Preso há 41 anos, Geleião, fundador do PCC, caminha para a prisão perpétua
A pena dele é de 142 anos. Geleião sempre ficou preso em regime fechado
Um dos condenados mantidos há mais tempo atrás das grades no Brasil, José Márcio Felício, 59, o Geleião, único fundador vivo do PCC (Primeiro Comando da Capital), preso por 41 ininterruptos anos, corre risco de sofrer nova penalização judicial e de ficar por décadas confinado na prisão.
Ele ainda não foi julgado pelas mortes de três presos e de um agente penitenciário durante uma sangrenta rebelião ocorrida entre os dias 6 e 12 de junho de 2001 na Penitenciária Estadual de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, no Paraná. A pena dele é de 142 anos. Geleião sempre ficou preso em regime fechado.
A Justiça nunca deferiu suas petições de progressão para o semiaberto, feitas de próprio punho por não ter advogado. Uma possível condenação pelas mortes de Piraquara pode significar uma prisão perpétua para ele.
Geleião e outros sete presos, todos integrantes do PCC à época, foram denunciados à Justiça pela promotora Luiza Helena Nickel, em 1º de abril de 2014, praticamente 13 anos após os crimes. O processo continua em andamento na Vara Criminal de Piraquara.
Entre os oito presos denunciados, dois também eram fundadores do PCC: César Augusto Roriz Silva, o Cesinha, assassinado em agosto de 2006 na Penitenciária 1 de Avaré e Mizael Aparecido da Silva, o Miza, morto por rivais em fevereiro de 2002 na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.
Segundo a Justiça paranaense, o processo está na fase de instrução. Foram extintas as punibilidades de Cesinha e Mizael porque ambos morreram, e a de Gilmar Ângelo dos Santos, o Mamá, outro criminoso do PCC. Ele era portador do vírus HIV e faleceu em 2007 em uma prisão paulista.
Na semana passada, a Vara Criminal de Piraquara expediu à Justiça de São Paulo carta precatória intimando o presidiário Emerson de Souza Almeida, o General, um dos denunciados pela matança, para prestar depoimento.
Histórico no crime
O detento era da alta cúpula do Primeiro Comando da Capital. A Vara Criminal de Piraquara informou nesta quinta-feira (9/7) à reportagem que Geleião também será intimado para prestar declarações nessa fase de instrução processual.
Durante a rebelião, o preso José Reginaldo Repecki matou o agente penitenciário Luciano Aparecido Amâncio e, como represália, acabou decapitado a mando dos rebelados, conforme denúncia do Ministério Público do Paraná.
O mesmo fim teve o presidiário Claudiomiro Soares. Ele foi assassinado porque matou, de forma também cruel, o detento Marcos Rogério Esser da Silva. Ao menos 25 funcionários da penitenciária foram mantidos reféns.
Dias depois do motim em Piraquara, cuja repercussão foi internacional, Geleião e seus parceiros foram mandados de volta para São Paulo. No ano seguinte teve início uma guerra interna sem precedentes no PCC. Ele e Cesinha acabaram expulsos da facção e foram jurados de morte.
A turma do PCC, liderada por Geleião, começou a fazer rodízio em presídios em outros estados no final dos anos 1990, por causa da prática de constantes faltas disciplinares graves nas prisões paulista, desde tentativas de fugas às mortes por decapitações de rivais.
Graças a essas transferências, esses presos espalharam a semente do PCC para fora de São Paulo, principalmente em penitenciárias do Mato Grosso do Sul e do Paraná.
Em Piraquara, a situação não foi diferente. A facção paulista tem vários adeptos lá até os dias atuais. A rebelião de junho de 2001 teve início após uma fracassada tentativa de fuga liderada pela turma do PCC.
Segundo a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado de São Paulo, o preso, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, atualmente recolhido na Penitenciária Federal de Brasília, assumiu o comando do PCC após as expulsões de Geleião e Cesinha. Marcola sempre negou essa acusação.
Depois de ter a morte decretada pelo PCC, Geleião fundou outra facção criminosa na prisão. Ele cumpria pena na Penitenciária de Osvaldo Cruz, a 570 Km de São Paulo, junto com Cesinha, quando criou com ele o TCC (Terceiro Comando da Capital).
Atualmente, José Márcio Felício está recolhido na Penitenciária de Iaras, no Interior de São Paulo. O presídio é destinado aos detentos condenados por crimes sexuais, como pedofilia e estupro, e também aos prisioneiros jurados de morte por facções rivais.
O longo tempo atrás das grades não permitiu a Geleião acompanhar com detalhes os processos de revoluções tecnológica e arquitetônica e as modernas mudanças no setor automobilístico.
Quando Geleião foi preso, em 1979, aos 19 anos, os carros da moda eram Brasília, Fusca e Corcel. Em 2002, ao ser trazido da Penitenciária de Avaré para depor no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), ele ficou fascinado com os novos modelos de veículos de luxo circulando em alta velocidade na rodovia Castello Branco.
No retorno à prisão, os policiais da escolta pararam em um restaurante para Geleião ir ao banheiro. Ao lavar as mãos, sem as algemas, mas rigorosamente vigiado por investigadores portando fuzis e metralhadoras, Geleião teve outra surpresa e ficou constrangido por alguns segundos.
O presidiário tentou em vão abrir a torneira. Não sabia que o equipamento automático funcionava com sensor eletrônico. Os policiais da escolta riram dele e depois comentaram o episódio com colegas e jornalistas.
Na última terça-feira (7/7), Geleião completou 41 anos atrás das grades. Na prisão, ele acompanhou 10 Copas do Mundo, de 1982 a 2018.
Alguns agentes penitenciários disseram à reportagem que essa é uma triste marca e que não desejam essa situação para ninguém, nem para os maiores inimigos.
Outros agentes, mais bem-humorados, afirmaram que Geleião tem grande chance de assistir outras quatro ou cinco Copas do Mundo na prisão e de ter o nome consagrado no “Guinness Book”, o livro dos recordes mundiais.