TRAGÉDIA

Primas de 13 anos morreram enquanto filmavam cachoeira em Petrópolis

Moradores buscam familiares no IML; filha postou vídeo de ônibus se enchendo de água antes de desaparecer

Primas de 13 anos morreram enquanto filmavam cachoeira em Petrópolis (Foto: Agência Brasil)

A voz de Márcio Luis Ferreira dos Santos, 45, até falha quando ele lembra o momento em que pulou a cachoeira e correu de uma casa para outra junto da mulher e cinco de seus filhos. A sexta, Taylane de Souza dos Santos, ficou.

Ela e a prima Ana Clara da Fonseca, ambas de 13 anos, filmavam a enxurrada que jorrava no terreno de cinco casas da família em Petrópolis. Não imaginavam que duas delas seriam arrastadas pela mesma lama, que encontrou passagem ali no quintal quando uma barreira caiu e vedou o curso natural da cachoeira.

“Mamãe, cadê a Tatá? Morreu?”, pergunta à mãe a irmã mais nova, de dois anos. Era extrovertida e alta como a avó, conta o pai autônomo, que por poucos segundos não foi junto. Ele está entre as dezenas de parentes que, desolados, buscam filhos, irmãos, mães e primos em frente ao posto regional do IML (Instituto Médico-Legal) de Petrópolis nesta quinta (17).

Assim como Tayane e Ana Clara, mulheres são a maioria das ao menos 104 vítimas do temporal que arrasou a cidade na Região Serrana do Rio de Janeiro na última terça (15). Até o fim da manhã, 101 haviam sido levadas para identificação: 65 mulheres e 36 homens —entre esses, 13 menores de idade.

Os nomes de cada um vão sendo anunciados a cada meia hora por uma funcionária da Sala Lilás, antes destinada a receber denúncias de violência contra a mulher na cidade. Um punhado de gente corre para a porta da unidade a cada vez que a mulher aparece.

É um processo que tem que ser feito com lisura, ela diz já rouca, portanto exige tempo apesar da dor das famílias. Ela afirma que há espaço dentro da sala se alguém precisar descansar ou passar mal debaixo do sol, que já começa a ser encoberto pelas nuvens anunciando mais chuva forte pela tarde.

Não é possível, grita um homem já quase urrando pela dor ao ouvir um dos nomes. Outra família chega e se abraça, pedindo privacidade a um fotógrafo que registrava o momento. Um terceiro homem briga ao ouvir um repórter falando para as câmeras sobre a atuação dos bombeiros. Quem tirou os corpos foram os moradores, critica.

Nem todos tiveram resposta ainda. A irmã de Maria das Graças Tomaz Coelho Vaz, 50, que não quis se identificar, esperava por notícias havia uma hora. Ela está desaparecida desde aquela tarde, quando foi ao dentista sozinha em Alto da Serra, umas das regiões mais atingidas pelas chuvas. Deixou uma filha de 24 anos.

Daniela da Silva Viana é outra das mulheres ainda não encontradas. Aos 30 anos, voltava do trabalho no supermercado quando a água começou a subir pelo degrau do ônibus. Avisou a mãe que a corrente já balançava o veículo para o lado do rio, mandando em seguida uma foto da porta. Estava com medo.

Ficaram esperando ela voltar, mas não voltou. No dia seguinte, surgiu o vídeo do mesmo ônibus sendo arrastado junto a um segundo, enquanto passageiros tentavam escalar as janelas. A gravação que ela postou nas redes sociais lá de dentro já sumiu, depois de 24 horas. O telefone chama, chama, mas ninguém atende.

O pai só soube “quando o dia já estava brotando”, diz o pedreiro José Viana, 59. Procuraram em tudo quanto é unidade de saúde e deixaram o IML por último, onde ainda não conseguiram notícias. A mãe, Tânia Maria da Silva, 59, já avisou a perícia que ela usa aparelho e tem tatuagens. “Eu sinceramente já tô certa”, fala a uma amiga no telefone.

Bem em frente ao ponto onde os ônibus tombaram estava a casa de João Carlos Castro de Oliveira, 55. Ele também conversava com a família naquela tarde, mas preocupado com os cinco irmãos, afinal sua casa ficava no centro da cidade e não tinha risco de cair. Só que caiu.

A última mensagem antes da tromba d’água descer foi às 18h08, dizendo para tomarem cuidado, conta uma das irmãs, que também não quis se identificar. Foi sozinho, porque a esposa estava no trabalho.

A poucos metros dali, o mecânico Emídio Júlio Vicente, 43, esperava para reconhecer o corpo da mãe, Maria de Fátima dos Anjos Vicente, 64. “Ver se tem pelo menos enterro digno”, espera. Ela estava em casa, em cima do Morro da Oficina, onde o maior deslizamento da cidade levou cerca de 80 casas.

Foram cinco ou seis pessoas de uma vez, ele conta: ela, o esposo, a sogra dela e três crianças. “Ali é uma lage de pedra, escorregou e desceu tudo. Já tinha caído outras coisas antes, mas coisas pequenas. Rolado pedra, barreirinha pequena, não imaginava que ia descer aquela coisa enorme.”

Emídio diz que a sirene toca com frequência no morro. “Tocar até toca, mas até as pessoas saírem… Uns saem, outros não, uns não têm nem para onde ir”, lamenta.