Pedidos de ajuda para enfrentar desastres causados pelas chuvas dobram em 2020
O número de municípios que recorreram à Defesa Civil Nacional em busca de recursos para…
O número de municípios que recorreram à Defesa Civil Nacional em busca de recursos para enfrentar desastres causados pelas chuvas, como deslizamentos, enxurradas e inundações, deu um salto em 2020. Até a última quarta-feira, 654 prefeitos haviam pedido ajuda, o que representa mais do que o dobro das 314 solicitações apresentadas no ano passado. O maior aumento foi na região Sudeste, onde a quantidade passou de 52 cidades para 287. No Sul foram 249, contra 93 em 2019.
Enquanto o Sul sofre com a seca, no Sudeste o período chuvoso faz crescer a preocupação, mesmo em verões como o que se aproxima, com menor tendência de chuva. Segundo Marcelo Seluchi, meteorologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), não há relação entre o volume de chuva da estação e o número de desastres:
— Pode chover em menor volume, mas por isso podem haver mais dias com sol e temperaturas mais altas, umidade mais baixa e chuvas irregulares. Isso causa temporais mais intensos e localizados.
Em janeiro, pelo menos 68 pessoas morreram em Minas Gerais, vítimas de desastres provocados pela chuva. Em março, em Guarujá, litoral paulista, mais de 30 pessoas perderam a vida num deslizamento de encosta.
O sociólogo Victor Marchezini, especialista em sociologia de desastres e defesa civil, diz que é preciso investir na capacitação das coordenadorias municipais de defesa civil, só estruturadas após 2004, quando em três meses 1.224 municípios foram atingidos por deslizamentos e enchentes, com 211 mortes e mais de 1.300 feridos. O próprio Cemaden só foi criado em julho de 2011, seis meses depois da tragédia na Região Serrana do Rio que deixou mais de 900 mortos e 350 desaparecidos.
Um dos principais problemas, segundo Marchezini, é a troca de equipes de defesa civil a cada eleição municipal:
— Troca a gestão, saem os agentes que foram treinados.
Marchezini diz que é preciso investir em políticas públicas de mitigação de risco, com ações educativas. O principal, porém, é planejar a ocupação urbana e erguer moradias de baixa renda em locais seguros.
— Aumenta no Brasil o risco de desastres que não são naturais, mas socioambientais. A chuva não mata. O que mata são as condições em que vivem as pessoas — diz, frisando que nem sempre a solução é a remoção dos moradores, que acabam se fixando em outros locais em iguais condições. — Obras de microdrenagem podem ajudar. Estados como o Rio e cidades como Recife e Salvador têm investido em pequenas intervenções.
Um estudo do Cemaden e do IBGE publicado em 2018, com base no Censo de 2010, contabilizou ao menos 6,2 milhões de pessoas morando em áreas sujeitas a deslizamentos de terra no país. Este total chega a 8,2 milhões, em 825 municípios monitorados pelo órgão, se considerados também os que vivem em áreas sujeitas a enxurradas e inundações.
A maior parte está no Sudeste, onde 10% da população moram em áreas de risco: 1,52 milhão em São Paulo, 1,37 milhão em Minas, 865 mil no Rio e 502 mil no Espírito Santo.
Para Regina Alvalá, coordenadora de Relações Institucionais do Cemaden, embora a maior concentração em áreas de risco esteja nas grandes cidades, ainda é preciso investir nas menores, que têm menos recursos e condições técnicas. Estudos do Cemaden mostram que 673 dos 825 municípios com maior risco têm menos de cem mil habitantes.
Algumas cidades têm a maior parte da população em áreas de risco, como Ribeirão das Neves (MG) e Igarassu (PE), onde mais de 60% vivem nesta situação. Há ainda Nova Lima (MG), com 47,8%; Angra dos Reis (RJ), com 38,9%; e Serra (ES), com 32,3%.
Regina diz que a parceria com o IBGE permite identificar o perfil dos moradores de áreas de risco, para que os órgãos de salvamento se preparem. Pelo Censo de 2010, 18% deles eram crianças ou idosos:
— Mas é preciso atualizar os números, que ficaram defasados sem o Censo de 2020.
Apesar do aumento no número de municípios com problemas decorrentes da chuva, os investimentos não crescem em igual proporção. Em 2018, obras emergenciais receberam R$ 506,4 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), segundo o Portal da Transparência. Este ano, foram R$ 136,1 milhões; e em 2019, R$ 114,6 milhões.
O MDR nega que tenha havido redução de investimento. Informa que outras ações relacionadas a projetos de contenção de encostas, drenagem e manejo de águas pluviais, além de estudos, projetos e obras para contenção de cheias, inundações, erosões marinhas e fluviais, receberam R$ 294,6 milhões em 2019 e R$ 521,8 milhões em 2020.