‘Preconceito implícito’ impede empresas de enxergarem talentos negros
Gestores e recrutadores brancos precisam ser treinados para impedir que preconceitos afetem suas decisões na hora de contratar e promover
Você pode não se considerar racista, mas é provável que possa ter tomado decisões baseadas em algum preconceito relacionado à raça.
É o que dizem estudiosos do chamado “viés inconsciente” ou “preconceito implícito”, palavras que servem para conceituar práticas não-deliberadas que levam a decisões que prejudicam negras e negros principalmente no mercado de trabalho.
A explicação é simples: séculos de escravidão e regras que institucionalizaram a segregação de negros no passado recente, como o apartheid sul-africano ou as leis Jim Crow no sul dos EUA, deixaram marcas no inconsciente coletivo. São noções que se perpetuam através da socialização que recebemos desde criança.
É o caso, por exemplo, da noção implícita de que negros seriam bons trabalhadores braçais por alguma excepcionalidade física, enquanto brancos seriam mais habilidosos com os números e as ciências, vocacionados para atividades intelectuais.
Negros são exaltados nos esportes ou têm seus corpos fetichizados, enquanto só brancos compõem o imaginário coletivo de premiados com um Nobel.
Os exemplos são simplistas, mas as consequências dessa lógica podem ser perversas: é ela que impede que pretos e pardos sejam vistos hoje como potenciais cientistas, presidentes da República ou diretores de empresas. Isso torna ainda mais difícil para eles demonstrar que podem ocupar esses espaços.
— Falamos sobre viés na perspectiva do que aprendemos, equivocadamente, ao longo de quatro séculos de escravidão no Brasil e tomamos como verdade — afirma Liliane Rocha, CEO e Fundadora da Gestão Kairós, consultoria em sustentabilidade e diversidade que atende multinacionais como a Ambev e Gerdau. — Isso precisa mudar, e as empresas precisam atualizar sua gestão nesse sentido.
Obstáculo a contratações e promoções
No mercado de trabalho, o viés inconsciente aparece desde a entrevista na seleção de novos empregados até as promoções de quem já está dentro para cargos de alta liderança. Faz com que recrutadores e gestores tomem decisões baseadas em estereótipos.
Homens brancos são relacionados a uma competência para o comando. Mulheres negras, por exemplo, são repetidamente associadas às tarefas ligadas ao cuidado e asseio.
Psicóloga especializada em avaliação neuropsicologica pela PUC/Rio, Luana Moreira explica que o viés inconsciente parte de uma bagagem que toda pessoa carrega na memória desde a infância:
— Alguns estudos apontam que, a partir de seis anos de idade, já há uma diferenciação no meio social. A criança preta e a criança branca já recebem tratamentos diferentes, e ainda há o recorte de gênero. Toda essa bagagem fica registrada no nosso inconsciente.
Também é o viés inconsciente que leva gestores e memo colegas de trabalho a serem mais rigorosos com negros, questionando sua competência e autoridade no ambiente corporativo, mesmo que conscientemente não considerem ter preconceitos.
Os vários tipos de viés
Andréa Cruz, CEO e fundadora da SERH1 e especialista em gestão de carreira, diz que todo ser humano tem viés inconsciente.
Ela explica que são vários tipos: de afinidade (como morar na mesma cidade); que reforça estereótipos (como o de que toda mulher negra é empregada doméstica); confirmatório (que procura informação para confirmar hipótese); o da aura ou auréola (preferência inconsciente com apenas uma informação positiva ou negativa); e o viés inconsciente do grupo (que tende a seguir um padrão).
— O viés é o mecanismo do cérebro que contribui para uma atitude automática — resume.
Pesquisadores de Harvard até criaram um teste que ajuda a medir o quanto o preconceito racial está presente no inconsciente de cada um. O Teste de Associação Implícita (IAT, na sigla em inglês) pode ser feito on-line e também detecta resistências veladas contra outras minorias, como deficientes e homossexuais.
Mas admitir preconceitos arraigados é tão difícil para a maioria que os pesquisadores tiveram que incluir um aviso para os quase 20 milhões de internautas que responderam o questionário: é preciso declarar ciência de que o resultado pode não lhe agradar.
Reconhecer o racismo estrutural
Os especialistas alertam que reconhecer o racismo como um problema estrutural e coletivo é um passo fundamental para reduzir o viés inconsciente. É esse tipo de reconhecimento que tem favorecido o recente movimento de grandes empresas para ampliar a diversidade racial em suas equipes.
Claudia Costin, especialista em educação da FGV e ex-diretora do Banco Mundial, diz que iniciativas como seleção de trainees exclusivamente negros são formas de tentar escapar do viés para ampliar a diversidade nas empresas, o que pode reduzir viés discriminatório no futuro:
— Infelizmente, com esse olhar enviesado que temos, tendemos a procurar aquilo que já conhecemos num gerente ao entrevistar, e não aqueles talentos que podem se desenvolver, desde que tenham treinamento e estrutura de suporte adequados.
A psicóloga Luana Moreira ressalta a importância de as empresas fazerem treinamentos com gestores e recrutadores brancos para eles se conscientizem de um possível viés capaz de afetar sua decisão:
— É importante ter um programa para que mais pessoas pretas sejam contratadas, mas não como um reparo social, e sim como um lugar de capacitação. Um adulto pode ser reeducado, pode mudar o mindset.