SEGREDO

Polícia do Rio impõe sigilo de 5 anos a relatório da operação no Jacarezinho; OAB critica

Ação foi a mais letal da história do estado e terminou com 28 mortos

Promotoria denuncia policiais civis por homicídio e fraude processual em operação no Jacarezinho (Foto: Ricardo Moraes)

A Polícia Civil do Rio de Janeiro classificou como “reservado” e estabeleceu sigilo de cinco anos em ao menos dois documentos referentes à Operação Exceptis, no Jacarezinho. A ação foi a mais letal da história do estado e terminou com 28 mortos.

O UOL requisitou à Polícia Civil via LAI (Lei de Acesso à Informação) o comunicado da instituição ao MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) —o documento visava justificar a operação— e o relatório final da ação policial, com a descrição de todos os atos nela ocorridos. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, que acompanha a investigação, e outros especialistas ouvidos pela reportagem veem falta de transparência.

Após a negativa inicial da Polícia Civil, ainda cabe recurso no âmbito da LAI.

A reportagem apurou que os comunicados enviados ao MP-RJ são e-mails de poucas linhas e que os relatórios não têm padronização.

Uma das justificativas que Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, utilizou para impor o sigilo é a de que a divulgação pode “comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”.

Este é um dos argumentos que consta no decreto estadual 46.475/2018, assinado pelo então governador Luiz Fernando Pezão (MDB), para atribuir sigilo a documentos estaduais.

Baseada na LAI (legislação federal), a norma adapta para o estado os motivos para não expor alguns documentos, entre eles: risco à vida, risco a planos e operações de órgãos estaduais e o já citado “comprometimento de atividades de inteligência”.

Todos esses argumentos foram utilizados por Oliveira, mas não há explícito na lei federal ou no decreto estadual o sigilo a operações ou investigações já terminadas.

Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em acesso à informação, acredita que há mais argumentos favoráveis do que contrários à divulgação dos documentos.

“A polícia poderia tarjar apenas nomes, locais e informações sensíveis e disponibilizar o documento para que a sociedade possa avaliar esse fato tão relevante.”

Fachin diz não ver justificativa para sigilo

A justificativa da Polícia Civil para a Operação Exceptis foi o cumprimento de 21 mandados de prisão expedidos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro após investigação sobre o tráfico de drogas no Jacarezinho.

No primeiro momento, a polícia alegou combate a aliciamento de menores, mas o inquérito contrariou essa versão.

Dos 21 alvos, três foram presos na operação e outros quatro foram mortos. O total de vítimas — incluindo um policial civil— foi alvo de condenação por parte de autoridades, sociedade civil e até da ONU, que pediu uma investigação imparcial e independente.

O artigo 21 da LAI explicita que informações sobre “condutas que impliquem violação dos direitos humanos” praticadas por agentes públicos não poderão ser restritas. A Polícia Civil permite que apenas o Ministério Público tenha acesso aos detalhes da operação.

Para Daniel Sarmento, advogado constitucionalista, a imposição de sigilo é errada. “É um tema de interesse público e a sociedade precisa saber”. Sarmento representa o PSB na ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635 —a partir da ação, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a restrição de operações policiais no Rio durante a pandemia de covid-19 a casos excepcionais.

Na última sexta-feira (21), o ministro do STF Edson Fachin, relator da ADPF, posicionou-se em seu voto contra o sigilo em operações policiais no julgamento de um recurso da ação. Fachin sustentou sua decisão com argumentos de organizações da sociedade civil, como a Anistia Internacional e o Conselho Nacional de Direitos Humanos.

“Não há justificativa para que os protocolos de atuação das polícias, que constituem os verdadeiros parâmetros de controle da legalidade de sua atuação, sejam mantidos em sigilo, impedindo o controle externo da atividade policial”

Após pedido de vista de Alexandre de Moraes, o julgamento está suspenso sem previsão de retomada.

O UOL questionou a Polícia Civil se, após o voto de Fachin, há pretensão de retirar o sigilo dos documentos. Após a publicação da reportagem, a Polícia Civil respondeu que “falar em violação aos direitos humanos” é “precipitado” antes da conclusão das investigações. E afirmou que as informações do comunicado e do relatório estão à disposição dos responsáveis pela investigação.

Transparência

Para Daniel Hirata, professor e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Universidade Federal Fluminense), não há justificativa plausível para decisão da Polícia Civil de decretar sigilo desses documentos, porque não há informações sensíveis.

“O argumento de sigilo muitas vezes ilumina a opacidade do Estado brasileiro, sobretudo das instituições de segurança pública, que não têm por princípio a transparência e a prestação de contas sobre as suas ações”, diz.

A advogada Nadine Borges, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, apontou falta de transparência.

“Qualquer decisão que impeça transparência quando se trata de evidências de violações de direitos humanos é perigosa porque destoa de todos os tratados internacionais que o Brasil é signatário.”