'DESACATO'

PMs são investigados por invadirem velório e agredirem família de jovem morto em SP

Caso ocorreu em Bauru após duas pessoas morreram em confrontos com a polícia; corporação instaurou inquérito

SÃO PAULO (FOLHAPRESS) – Policiais militares são investigados por agressões a pessoas que estavam no velório de dois jovens mortos um dia antes, em supostos confrontos com PMs, em Bauru, a cerca de 330 km da cidade de São Paulo. O caso ocorreu na última sexta-feira (18).

Imagens gravadas por celular mostram Nilceia Alves Rodrigues, 43, mãe de Guilherme Alves de Oliveira, 18, um dos jovens que estavam sendo velados no local, ser arrastada e jogada ao chão por um policial militar.

À reportagem ela disse que estava tentando proteger um outro filho, de 28 anos —ele teria reclamado da presença de PMs no local e, segundo a família, acabou detido com a justificativa de desacato.

Imagens mostram a mulher sendo jogada contra um pilar. Policiais também avançam contra pessoas com cassetetes nas mãos.

Nilceia diz que teve o cabelo puxado e foi sufocada pelo pescoço quanto tentava segurar o filho de 28 anos, para que ele não fosse levado pela polícia. “Estou com a canela roxa por causa de botinadas.”

O filho acabou sendo detido pelos policiais. A mãe foi atrás e o encontrou saindo de um hospital com curativo no rosto, sendo conduzido para a delegacia. “Eu falei que só tinha duas horas para velar meu filho e pedi para deixarem ele ver o sepultamento do irmão, mas não deixaram.”

A mãe conta ter voltado ao velório quando o caixão já estava sendo retirado do local, com o outro filho na delegacia. “Me deram mais meia hora para ficar com ele.”

A Polícia Militar instaurou um inquérito para apurar a conduta dos policiais envolvidos e adotar medidas cabíveis, diz a Secretaria da Segurança Pública.

A Ouvidoria da Polícia Militar abriu um procedimento para investigar o caso. O ouvidor Cláudio Silva disse neste domingo (20) que deve ir nesta semana a Bauru para conversar com o comando da PM local e fazer uma escuta qualificada com a comunidade.

“Falei pessoalmente com o comandante-geral da PM [coronel Cássio Araújo de Freitas]”, afirma. “São imagens muito fortes e é lamentável que o luto que já foi sagrado esteja sendo tão desrespeitado pelas forças de segurança pública do estado”, diz Silva.

Na noite anterior, Guilherme e Luís Silvestre da Silva Neto, 21, foram mortos, segundo a polícia, porque teriam trocado tiros com PMs do 13º Baep (Batalhão de Ações Especiais da Polícia) em uma área de mata no Jardim Vitória.

Os dois estavam próximos a um local de venda de drogas, quando teria chegado a polícia, e correram para o mato.

As famílias dos dois negam que eles estivessem armados. “Meu filho não sabia descascar uma laranja. Acho que ele nunca viu uma arma”, afirma Nilceia.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública diz que PMs faziam uma operação na comunidade do Jardim Vitória quando foram surpreendidos por criminosos que atiraram contra a equipe. “Houve a intervenção e os suspeitos foram atingidos.” As duas famílias negam a versão policial.

Tanto Nilceia quanto Maria Aparecida Urbano Soares dos Santos, 46, mãe de Luís, dizem que duas ambulâncias do Samu (Serviço Médico de Atendimento de Urgência) foram ao local, mas que os socorristas não tiveram autorização para ir até onde os jovens estavam caídos e foram embora.

Na nota, a SSP afirma que o resgate foi acionado e constatou os óbitos no local.

As mães também dizem que não permitiram que elas chegassem até onde estavam os filhos.

De acordo com a polícia, com os dois foram localizadas porções de entorpecentes, que acabaram apreendidas, assim como as armas que eles usavam.

Nilceia diz que só soube que o filho estava morto quando uma advogada a procurou, pegou o RG de Guilherme e confirmou o óbito com a polícia.

“Eu tenho direito de saber o que aconteceu, pois não me deixaram ver o corpo. Nem sei se foram três tiros que ele levou [o jovem teria sido atingido na perna, no abdome e no peito]. Disseram que foi muito tiro”, afirma.

“Quero acreditar que tenham se arrependido, pois um menino que pesa 40 kg e que tem 1,40 m não consegue segurar uma arma.”

Maria Aparecida mostrou a última mensagem que trocou com o filho, pouco antes da morte. Pelo aplicativo WhatsApp, Luís pediu R$ 15 para comprar um lanche, pois estava com fome, e cigarros. “Já chegaram atirando e eles correram para o mato com medo, mas deram de cara com a polícia”, afirma.

“Meu filho tinha marcas de terra nas mãos, acho que tentou se segurar no mato”, diz. “Quero justiça não só por eles, mas por outras mães que perderam filhos da mesma forma.”

Na sexta à noite, moradores do Jardim Vitória fizeram um protesto na rodovia Castelo Branco, com intervenção da PM. Neste domingo, eles preparam uma nova manifestação na estrada, com balões brancos.

O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial, tráfico de drogas, associação para o tráfico, localização/apreensão de objeto e tentativa de homicídio pela Delegacia Seccional de Bauru. As diligências prosseguem pela Polícia Civil em conjunto com a Polícia Militar, diz a SSP.