Pastor anti-homofobia viraliza combatendo conservadores
'Somos uma minoria cada vez mais barulhenta', diz pastor evangélico que viralizou ao se contrapor a Malafaia, Valadão e Feliciano
“Jesus é muito melhor do que nos contam”. A definição é do pastor Hermes Carvalho Fernandes, de 53 anos, que também é psicólogo, escritor e doutor em Ciências da Religião. Fundador da Igreja Reina, no subúrbio do Engenho Novo, no Rio de Janeiro, ele ganhou projeção nacional não fugindo a polêmicas e enfrentado temas polêmicos do fundamentalismo cristão evangélico. Em um vídeo recente, ele aponta para a plateia de um culto lotado e, com dedo em riste, afirma com firmeza que “homossexualismo não é um espinho na carne”. Com a frase, que se contrapõe à homofobia explorada por líderes evangélicos populares, ele “furou a bolha”, como costuma dizer. A pregação alcançou nada menos que 1 milhão de visualizações, três vezes mais do que takes conservadores de seu extremo oposto, o pastor André Valadão, à frente de um potente império evangélico, a Igreja Lagoinha, que, em Orlando, pouco antes da parada LGBTQIAP+ de São Paulo, disse que “Deus odeia o orgulho”.
Os compartilhamentos desenfreados do vídeo antihomofobia de Hermes revelam que há seguidores religiosos em um nicho que cresce à margem de discursos conservadores como os de Valadão e outros como Silas Malafaia e o deputado federal-pastor Marcos Feliciano. Nas redes sociais, há corações abertos para uma leitura mais progressista da Bíblia que apoiam o pastor quando, por exemplo, ele exaltou declarações da apresentadora Xuxa que falou sobre sua vida sexual livre e que já tinha feito sexo em lugares públicos. Hermes dedicou um post para defender a Rainha dos Baixinhos e atacar os falsos puritanos. “Para muitos cristãos puritanos, declarações como estas soam escandalosas, fogem completamente do ideal de uma relação sexual dentro dos padrões bíblicos. Ledo engano. Acho que não pararam para ler Cantares, o livro mais sexy das Escrituras”, afirmou. Mas nem só de amor vive Hermes que enfrenta também haters dogmáticos.
Hermes se consagra como pastor “diferentão” rechaçando a ideia de um Deus preconceituoso, além disso, ele condena o dízimo obrigatório e defende pautas como a legalização da maconha e do aborto – “são questões de saúde pública e não de polícia”. Na pregação viralizada em que defende o direito dos homossexuais, ele chama os pastores Silas Malafaia e André Valadão de “mensageiros de Satanás”. Desde então, o número de seguidores cresce. No Instagram, eles já somam 138 mil pessoas, parte delas chegaram ao perfil após ver a gravação. O pastor, entrentanto, relata que também chegaram dores de cabeça, algumas na forma de ameaças, que já fizeram com que pensasse em abandonar tudo e sair do país.
– Eu recebo mensagens de ódio todos os dias. Me mandam mensagens privadas e eu faço questão de publicá-las, para todo mundo ver. Algumas, inclusive, com teor de ameaça. Em outubro do ano passado, por exemplo, durante o frenesi eleitoral, eu decidi me ausentar do país por conta disso. Fiquei três meses fora porque temia pela minha segurança. A nossa igreja (no Rio de Janeiro) foi invadida mais de uma vez, roubada, defecaram no púlpito. Tudo isso me fez pensar em deixar o país até em definitivo. Mas esperei a poeira assentar e resolvi voltar. Mas não porque as mensagens pararam; elas continuam.
Virada de chave
Perguntado sobre a postura pouco convencional dentro da Igreja Evangélica, o pastor Hermes conta que nem sempre foi assim. Quando herdou a missão de apresentar os cultos, lembra, tinha apenas 17 anos, e uma cabeça completamente diferente da que tem hoje. Ele conta que dois acontecimentos mostraram que sua visão sobre o mundo precisava mudar. Neto e filho de pastores evangélicos, o atribulado nascimento da filha, em 1995, foi o gatilho para uma profunda mudança interior.
