Primeira professora com Síndrome de Down do país defende escola normal para todos
Débora é a primeira professora com Síndrome de Down no país e dá aulas na Escola Doméstica em Natal (RN) a 28 alunos da alfabetização
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A potiguar Débora Seabra, de 33 anos, não poderia ter escolhido outra profissão, senão professora. Em sua apresentação no encontro internacional Educação 360, na tarde deste sábado, ela deu uma lição de superação e emocionou a plateia com sua história de vida: Débora é a primeira professora com Síndrome de Down no país e dá aulas na Escola Doméstica em Natal (RN) a 28 alunos da alfabetização. Ela é do time que luta pela Inclusão com i maiúsculo, como gosta de repetir.
A jovem destaca o suporte que encontra na família e defende a escola regular para todos os alunos, sem distinção. Ela enfrentou dificuldades, sim, mas conta que cresceu fazendo tudo o que qualquer pessoa da idade dela fez e faz, como aulas de balé, curso de teatro, “boas festas americanas em casa” e trabalhos em lojas, como modelo e recepcionista de eventos e seminários.
“A inclusão começa na família e a minha sempre foi meu porto seguro. Sempre estudei em escolas regulares porque o contrário é discriminatório. Inclusão ensina a conviver”, disse ela.
Débora concluiu o curso de magistério em 2004, na Escola Estadual Professor Luiz Antônio, em Natal. Fez estágio e trabalhou voluntariamente como professora auxiliar na Escola Doméstica, por dez anos, em função de uma lei estadual que a impedia de receber o benefício da pensão da mãe, funcionária aposentada do Ministério Público, caso tivesse a carteira assinada. Depois de muita luta, esta foi mais uma das suas vitórias e a carteira assinada pela Escola Doméstica, onde também estudou, chega essa semana.
“Precisava de dinheiro para sair com os amigos, né?!”, disse Débora, arrancando risadas das pessoas que acompanhavam sua palestra com muito carinho.
A história de vida de Débora se reflete nas páginas do livro “Débora conta histórias”, com oito fábulas inclusivas, apenas uma personagem humana e animais considerados “diferentes” – um sapo que não sabe nadar, uma galinha surda e um pato gay, por exemplo. A ideia surgiu em 2010, como presente de Natal para os pais e o irmão. O lançamento do livro aconteceu em Recife, no Congresso Internacional de Tecnologia da Educação.
Ela agora quer se dedicar a um livro sobre o que viveu. Já começou a escrevê-lo com calma, entre um jogo e outro do ABC de Natal, que sempre acompanha com o irmão. Os domingos, segundo ela, são dos amigos: “Gosto de sair, de passear com minhas amigas, de malhar e dançar. Essa é minha rotina: trabalho muito durante a semana e fim de semana, depois de curtir minha família, me divirto com os amigos”.
Na escola, como professora auxiliar, participa de todas as atividades, desde o planejamento semanal de aulas, contação de histórias, eventos culturais e artísticos, organização dos arquivos e materiais e brincadeiras com a turminha. É Débora quem também conversa com os pais dos alunos e conta com orgulho que conhece todos eles.
Às sextas, vira e mexe precisa intervir numa briga ou outra entre os alunos, que neste dia podem levar para a escola um brinquedo de casa: “A gente senta numa roda e conversa com eles. Fala sobre o respeito”.
Era quando faltava respeito, que Débora mais sofria. Ainda na escola, foi alvo de bullying e humilhação. Lembra de colegas que abusavam e pediam seu celular emprestado para gastar por conta. Lembra também daqueles que não a queriam nos grupos de trabalho e de disciplinas em que tinha alguma dificuldade maior. Débora lembra bem de uma garota que tirou o sapato e a fez cheirar. Neste dia, ela decidiu que seguiria em frente: “Pensei ‘não vou desistir, não vou desistir’ e gritei com ela. Chamei uma amiga e perguntei o que fazia e ela gritou junto comigo”.
Na plateia, a mãe de uma criança com Síndrome de Down se manifestou, querendo saber o que foi mais difícil. Uma professora que este ano recebeu na escola um aluno portador da mesma síndrome disse que a cada dia todos aprendem com o menino e quis saber sobre o relacionamento dela com as crianças. Outra educadora perguntou como os professores podem ajudar mais nessa inclusão e um rapaz a questionou sobre planos para o futuro.
A cada resposta de Débora, era impossível conter a emoção: “Ninguém pode passar pelo que eu passei, por humilhação, discriminação e exploração. Tenho dois alunos que são gêmeos e a gente trata eles igual. Meu irmão e eu somos diferentes, mas meus pais tratam a gente igual também. Não tenho uma doença, é só um jeito diferente de ser. Especial para mim é minha família. A diversidade abre caminhos para todos. Superar dificuldade nos fortalece e traz felicidade”.
(Do jornal Extra)