Posse de arma

Procura por cursos de tiro e registro de novas armas cresce na onda de Bolsonaro

Dados da Polícia Federal e do Exército refletem o ritmo das discussões em Brasília sobre a possibilidade de flexibilizar as regras da posse de arma

A procura por cursos de tiro e registro de novas armas de fogo cresceu no Brasil no ano passado. Dados da Polícia Federal e do Exército refletem o ritmo das discussões em Brasília sobre a possibilidade de flexibilizar as regras da posse de arma, uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Segundo o Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal, o registro de novas armas em todo o país cresceu 6,35% no ano passado em comparação a 2017, passando de 45.443 para 48.330. Já os certificados de registros do tipo CAC (Colecionador, Atirador Esportivo ou Caçador), emitidos pelo Exército no estado de São Paulo, subiram de 13.408 até novembro de 2017 para 17.591 até novembro de 2018, um aumento de 31%.

Estandes que oferecem cursos de tiro já notaram esse crescimento em São Paulo. A empresária Rose Guimarães, 53 anos, disse que a procura por cursos no clube de tiro ADDG (Associação Desportiva Durval Guimarães) dobrou no ano passado, principalmente depois da eleição de Bolsonaro. Segundo ela, a maioria está interessada em conseguir o laudo técnico para comprar arma. “A população está muito amedrontada e quer se defender”, afirmou Rose, sem detalhar esse crescimento.

Paulo Bilynskyj, instrutor e dono do Projeto Policial, disse que a procura pelo curso básico que ele oferece cresceu progressivamente em 2018. “No começo do ano passado nossas turmas tinham nove alunos. Já no fim, eram 47”, afirmou.

O curso, com nove horas, sai por cerca de R$ 1.200. A maioria, segundo o instrutor, tem interesse em comprar arma. “A necessidade da arma é quase como um instinto de sobrevivência. A pessoa percebe que precisa se defender e passa a ter isso como prioridade. O resultado das eleições é reflexo disso”.

Instrutores credenciados pela PF confirmam o aumento. Segundo eles, muitos alunos preferem tirar o registro pelo Exército porque como colecionador, atirador ou caçador, podem ter mais de uma arma. Já pela PF, o registro é de apenas uma.

Empresária aprendeu por defesa

A empresária Patrícia Dalle Molle, 48 anos, decidiu que era hora de aprender a atirar há pouco mais de quatro anos, quando foi morar sozinha em uma área rural de Campos de Jordão (181 km de SP). No ano passado, Patrícia foi atrás dos documentos para comprar sua primeira arma. E como continua praticando tiro esportivo, achou melhor fazer o registro no Exército, que lhe permite inclusive o transporte da arma até o estande de tiro.

“No início tinha o objetivo de me defender. Mas os cursos me orientaram sobre como usar e também descobri que não é tão simples ter uma arma de fogo”, afirmou Patrícia.

O empresário Evaldo Araújo, 45 anos, disse que seu interesse por armas surgiu quando foi servir o Exército. Mas foi somente há oito anos que começou a atirar em um clube de São Paulo. Logo tirou o registro para ter uma arma como atirador, pelo Exército, e agora prepara a documentação para registrar outra, pela PF. “Se tivesse algum meio, eu teria o porte de arma, assim os ladrões pensariam duas vezes antes de atacar. Se necessário saberei usar [a arma].”

Decreto deve sair na próxima semana

No fim do ano passado, antes de assumir a Presidência, Jair Bolsonaro (PSL) disse que pretendia assinar um decreto para permitir a posse de arma de fogo a todas as pessoas sem ficha criminal e que tornaria o registro da arma definitivo. Atualmente, é renovado a cada 5 anos.

Já como presidente, Bolsonaro disse que pretendia acabar com a restrição, permitindo também o porte de arma. “Vamos flexibilizar também” o porte, disse, acrescentando que isso poderá ser feito por decreto. A previsão é que a medida saia na próxima semana.

Um dos defensores do porte de arma para brasileiros, o presidente do Movimento Viva Brasil, Benê Barbosa, diz que todas o Estatuto do Desarmamento foi ineficaz em tirar as armas dos criminosos. Além disso, tirou dos cidadãos o direito de autodefesa, uma vez que a polícia não está presente em todos os lugares.

“A legislação retirou o direito à autodefesa e não conseguiu combater a criminalidade”, afirmou.

Benê contesta estudos que mostram ser maior a possibilidade de morte da vítima que reage a um assalto com arma de fogo. “Eles só levam em conta quem morreu. A maior parte dos casos não acaba em morte nem do ladrão nem da vítima.”

Risco fica maior, dizem especialistas

O diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, afirma que todos os estudos mostram que a posse de arma aumenta o risco para a vítima de tomar um tiro do agressor. “A arma é excelente para o ataque mas é péssima para defesa”, diz.

Já David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a arma é valorizada entre os criminosos. “Por isso, ao saber que alguém tem arma, além de não evitar o assalto, pode ser um chamativo”, afirmou.

O especialista em segurança pública Guaracy Mingardi diz que a posse mais aumenta a sensação de segurança do que realmente oferece proteção a seu dono.