– Eu sou pastor há 36 anos e venho de um contexto fundamentalista. O meu pai era pastor, o meu avô era pastor. Sou uma terceira geração de pastores. Mas Deus me presenteou, em 1995, com o nascimento da minha filha. Por conta de um erro médico, faltou oxigenação no cérebro dela, o que ocasionou um déficit cognitivo e motor. Isso mudou radicalmente a minha vida. Ter uma filha deficiente fez com que eu lançasse um novo olhar sobre a discriminação que as pessoas sofrem – recorda-se. – A partir disso, vem a segunda virada de chave, que foi quando resolvi cursar, depois de teologia, psicologia. O exercício da psicologia definitivamente me fez ver a experiência humana de forma mais empática. Me ajudou muito a entender melhor o dilema humano.https://d-19358659214101471516.ampproject.net/2308242321000/frame.html
Outro episódio marcante, conta, foi em 2015, durante a gravação de uma reportagem para a Globonews. Na ocasião, um grupo de religiosos, entre eles Silas Malafaia, se reuniram e Hermes percebeu o gosto amargo deixado no ar por falas preconceituosas do pastor.
– Era um documentário que tinha também o Silas Malafaia, outros pastores e uma mãe de santo. Eu fui, entre os pastores, a voz que destoou. Porque, por incrível que pareça, o discurso do Malafaia já era intolerante e com o tempo só foi se agravando. Pontuei que existia dentro do contexto evangélico uma outra perspectiva, que era de acolhimento; e convidei vários segmentos que se consideravam vítimas dessa intolerância da igreja: pessoas de religiões de matriz africana vestidas a caráter, um representante da comunidade LGBTQIAP+, imigrantes, movimento negro, pesquisadores, e pedi perdão a eles em nome da comunidade evangélica. Por toda intolerância que eles tenham sofrido. O câmera da TV era umbandista e ficou tão emocionado que chorou. Aquilo foi um marco para a nossa comunidade. Dali surgiu a ideia, também, de escrever o meu livro, o “Intolerância Zero”. Foi a partir daquela experiência – diz o pastor.
Para Hermes, cresce dentro da Igreja a voz de um movimento antifundamentalista, o que lhe deixa esperançoso. Ainda não há pesquisas que permitam quantificar essa expansão, mas ela também é sentida por outros estudiosos que acompanham o comportamento entre os vários grupos evangélicos.
Para Vinicius do Valle, cientista político e diretor do Observatório Evangélico, os reiterados casos de ataques, sobretudo de intolerância contra homossexuais e outras religiões, têm gerado uma necessidade de reação cada vez maior por parte dos líderes que se opõem a isso.
– Tem surgido uma série de pastores e atores, em geral, do meio evangélico que perceberam o quanto essa aproximação com o radicalismo político e o extremismo de direita é prejudicial às igrejas evangélicas. Esses pastores querem se diferenciar desse setor e reafirmar seus valores democráticos e de aceitação ao outro, ao diferente. Isso vem ganhando força – analisa do Valle. – E mostra também como não temos uma Igreja Evangélica, mas um universo evangélico, plural e heterogêneo. Hoje, na era das redes sociais, infelizmente os algoritmos beneficiam e expõem as opiniões e expressões mais radicalizadas, mais polêmicas, e é esse discurso que acaba ganhando notoriedade, até servindo para angariar fiéis que buscam respostas fáceis para problemas complexos. Por outro lado, tem gerado também a necessidade de grupos que não concordam com isso virem a público reafirmar seus posicionamentos.
Para o pastor e pesquisador Sérgio Dusilek, a escalada do fundamentalismo durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro também provocou uma articulação maior entre religiosos que não concordavam com os conceitos extremamente conservadores.
– Vários grupos se constituíram contra o crescimento do fundamentalismo e eu posso citar vários aqui. Há uma percepção de escalada e eu espero que esteja correta, para o bem de todos nós. O fundamentalismo não é de fácil separação, é como joio e trigo, para um evangélico médio. Todo fundamentalista é conservador, mas nem todo conservador é fundamentalista – comenta Dusilek. – Eu acho que esses grupos estão cada vez produzindo mais materiais, fazendo encontros, produzindo lives de esclarecimento sobre o que é o fundamentalismo, tendo voz. O crente médio tem pavor do fundamentalismo, só que ele muitas vezes não sabe disso porque não tem ciência do que é. Depois do 8 de janeiro, o susto na sociedade brasileira foi tamanho que a universidade abriu a discussão do papel da religião evangélica no país, a imprensa… e vai sedimentando um processo de informação e desconstrução. As pessoas voltaram a olhar para isso.
