Maus-tratos

Polícia investiga escola infantil por maus-tratos de alunos em SP; vídeo mostra crianças chorando e presas com ‘camisa de força’

Imagens foram gravadas dentro da Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica, na Vila Formosa, que é alvo de um inquérito policial

A Polícia Civil investiga uma escola infantil particular da Zona Leste de São Paulo por suspeita de maus-tratos de alunos após vídeos, que circulam nas redes sociais, mostrarem pelo menos quatro crianças chorando amarradas, com os braços presos por panos, como se estivessem imobilizadas por ‘camisas de força’.

Nos vídeos é possível ver que as crianças estão dentro de um banheiro, sentadas em cadeirinhas de bebês, no chão, embaixo de uma pia e próximas à privada. Uma mãe disse ao g1 que identificou seu filho em dois vídeos.

O G1 apurou que as imagens foram gravadas dentro da Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica, na Vila Formosa, que é alvo de um inquérito policial aberto na Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional. Além do crime de maus-tratos, a delegacia investiga a unidade escolar por suspeita de periclitação da vida e da saúde, que seria colocar a vida das crianças em risco, e submissão de crianças a vexame ou constrangimento.

A denúncia chegou há pelo menos duas semanas ao Cerco-8 por meio dos vídeos que circulam na internet. A polícia ainda tenta identificar quem fez as filmagens. Até o momento ninguém foi responsabilizado pelos crimes.

A Colmeia Mágica atende crianças com menos de 1 ano de vida até 6 anos de idade, que são do berçário ao Jardim 2. Além desse caso, a escola já havia sido investigada há cerca de dois anos pela polícia por suspeita de maus-tratos contra um aluno. E em 2010, uma aluna chegou morta ao hospital após ter passado mal dentro da unidade escolar.

Com essas informações, a investigação pediu um mandado de busca e apreensão na unidade escolar por haver indícios de que os crimes seriam recorrentes. Na semana passada a Justiça autorizou que policiais fossem recolher lençóis que poderiam ter sido usados para prender as crianças.

O celular da diretora da Colmeia Mágica também foi apreendido para análise. Peritos confirmaram ainda que os vídeos que circulam na web e mostram as crianças amarradas foram gravados dentro da escolinha.

Nesta segunda-feira, os portões da Colmeia Mágica estavam cobertos com tinta escura. Antes haviam sido pichados com mensagens como “crime”, “neonasistas [sic]”, “desumano”, “mals-tratos [sic]”, “Justiça”, “lixo”, “demônio”, “Deus ta vendo [sic]”.

A mulher, alguns professores e funcionários da Colmeia Mágica já prestaram depoimentos na polícia. Pais de alunos também foram chamados pelos agentes para prestarem esclarecimentos na delegacia. Eles acusaram a diretora como responsável pelos maus-tratos.

A reportagem conversou com algumas mães que ficaram perplexas ao verem os vídeos que mostram as crianças com os braços imobilizados por panos, como se estivessem enroladas. Elas retiraram seus filhos da Colmeia Mágica após as denúncias. A escola teria suspendido as aulas em seguida.

O advogado André Dias, que representa a escola, confirmou ao SP2 que as crianças que aparecem nas imagens são alunos da Colmeia Mágica, mas afirmou que a investigação vai demonstrar que a gravação é uma montagem para prejudicar a escola e as proprietárias.

A mãe que identificou o filho de quase 2 anos nos vídeos que circulam na internet prestou depoimento à polícia.

“Identifiquei meu filho em dois vídeos. O primeiro, ele estava em um banheiro com mais quatro crianças amarradas, e no segundo, estava chorando com mais três bebês em uma sala no escuro”, disse ao g1.

Segundo ela, seu filho ficou com sequelas em razão do trauma que sofreu. “Vem apresentando um nervosismo intenso, dificuldade para dormir, ele chora quando vamos colocar ele na cadeirinha do carro, sabe. Nós achávamos que era de desenvolvimento dele, mas hoje com todas essas informações sabemos que é devido à forma que ele era tratado. Ele estudava lá desde os 11 meses.”

Castigo

Outra mãe, de uma menina de 1 ano e 4 meses, contou que “algumas professoras informaram que as crianças passavam o dia todo de castigo na sala dela [da diretora]” e que “as crianças que estavam fazendo desfralde ficavam trancadas no banheiro por horas”.

A bebê dela ficava no berçário. “Minha filha ficava sem comer. As crianças que choravam muito eram amarradas no bebê conforto com um lençol, como se fosse uma ‘camisa de força’ e deixava eles trancados dentro do banheiro.

Outra mãe contou que o filho de 2 anos voltava chorando para casa depois de ficar na escola. “As professoras falaram que não sabiam o que acontecia lá dentro, mas ouviam os gritos dele chorando muito e ela [diretora] gritando mandando ele calar a boca.”

Ela disse que ainda ouviu de uma professora que “a diretora jogou um copo de água gelada na cara dele [do seu filho] e mandou ele acordar para a vida.”

Além da suspeita de maus-tratos deste ano contra a Colmeia Mágica, a escola já esteve envolvida em pelo menos mais dois casos envolvendo crianças que foram parar na polícia.

Fontes do G1 informaram que em meados de 2020 os pais de um menino fizeram um boletim de ocorrência no 41º DP, Vila Rica, para acusar a escola de maus-tratos contra seu filho.

Outro registro policial foi feito bem antes, em 2010, quando a aluna de aproximadamente 4 meses morreu ao chegar ao Hospital São Luiz após passar mal na Colmeia Mágica. O caso foi registrado como ‘morte suspeita’ no 30º DP, Tatuapé. Segundo outras mães ouvidas pela reportagem, esse inquérito policial foi arquivado.

Até a última atualização desta reportagem a Secretaria da Segurança Pública (SSP) não havia respondido qual foi a causa da morte da criança e qual foi a conclusão da investigação.

Por meio de nota, a pasta da Segurança comunicou que a “Polícia Civil informa que os fatos citados são alvo de investigação pela instituição. Diligências e oitivas estão em andamento. Mais detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial.”

O advogado Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, também assistiu às imagens gravadas na escola e comentou o caso.

“A polícia civil precisa instaurar inquérito para apurar a ocorrência do crime de maus tratos, previsto no Código Penal, e de submeter crianças a vexame e constrangimento, previsto no ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente”, disse Ariel ao G1.