Placa Mercosul: questionado no STF, novo formato tem clonagem e venda ilegal
Implementada em todo o Brasil desde fevereiro, a placa Mercosul já está presente em pouco…
Implementada em todo o Brasil desde fevereiro, a placa Mercosul já está presente em pouco mais de 14 milhões de veículos, de acordo com o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Criado para ser mais seguro e barato ao consumidor, o novo padrão de identificação veicular foi simplificado desde sua estreia no Rio de Janeiro, em setembro de 2018, e hoje acumula casos de clonagens e venda irregular.
Em pesquisa em sites de classificados, a reportagem encontrou facilmente anúncios de placas “decorativas” que podem ser confeccionadas com os caracteres requeridos pelo comprador e todos os elementos da original, incluindo o QR Code – código bidimensional que substituiu o antigo lacre e serve para acessar dados do veículo, por meio do aplicativo gratuito Vio.
UOL Carros também teve acesso a um vídeo demonstrando que é fácil clonar inclusive esse código, utilizando programas padrão de manipulação de imagens, para montar uma placa “fria”.
Dependendo da qualidade da cópia, somente seria possível constatar a fraude verificando itens como o chassi e a numeração do motor.
A reportagem ainda recebeu fotos comparando uma placa falsa, adquirida no Mercado Livre e confeccionada com chapa de alumínio, com a legítima. É bastante difícil diferenciá-las.
Casos de clonagem têm sido notícia. No dia 6 de julho, a Polícia Militar Rodoviária de São Paulo prendeu um homem transportando quase meia tonelada de maconha em Ourinhos (SP) em um veículo com placas Mercosul clonadas.
No dia 25 de junho, a Polícia Militar de Pernambuco apreendeu 496 documentos de automóvel em branco e quatro placas, sendo duas Mercosul, para clonagem de veículos. Em janeiro, apuração de UOL Carros já mostrava a placa Mercosul comercializada no meio da rua na Bahia, o que é ilegal.
‘Grupos criminosos’
Presidente da ANFAPV (Associação Nacional dos Fabricantes de Placas de Identificação Veicular), Cláudio Martins culpa a alteração na legislação como responsável pelo aumento das clonagens.
Conforme determina o Artigo 10 da Resolução 780/2019 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), o sistema de licenciamento foi substituído pelo credenciamento e livre concorrência, o que descentralizaria o controle de todo o processo de emissão da placa e daria margem para irregularidades.
A entidade, inclusive, protocolou ação direta de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) em fevereiro passado e aguarda decisão do relator, o ministro Roberto Barroso.
“As novas placas veiculares foram concebidas para a prevenção das fraudes e permitir o controle da sua produção de forma centralizada. No entanto, as diferentes formas de sua implantação nos diversos Estados está provocando o descontrole e possibilidade da atuação de grupos criminosos”, avalia Martins.
Segundo ele, a retirada dos itens de segurança simplificou a aquisição de matérias-primas no mercado paralelo e retirou os referenciais para que as polícias possam identificar as fraudes – fazendo com que facilmente se confunda uma placa fria com uma placa legal.
Ele se refere à remoção de itens inicialmente previstos na placa Mercosul, concebida em 2014 em conjunto com Uruguai, Paraguai e Argentina.
Foram retirados, por exemplo, o brasão do município e a bandeira do Estado de registro, as “ondas sinusoidais”, aplicadas no fundo da placa, e a película com efeito holográfico nos caracteres da chapa. Esses itens tinham impacto “irrelevante” no custo final da placa, afirma o representante da associação.
“A situação é tão caótica que, a exemplo do Estado de São Paulo, os mesmos estabelecimentos que atendem os proprietários de veículos para a demanda do respectivo Detran [Departamento Estadual de Trânsito] utilizam o mesmo material das placas oficiais para produzir placas decorativas. Com isso, observa-se a produção de placas frias, que vem crescendo em níveis até maiores do que se observava com as placas cinzas”.
Martins acrescenta que a placa Mercosul pode ser encomendada pela internet de fornecedores paralelos, utilizando o mesmo material da placa “quente”, sem qualquer tipo de controle de parte dos Departamentos Estaduais de Trânsito.
Outro lado
Procuramos o Denatran e o Detran-SP para comentarem os alegados problemas na emissão das placas Mercosul. Também questionamos o Mercado Livre a respeito de anúncios das placas “decorativas” para uso ilegal.
Veja o que diz o Denatran:
“O Denatran não possui nenhum registro estatístico que legitime afirmar que “ultimamente têm ocorrido muitos casos de clonagens”. O sistema de segurança da nova PIV [Placa de Implantação Veicular] possibilita, aos agentes de fiscalização, um controle unificado e de abrangência nacional de validação da placa para o combate à clonagem por meio da leitura do QR Code. Por meio do novo sistema, é possível, pela fiscalização, identificar práticas ilícitas e, assim, adotar medidas de mitigação de fraudes”.
“Em relação aos valores, o preço das placas é de livre concorrência, praticados de acordo com a própria estampadora. Já as taxas do Detran, incluídas também no custo final da placa, são estabelecidas pelas Assembleias Legislativas de cada Unidade Federativa”.
Por sua vez, o Detran-SP afirma que “cabe ao governo federal legislar sobre a estampagem, comercialização e instalação das placas padrão Mercosul, inclusive quanto à determinação dos valores das placas”.
Quanto à taxa cobrada das fornecedoras das placas, o órgão alega que “o valor cobrado se deve à utilização de infraestrutura tecnológica para geração do código com informações de segurança para estampagem das placas”.
Já o Mercado Livre, para o qual foram enviados links de anúncios de placas irregulares, respondeu dizendo que “os anúncios mencionados pela reportagem já foram baixados da plataforma”.
“O Mercado Livre esclarece que é expressamente proibida a venda de produtos não autorizados pelos órgãos reguladores competentes, conforme descrito nos Termos e Condições de uso da plataforma, os quais se aplicam a todos os usuários, compradores e vendedores, sendo obrigatória sua aceitação no momento da realização do cadastro”.
Placa simplificada
Desde a sua estreia, a placa Mercosul ficou consideravelmente mais simples do que o modelo originalmente concebido em 2014. A maior parte dos itens de segurança, inclusive, foi removida ainda durante o governo de Michel Temer – portanto, antes de Bolsonaro assumir a Presidência. O chip de identificação, previsto na patente da placa, por exemplo, nunca foi implementado.
Na atualização, mais recente, definida em junho de 2019 por meio da Resolução 780 do Contran, a placa deixou de trazer duas características visuais criadas para prevenir clonagens e falsificações: as palavras “Brasil” e “Mercosul” com efeito difrativo, semelhante ao de um holograma, aplicadas sobre os caracteres e na borda externa; e as citadas ondas sinusoidais, grafadas no fundo branco do equipamento.
No lugar do efeito difrativo, as inscrições passam a vir na mesma cor dos caracteres, praticamente desaparecendo.
Desde a estreia no Rio de Janeiro, o novo padrão de identificação veicular passou por outras modificações visuais, sempre relacionadas a itens de segurança e com a alegação, de parte do governo federal, de redução nos custos de fabricação e, consequentemente, nos preços ao consumidor final.
A primeira delas aconteceu já em setembro de 2018, por meio da Resolução 741, que retirou o lacre, utilizado até hoje na placa cinza e substituído pelo QR Code – que permite rastrear todo o processo de produção da placa.
Em novembro de 2018, outra resolução (748) do Contran determinou a exclusão da bandeira do Estado e do brasão do município de registro do veículo.