O pastor Hermes endossa o discurso.
– O que eu tenho visto me traz muita esperança. Apesar de ainda sermos minoria, somos uma minoria cada vez mais barulhenta. É gente que pensa, que produz, que agrega. E isso é muito importante. Esse fundamentalismo vigente no nosso país tem origem e propósito, e é uma teologia enlatada, made in USA (feita nos Estados Unidos). O Brasil importa o fundamentalismo norte-americano que já produziu tanto mal – comenta. – Quando houve o golpe militar de 1964, os americanos trouxeram muitos missionários fundamentalistas com versões pervertidas do evangelho e de política, também. Queriam frear as teologias mais liberais. O fundamentalismo não chegou aqui por acaso; ele tem uma agenda e urge frear esse avanço do fundamentalismo, que traz uma mensagem mais comprometida com o radicalismo. Jesus é muito melhor do que nos contaram. O Jesus que eu vejo é aquele que impede que religiosos executem uma mulher no pátio de um templo porque foi flagrada cometendo adultério; é um Jesus que caminha com os pecadores, com os párias sociais, não um Jesus aliado ao poder.
O que nós estamos defendendo não é um novo evangelho. O que queremos é resgatar a essência do evangelho que acabou pervertida
— Hermes Carvalho Fernandes: pastor, psicólogo, escritor e doutor em Ciências da Religião
Embates
Sobre os embates que acaba tendo volta e meia com outros líderes religiosos, o pastor afirma que eles existem, mas que, no fim das contas, o saldo do seu trabalho de “conscientização” junto aos fiéis tem sido positivo.
–Eu já tive debates acalorados com o Silas (Malafaia) em emissoras de rádio. Com o Marcos Feliciano houve uma vez que o confrontei porque ele disse que a África era um continente amaldiçoado; eu disse que a maldição era a exploração absurda imposta pelos Europeus. Mas, sinceramente, mesmo com tudo isso, as mensagens de carinho que recebo, de pessoas que inclusive estavam decididas a tirar a própria vida quando ouviram a nossa palavra e mudaram de ideia. Gente que tinha se afastado da fé cristã e se reaproximou do evangelho. A balança é mais do que positiva.
Procurado através de sua assessoria, questionado sobre as críticas feitas pelo pastor Hermes, o pastor Silas Malafaia não respondeu à reportagem. O GLOBO também não obteve retorno da equipe do pastor e cantor André Valadão e não conseguiu contato com o deputado federal Marcos Feliciano.
Homofobia na Igreja Evangélica
Tema de um dos vídeos que mais viralizaram do pastor Hermes, a homofobia é pauta presente em debates, não só da Igreja Evangélica, mas de várias religiões. O pastor defende que, nas poucas passagens da Bíblia em que é possível interpretar alguma conotação preconceituosa contra homossexuais, o contexto torna o entendimento bem duvidoso.
– Em primeiro lugar, nós precisamos reconsiderar a homossexualidade como sendo uma condição de existência, e não um pecado, nunca uma perversão. Em toda a Bíblia, há seis passagens que supostamente condenariam a homossexualidade, enquanto há duas mil passagens falando de justiça social, criticando acúmulo de riquezas. E onde estão esses pregadores que não falam sobre isso? elegeram os LGBTQIAP+ como a bola da vez porque isso gera ódio. Ódio gera engajamento. Engajamento gera votos – afirma.
A pedido da reportagem, o pastor e teólogo analisa alguns desses seis trechos citados.
Levítico 18:22 – “Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante”.
A passagem é uma das mais citadas por fundamentalistas que defendem a intolerância.
– São passagens passíveis de uma exegese mais acurada e, quando fazemos isso, nos damos conta de que não estão falando sobre homossexualidade – afirma. – A passagem fala sobre uma prática, à época em Israel, de humilhar um adversário quando acontecia vitória numa batalha. Soldados inimigos eram sodomizados publicamente. Era uma maneira de humilhá-los. Muitas vezes, o general era vítima desse tipo de humilhação pública. O que a Bíblia fala é de uma prática de humilhação. Ou seja, é uma interpretação enviesada.
Romanos 1:26 e 27 – “Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros”, diz o apóstolo.
