma das principais carteiras digitais, o Zhīfùbǎo (ou AliPay, na versão ocidentalizada), pertence ao bilionário Jack Ma, filiado ao PC Chinêsdesde os anos 1980. No relacionamento dos cidadãos com o poder público, as comunas de bairro orientam sobre medidas sanitárias, obras, contagem do censo e, mais recentemente, a fila da vacina contra a Covid.

O partido também está presente na obrigatoriedade do ensino de marxismo à maioria dos universitários chineses, na definição de currículos escolares, na supervisão do grande firewall responsável por bloquear sites ocidentais na China e na concepção de políticas que regem a vida de minorias.

Para Zeng, a presença do Partido Comunista se traduz também no relacionamento familiar e no ativismo político, já que o pai dele, um oficial sênior há anos, atua na máquina pública. Os tios e o avô também são membros da organização. “Meu pai iniciou a carreira como um funcionário do programa local de redução da pobreza. Era um trabalho difícil e que me deixava muito orgulhoso, pelo esforço dele para entender a realidade, ajudar os menos favorecidos e auxiliá-los de uma forma que eles possam compreender e aceitar”, conta o doutorando, acrescentando que a filiação partidária e o trabalho do pai no governo local foram essenciais à sua formação moral e, posteriormente, na decisão de se filiar ao Partido Comunista.

Entender os tentáculos da legenda no governo chinês é essencial para a manutenção de boas relações com o país. A autoridade do PC Chinês, muitas vezes, é mais importante que a autoridade governamental. O primeiro-secretário de uma província, por exemplo, é mais importante que um governador.

Com cerca de 92 milhões de membros —o que faz da sigla a segunda maior organização política do mundo, atrás apenas do Partido do Povo Indiano, ou BJP, na sigla em inglês, que tem ao menos 180 milhões de filiados—, o Partido Comunista chinês exerce influência superior aos seus números superlativos, mesmo em um universo de 1,4 bilhão de habitantes, afirma o sinólogo e professor de relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Maurício Santoro.

“Propocionalmente, [o número de membros] pode parecer pequeno, mas é uma organização central na China, sobretudo pelo recrutamento de figuras proeminentes da sociedade. É, efetivamente, além de uma estrutura política robusta, uma grande rede de contatos”, analisa Santoro.

Para o professor, essa conexão entre povo, Estado e partido hoje é tão interligada que a trajetória do PC Chinês “se confunde com a própria história nacional, uma narrativa amplificada pelo Departamento de Propaganda ao delegar à legenda os créditos pelo sucesso do desenvolvimento, pela restauração da unidade nacional e por devolver à China o status de uma grande potência, respeitada pelo mundo”.

Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, corrobora essa visão. Para ele, o PC Chinês é mais presente que o próprio Estado, e um exemplo disso é a Frente Unida, que aglutina sindicatos, federações feministas e ativistas sociais. A atuação do órgão escancara as diferenças do modelo político que tornam o limite entre Estado e partido tão tênue.

“O Partido Comunista dá a linha ideológica e o direcionamento para o Estado, que tem de executar tarefas. Ao mesmo tempo, quando está presente nos sindicatos, na mídia e nos grupos sociais, ele também está nas organizações de base, pressionando esse mesmo Estado a transformar as orientações em leis e políticas públicas”, afirma Menezes. “É uma lógica interessante, porque o partido sozinho não legisla, mas orienta no topo da pirâmide e traz coesão às demandas da base.”

Assim, essa estrutura tão particular rompe com a lógica de separação dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) em prol de uma fidelidade não individual ou organizacional, mas à República.

Responsável pelas análises da China no Grupo Eurásia e especialista na estrutura burocrática partidária chinesa, o pesquisador Neil Thomas diz que, sobretudo na gestão de Xi Jinping, o PC Chinês vem assumindo mais funções antes delegadas apenas ao governo. Em 2018, uma grande reorganização administrativa nublou ainda mais a fronteira entre partido e máquina estatal.

“O Conselho de Estado, por exemplo, era o principal responsável pela formulação da política econômica. Com Xi, o partido assumiu essa tarefa por meio da comissão de reformas, uma espécie de órgão dedicado a definir, implementar e coordenar a política econômica. Xi também acumulou a presidência da comissão central econômica e financeira, que antes era uma função do primeiro-ministro”, afirma Thomas.