Poucas crianças transgênero mudam de ideia após 5 anos, diz estudo
Descoberta da transexualidade no começo da infância não é motivo para descartá-la em nome da imaturidade da criança
Crianças pequenas que fazem a transição para um novo gênero e assumem mudanças sociais — como novos nomes, pronomes, cortes de cabelo e roupas, por exemplo — provavelmente continuarão a se identificar com este gênero cinco anos depois. É o que afirma um relatório publicado este mês pela Trans Youth Project, que realizou o primeiro estudo do tipo.
Os pesquisadores acompanharam 317 crianças nos Estados Unidos e Canadá que passaram pela transição social entre os 3 e 12 anos. Em média, os participantes fizeram a transição de gênero entre os 5 e 6 anos e, cinco anos mais tarde, a maioria do grupo ainda se identificava com o novo gênero.
Além disso, muitos começaram a tomar medicamentos hormonais na adolescência — uma busca para provocar mudanças biológicas que os alinhem com as identidades de gênero. Mas, do outro lado, cerca de 2,5% do grupo voltou a se identificar com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento.
À medida que a tensão aumenta nos tribunais e nas câmaras estaduais de todo o país sobre os cuidados de saúde apropriados para crianças transgênero, há poucos dados concretos sobre desenvolvimento a longo prazo. O novo estudo fornece um dos primeiros grandes conjuntos de dados sobre este grupo. Os pesquisadores planejam continuar acompanhando essas pessoas por 20 anos após o início das transições sociais.
— Existe esse tipo de ideia de que as crianças vão começar essas coisas e que vão mudar de ideia — disse Kristina Olson, psicóloga da Universidade de Princeton que liderou o estudo. — E, pelo menos em nossa amostra, não estamos encontrando isso.
Olson e outros pesquisadores apontaram, no entanto, que o estudo pode não ser generalizado para todas as crianças transgênero. Dois terços dos participantes eram brancos, por exemplo, e os pais tendiam a ter renda mais alta e mais escolaridade do que a população geral. Todos os pais deram apoio suficiente para facilitar transições sociais completas.
E, como o estudo começou há quase uma década, não está claro se ele reflete os padrões de hoje, quando muito mais crianças estão se identificando como trans. Dois terços dos participantes do estudo eram meninas transgênero que foram designadas meninos no nascimento.
Nos últimos anos, porém, clínicas de gênero para jovens em todo o mundo relataram um aumento de pacientes adolescentes designadas a meninas no nascimento que haviam sido identificadas recentemente como meninos trans ou não-binários.
Esse grupo também tem uma alta taxa de problemas de saúde mental, incluindo autismo e TDAH, observou Laura Edwards-Leeper, psicóloga clínica do Oregon especializada no atendimento de crianças transgênero.
— Esse é realmente o grupo com o qual estou mais preocupada atualmente — disse ela.
Os pesquisadores do Trans Youth Project começaram a recrutar participantes em 2013, viajando para mais de 40 estados e duas províncias canadenses para entrevistar famílias. Dados aprofundados são raros nesse tipo de pesquisa, que geralmente é obtida por meio pesquisas online ou por meio de crianças encaminhadas a clínicas de gênero específicas.
O trabalho publicado anteriormente pelo projeto mostrou que as crianças que foram apoiadas por seus pais durante as transições sociais eram aproximadamente iguais às crianças não transgêneros em termos de taxas de depressão, com taxas ligeiramente elevadas de ansiedade.
O novo estudo, publicado na revista Pediatrics, acompanhou esse grupo quando eles atingiram o marco de cinco anos de suas transições sociais iniciais. O estudo descobriu que 94% do grupo ainda se identificava como transgênero, e outros 3,5% se identificaram como não binários, o que significa que não se veem como meninos ou meninas. Esse rótulo não era tão amplamente usado quando os pesquisadores começaram o estudo.
No final do período do estudo, em 2020, 60% das crianças começaram a tomar medicamentos ou hormônios bloqueadores da puberdade. Os pesquisadores ainda estão coletando dados sobre quantos adolescentes participantes foram submetidos a cirurgias de gênero, disse Olson.
Oito crianças, ou 2,5%, voltaram para o gênero que lhes foi atribuído no nascimento. Sete delas fizeram a transição social antes dos 6 anos e voltaram antes dos 9 anos. A oitava criança, aos 11 anos, reverteu após iniciar o uso de drogas bloqueadoras da puberdade.
Pesquisas das décadas de 1990 e 2000 sugeriram que muitas crianças diagnosticadas com transtorno de identidade de gênero (um diagnóstico psicológico que não existe mais) resolveriam suas dificuldades de gênero após a puberdade, geralmente entre 10 e 13 anos . Alguns desses estudos anteriores foram criticados porque os médicos das crianças aconselharam seus pais a afastá-los de uma identidade transgênero.
Desde que esse trabalho foi feito, a aceitação social da diversidade de gênero cresceu, a prática médica mudou e o número de crianças transgênero aumentou significativamente. Por essas razões, não faz sentido comparar o novo estudo com pesquisas mais antigas, disse Russ Toomey, professor de estudos familiares e desenvolvimento humano da Universidade do Arizona.
— É realmente comparar maçãs com laranjas — disse Toomey. Muitas das crianças nos estudos anteriores eram meninos efeminados cujos pais estavam chateados com seu comportamento. — Muitas dessas crianças nesses primeiros estudos que são frequentemente citadas nunca se rotularam ou foram rotuladas como transgêneros.
O novo estudo pode sugerir que crianças transgênero, quando apoiadas por seus pais, prosperam em suas identidades. Mas também é possível que algumas das crianças que ainda se identificavam como transgêneros até o final do estudo – ou seus pais – sentissem pressão para continuar no caminho que começaram.
— Acho que, dependendo da sua perspectiva, as pessoas provavelmente interpretarão esses dados de maneira diferente — disse Amy Tishelman, psicóloga clínica do Boston College e principal autora do capítulo sobre padrões de cuidados com crianças da Associação Profissional Mundial de Saúde Transgênero.
— Algumas pessoas podem dizer que as crianças entram nessa trajetória de desenvolvimento e não podem sair e que as intervenções médicas podem ser irreversíveis e podem se arrepender — disse ela. — Outras pessoas dirão que as crianças conhecem seu gênero e, quando são apoiadas, ficam felizes.
Embora a maioria dos médicos concorde que as transições sociais podem ser úteis para algumas crianças que estão questionando seu gênero atribuído, disse Tishelman, também é importante dar apoio àqueles que mudam de ideia.
— É realmente importante que as crianças possam continuar a sentir que não há problema em ser fluida, continuar explorando — disse ela.
Com o tempo, mais dados sobre o grupo pode revelar quantas crianças optam pela “destransição” após o início da terapia hormonal. Segundo Olson, um estudo qualitativo adicional será publicado em breve para descrever as experiências do número de crianças que retornaram à sua identidade de gênero original. Essas crianças se saíram bem, disse ela, quando apoiadas por suas famílias.
— Em nosso trabalho, não queremos apenas saber em que categoria eles se encaixam hoje versus amanhã — disse Olson. — Penso em todas essas crianças de maneiras diferentes, e queremos entender como ajudar suas vidas a serem melhores.