– Se você isola o versículo parece que ele condena os homossexuais, mas ele condena uma prática que acontecia nos templos pagãos, com os chamados prostitutos cúlticos, que acreditavam que a relação homossexual era uma espécie de oferta às divindades. Então, a pessoa mesmo sendo heterossexual se permitia aquilo achando que estaria agradando um Deus, uma divindade. Era disso que se falava – defende.
‘O ódio engaja’
O pastor Hermes Carvalho Fernandes analisa também a questão da intolerância religiosa hoje na Igreja Evangélica. Segundo ele, o problema é persistente e tem explicação histórica. Hermes afirma que as religiões cristãs historicamente associam, por vezes, as demais crenças à figura do diabo.
– O ódio engaja, infelizmente, e as redes sociais estão aí para comprovar isso. A minha religião, desde sempre, é uma religião prosélita; a Igreja Evangélica cresce no Brasil convertendo fiéis e disso surge essa tendência de querer demonizar outras expressões religiosas. É como se dissesse: “se eu sou detentor da verdade, logo qualquer outra religião fora da minha é um embuste, uma mentira, coisa do demônio”. Mas nós não vemos isso em Jesus. Muito pelo contrário – afirma. – Eu não vejo nenhuma razão para demonizar religião alguma. Sobretudo as de matrizes africanas. Porque nós temos algo em comum com eles: a Igreja cristã tem histórico de perseguição que remonta seus primórdios; e as religiões de matriz africana desde que aportaram no Brasil sofrem perseguição, razão pela qual muitas delas tiveram que recorrer ao sincretismo. Eu não tenho o direito de enxergar o diabo na religião do meu irmão. Tenho que acolhê-la, ainda que nós não comunguemos dos mesmos valores, ainda que não tenhamos a mesma liturgia, não adoremos à mesma divindade.
‘Paredes pretas’
Um vídeo do pastor Hermes que também circula nas redes sociais é o de uma entrevista ao podcast “Podpeople”, onde ele fala sobre o que chama de igrejas “das paredes pretas”. Perguntado sobre o que seriam essas igrejas, ele dá risada e explica. Tratam-se das igrejas voltadas ao público jovem. Descoladas, mas que, no fundo, escondem conceitos fundamentalistas.
– Nada contra a cor das paredes (risos). Mas o que eu queria salientar é que muitos usam desses artifícios como isca. O pastor de calça rasgada, tatuado, linguagem coloquial, uso até de palavras chulas, que faz aquele jovem pensar: “esse pastor é da minha geração!”. Mas quando você para para ouvir o discurso… é o velho fundamentalismo em roupa nova. O sexo segue sendo tabu, o respeito aos LGBTQIAP+ segue sendo algo rechaçado, assuntos que deveriam ser tratados livremente, como o uso recreativo da maconha, uma conscientização sem tabu, entram no campo da proibição, do pecado, do moralismo – explica. – E chega uma hora que essa rapaziada ingressa na faculdade e as pesquisas já mostram que 70% dos jovens evangélicos nesse momento se afastam da Igreja, porque são confrontados pela ciência, por questões relativas a costumes, drogas, sexo… então, para segurar essa galera na igreja, precisamos atualizar nosso discurso: falar de Jesus sem o peso do moralismo religioso.
Para o pastor, é preciso parar de bater na tecla do “sexo só depois do casamento” e focar no que realmente acontece na juventude hoje em dia.
– Ao invés de proibir jovens de ter relações sexuais antes do casamento, o que é uma bobagem, por que não chamar essa galera para. uma conscientização e prevenção? Já que você vai fazer sexo, que seja pelo menos responsável. Que não exponha a si própria e a outras pessoas a DSTs, gravidez indesejada… se a Igreja Evangélica quiser salvar esta geração de fiéis, essa juventude, vamos ter que descer do pedestal moralista e não só falar um linguajar acessível a eles, mas também entender as demandas, responder as questões. Estamos hoje ainda respondendo perguntas que ninguém está fazendo. Cinco séculos depois da Reforma Protestante, qual o sentido de pregar no púlpito indulgências que não são mais cobradas?
‘Ninguém está autorizado por Jesus a cobrar dinheiro em nome dele’
Mais um posicionamento do líder evangélico que vai na contramão da maioria das outras lideranças é em relação ao dízimo. Ele reconhece que as igrejas precisam do apoio dos fiéis para se manterem de pé; mas condena as falsas promessas e ameaças que vem junto com uma “cobrança” de pagamento.
