Ação Humana

PF já tem provas para indiciar fazendeiros de MS por queimadas no Pantanal

De acordo com a análise dos peritos, os focos de incêndio tiveram início no dia 30 de junho, quase na mesma hora, em quatro propriedades

(Foto: Mauro Pimentel)

A PF (Polícia Federal) já possui um conjunto de informações que considera suficientes para indiciar pelo menos quatro fazendeiros pelo início das queimadas na região da Serra do Amolar, no Pantanal de Mato Grosso do Sul.

O MPF (Ministério Público Federal) analisará a questão, e pode ou não denunciar os investigados à Justiça Federal.

A partir de imagens de satélite da Nasa (agência espacial americana) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), os peritos da PF encontraram vestígios que indicariam a ação humana nas queimadas nas propriedades rurais. A PF também colheu na região depoimentos de trabalhadores das fazendas e de moradores que, segundo investigadores, dificultam a defesa dos fazendeiros.

De acordo com a análise dos peritos, os focos de incêndio tiveram início no dia 30 de junho, quase na mesma hora, em quatro propriedades localizadas na região oeste do rio Paraguai.

Para a PF e o MPF, esse fato indica que a prática de colocar fogo na vegetação para o plantio de pastagens pode ter sido uma ação combinada entre os fazendeiros.

Segundo as testemunhas, dias antes de mandar seus funcionários colocar fogo nas propriedades, os fazendeiros providenciaram a retirada de todo o gado.

Fazendeiros negam ter ordenado incêndios

Nos depoimentos que prestaram à PF, os fazendeiros negaram ter mandado colocar fogo nas fazendas. “Vamos provar com as imagens de satélite da própria polícia que o fogo não começou na fazenda do meu cliente. Mas infelizmente não tive ainda acesso ao inquérito”, afirmou o advogado Newley Amarilha, que defende o fazendeiro Ivanildo da Cunha Miranda, proprietário da fazenda Bonsucesso, uma das quatro propriedades em que as queimadas ocorreram.

A coluna não teve acesso aos nomes dos outros fazendeiros indiciados.

Em uma das fazendas, foram apreendidas várias armas de fogo e munição. O delegado da PF que comanda as investigações, Daniel Rocha, disse ao UOL que a operação foi desencadeada depois de uma minuciosa análise das imagens de satélite feita por peritos de Brasília que praticamente “deram o mapa da trajetória do fogo”.

“Quando sobrevoamos a região, vi uma imagem que jamais podia imaginar. Um mar de água doce transformado em fumaça e fogo.” O delegado aguarda a transcrição das conversas telefônicas e os laudos da perícia para concluir o inquérito.

“Fizemos a perícia nas propriedades e temos indícios de que os incêndios foram provocados a fim de criar novas áreas de pastagens”, disse Rocha.

Os proprietários devem ser indiciados por danos às áreas de preservação permanente e unidades de conservação, incêndio e poluição. As penas previstas na legislação, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão.

Fogo ainda se espalha pelo Pantanal

Pata de onça-pintada ferida pelos incêndios na região do Parque Encontro das Águas, no Pantanal de Mato Grosso (Imagem: Imagem cedida ao UOL)

Três meses depois, as queimadas na região continuam a provocar prejuízos. Nesta quarta-feira (23), o fogo chegou ao Parque Nacional do Pantanal e ao corredor que liga a Serra do Amolar ao Parque Encontro das Águas, em Mato Grosso, considerado o maior refúgio de onças pintadas do mundo.

“Infelizmente quatro felinos ficaram com as patas feridas”, afirmou o tenente-coronel reformado da Polícia Militar Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro, que trabalha no combate às queimadas. O fogo se expandiu também para a região das grandes lagoas na fronteira do Brasil com a Bolívia.

Os peritos da PF concluíram também que os incêndios acabaram destruindo as matas ciliares que protegem o rio Paraguai e seus afluentes. Desde que tiveram início, as queimadas já destruíram 30 mil hectares de mata na região.

A suspeita de participação de fazendeiros veio à tona no dia 14 de setembro, quando a PF desencadeou a chamada Operação Matáá (“fogo” na língua dos índios guató que vivem na região, segundo a polícia). Os agentes federais apreenderam os aparelhos celulares de dez fazendeiros em Campo Grande e em Corumbá, em Mato Grosso do Sul.

Polícias investigam outros focos de incêndio

Em outra frente de investigação, os peritos das polícias Militar e Civil de Mato Grosso do Sul também concluíram que houve ação humana nas queimadas ocorridas nas fazendas da Nhecolândia (região central do Pantanal). A polícia aguarda o laudo final para aplicar multas e indiciar os fazendeiros.

“A perícia deixou claro que o incêndio teve origem nas fazendas e foi motivado pelo homem e pela seca”, afirmou o tenente PM Anderson Ortiz, que comandou as vistorias nas fazendas.

Os fazendeiros investigados da Nhecolândia e da Serra do Amolar têm uma característica em comum: são herdeiros ou investidores que vieram de outras regiões do país. Para pesquisadores, a mudança do perfil dos donos das fazendas acabou prejudicando a harmonia entre pecuária e natureza no Pantanal.

“O pantaneiro segue o ciclo natural das cheias, quando as cabeças de gado são retiradas das partes alagadas. Os pantaneiros tradicionais não vão queimar mato para plantar pasto porque não têm nem dinheiro para comprar o adubo”, afirma Arnildo Pott, professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e doutor em ecologia vegetal na Universidade de Queensland, Austrália, que trabalha há mais de 40 anos no Pantanal.