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Planalto tentou manter sob sigilo registros de visitas de filho de Bolsonaro e empresário

GSI tem usado argumento de risco para a segurança do presidente para esconder dados sobre quem entra e quem sai da sede do Executivo

Planalto tentou manter sob sigilo registros de visitas de filho de Bolsonaro e empresário

A imposição de sigilo nos registros de acesso ao Palácio do Planalto não se limitou aos pastores investigados no caso do escândalo no Ministério da Educação.  Segundo informações disponíveis no portal da Controladoria-Geral da União, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) também atuou para manter em segredo visitas de Jair Renan e de um empresário ligado filho mais novo do presidente, às dependências da sede da Presidência da República.

O expediente usado para o GSI, nos dois casos, foi o mesmo: alegar que a publicidade das informações afronta a Lei Geral de Proteção de Dados, além de ter potencial para colocar em risco a vida do presidente e seus familiares.

Em 22 de março do ano passado, o órgão comandado pelo general Augusto Heleno se recusou a informar os registros de entrada e saída de Jair Renan, que na época passou a ser alvo da Polícia Federal. O inquérito apura se o caçula do presidente cometeu tráfico de influência ao abrir as portas do governo para o empresário, em troca de um carro elétrico. Na mesma ocasião, o GSI também se recusou a informar os registros de entrada e saída do empresário Wellington Leite, que atua na área de créditos imobiliária e automotivo, nas dependências da Presidência da República. Wellington é investigado no mesmo inquérito que o filho “Zero Quatro”.

Para se negar a fornecer os registros, o GSI alegou que a publicização dessas informações poderia colocar em risco a vida do presidente da República, além de ferir a Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada em 2018, mas que só passou a vigorar em agosto do ano passado. Ou seja, o argumento da nova lei foi usado antes de ela entrar em vigor. A justificativa foi a mesma usada pelo Planalto para negar ao GLOBO a relação de visitas dos pastores investigados no caso do MEC.

As negativas do GSI foram parar na Controladoria-Geral da União. O órgão é a instância que decide sobre a transparência ou não em casos como esse. Em parecer datado de 23 de abril de 2021, o ouvidor-geral da União, Valmir Goes Dias, definiu que o GSI deveria tornar públicas eventuais visitas ao Palácio do Planalto. No parecer, o ouvidor disse que o direito de acesso à informação pública é uma garantia fundamental e que “deixar de fornecer as informações requeridas seria um retrocesso”.

“O cotejamento das informações de ingresso de visitantes a órgãos públicos com a agenda de autoridades é de interesse público e constitui uma ferramenta necessária para o controle social”, destacou, ao determinar que o GSI deveria fornecer os dados solicitados em um prazo máximo de 20 dias.

Os registros do sistema de controle de acesso do Palácio do Planalto que mostram as visitas do empresário só foram informados pelo GSI após dois recursos à CGU. Na ocasião, o Planalto disse ter encontrado “uma entrada do Sr Wellington Vieira Leite, no dia 19/11/2020, às 15:48:54 e saída às 16:50:22, estando registrado como destino o Gabinete Pessoal do Presidente da República”. No caso de Jair Renan, porém, o GSI não revelou as informações.

O órgão que cuida da segurança institucional também tentou esconder os nomes de quem entra e quem sai da sede do Executivo em outras ocasiões. Em 2020, ao menos oito pedidos feitos pela Câmara para saber se houve acesso de lobistas foram negados pela Presidência sob o argumento de que a informação coloca em risco a segurança de Bolsonaro.

No ano passado, o governo também impôs sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filhos do presidente. Na ocasião, a Presidência da República alegou que as informações dizem respeito “à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos familiares do Senhor Presidente da República, que são protegidas com restrição de acesso, nos termos do artigo 31 da Lei nº 12.527, de 2011”.

O caso do carro elétrico

Nesta quarta-feira (13), o presidente Jair Bolsonaro comentou o caso do filho Jair Renan, que, na semana passada, prestou três horas de depoimento à Polícia Federal, em Brasília. O filho “Zero Quatro” é investigado por suspeita de lavagem de dinheiro e de tráfico de influência. Bolsonaro disse que “ninguém conhece” o rapaz e que “há muito tempo está longe” do jovem, que mora com a mãe, Ana Cristina Valle.

O inquérito foi aberto em março do ano passado, a pedido do Ministério Público Federal, com base em uma denúncia apresentada por parlamentares da oposição ao governo. A PF investiga se Jair Renan atuou, em novembro de 2020, para que a empresa Gramazini, do ramo de mineração e construção, conseguisse duas reuniões no Ministério do Desenvolvimento Regional para falar sobre um projeto de construção de casas populares.

À época da abertura das investigações, a empresa do filho de Bolsonaro (Bolsonaro Jr Eventos e Mídia) postou uma foto de duas peças de mármore, que decoram o escritório, e marcou a Gramazini. “O moleque tem 24 anos agora, acho que ninguém conhece ele. Vive com a mãe. Há muito tempo está longe de mim, mas recebo ele de vez em quando aqui. Tem a vida dele, não vou dizer está certo ou se está errado, mas peço a Deus que o proteja. Mas isso é o tempo todo, é 24h por dia”, disse o presidente.

Pastores

Como O GLOBO revelou na quarta-feira, o GSI se recusou a informar os dados relacionados a visitas dos pastores Ariton Moura e Gilmar Santos ao Planalto. Eles são acusados de fazer lobby no Ministério da Educação. O GSI alegou, assim como no caso de Jair Renan, que a veiculação dessas informações poderia por a segurança do presidente e de seus familiares em risco e argumentou que o veto está embasado LGPD.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que os dados negados pelo GSI são de interesse público e, assim sendo, não podem ficar sob segredo.

—  A LAI garante acesso a essas informações, pois se referem à circulação de pessoas em um prédio público e foram produzidas e armazenadas por entidades da administração pública — afirma a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji. — O interesse público da informação se sobrepõe à proteção de dados pessoais — completa.

 

Autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático” , Fabiano Angélico tem entendimento semelhante:

— O argumento do GSI é um subterfúgio, ao meu ver, ilegal, inconstitucional e que afronta o princípio da publicidade e desvirtua completamente a lógica por trás das leis de proteção de dados. A LGPD foi feita para proteger o cidadão comum dos governos e das empresas. E não para proteger os poderosos.