– As igrejas, é claro, são mantidas através de contribuições voluntárias na maioria das vezes. Mas elas devem ser voluntárias. O que temos visto, principalmente a partir do advento da teologia da prosperidade, é que as ofertas deixaram de ser voluntárias e passaram a ser cobradas, com a promessa de que quem ofertasse o dízimo receberia de Deus uma atenção especial, “benção diferenciada”, o que também vai na contramão do que Jesus ensina. Jesus diz aos apóstolos: “De graça recebestes, de graça dai”. Então, ninguém está autorizado por Jesus a cobrar nada em nome dele – argumenta.
O pastor também critica os altos cachês que são cobrados por alguns artistas gospel hoje em dia.
– Ultimamente temos nos deparado com uma situação muito constrangedora, pelo menos para mim, que são as cobranças de cachê de cantores, pregadores, que cobram R$ 50 mil, R$ 80 mil para cantar numa igreja, para pregar num evento. Isso é um completo absurdo – acrescenta. – É diferente de as pessoas perceberem a necessidade de uma obra na igreja e se mobilizarem, contribuírem para isso. Nós fazemos um trabalho social no Jardim Gramacho, por exemplo, com pessoas em situação de rua, famílias em vulnerabilidade alimentar, e isso tudo demanda recursos, que são levantados através da mobilização das pessoas que abraçam a mensagem, que percebem que o desafio é deixarmos de viver para nós mesmos, para vivermos pelo bem de todos, da coletividade.
‘Há um silêncio conivente’ com práticas de violência contra mulheres e crianças, analisa
Por fim, o pastor Hermes critica o silêncio da igreja, segundo ele, quando expostas violências sofridas pelos fiéis. Desde abuso infantil, à violência contra a mulher, passando até pelo aborto e conscientização sobre drogas, assuntos sempre polêmicos.
– Há muitas pautas que ainda precisam ser revisitadas pela Igreja Evangélica hoje. Algumas são negligenciadas. Por exemplo, você quase não ouve sermão de pastores denunciando abusos psicológicos, físicos e sexuais de fiéis. Há até quem defensa o estupro marital com base em interpretações equivocadas de textos bíblicos. Precisamos enfrentar essas questões, porque tem muita gente sofrendo no meio evangélico. E há um silêncio conivente. Um marido que abusa da esposa, um pai que abusa do filho, não só sexualmente, mas espancando muitas vezes, e até defendido à luz de versos isolados da Bíblia.
Ele opina ainda sobre a polêmica relação entre a religião e temas como aborto e drogas.
– É claro que eu sou pró-vida, mas não posso fazer vista grossa sobre o que acontece em clínicas clandestinas de todo o país. Sou a favor do feto, mas também sou a favor das meninas que foram estupradas e carregam no ventre o fruto de um estupro. Mas quando você diz que é a favor de que o aborto seja devidamente legalizado, as pessoas ouvem como se você dissesse apenas: “Sou a favor do aborto”. Quando eu digo que sou a favor da legalização do uso recreativo da maconha, porque não sou favorável à política antidrogas do Brasil que mata pretos e periféricos, as pessoas entendem que eu sou a favor de droga. Eu não sou a favor da droga nem do aborto. Mas sou a favor de que as coisas não sejam tratadas com hipocrisia. Droga é problema de saúde pública, não de polícia. O mesmo para o aborto – conclui.
Evangélicos crescem e se identificam com a direita e esquerda, mostram pesquisas
A última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada sobre a presença das religiões no Brasil mostra que, uma população evangélica que era de 26,2 milhões de pessoas em 2000 saltou em 61% em dez anos e passou a ser de 42,3 milhões em 2010 – cerca de 22% da população brasileira àquela altura.
No primeiro trimestre deste ano, uma pesquisa do Datafolha, que ouviu 2.028 entrevistados em 126 cidades entre os dias 29 e 30 de março, apontou que 27% da amostra era formada por evangélicos – com margem de erro de quatro pontos para mais ou para menos.
Se não é possível ainda mensurar quantos destes fiéis seguem doutrinas fundamentalistas ou não, a orientação política dessas pessoas ajuda a traçar um panorama. Levando em conta apenas os evangélicos entrevistados, o estudo do Datafolha aponta que 29% se encontram no bolsonarismo, enquanto 23% que optam pelo petismo — ponderando as margens de erro específicas, um cenário de empate.