Procuradores da Lava Jato de SP expõem divergência e pedem demissão coletiva
Trata-se de uma resposta a divergências com uma procuradora com quem eles compartilham a divisão no MPF. Grupo já investigou filho do ex-presidente Lula
Os oito procuradores da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo pediram para deixar seus cargos no grupo, em ofício apresentado à PGR (Procuradoria-Geral da República) nesta quarta-feira (2).
A decisão é uma resposta a divergências com uma procuradora com quem eles compartilham a divisão do Ministério Público Federal em São Paulo responsável por casos da operação. A medida foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A força-tarefa de São Paulo cuida de desdobramentos da operação enviados para o estado. Entre os casos, há, por exemplo, acusações relativas ao ex-operador do PSDB Paulo Preto. Uma investigação sobre negócios de um filho do ex-presidente Lula (PT) também ficou com o grupo.
O pedido de demissão é mais um revés para a operação, que vive um embate nacional com a PGR e que, na terça-feira (1º), perdeu em Curitiba o coordenador Deltan Dallagnol. Sob pressão, ele decidiu se afastar da força-tarefa local alegando questões familiares.
A carta de renúncia da equipe em São Paulo é assinada pela coordenadora da equipe, Janice Ascari, que assessorou anteriormente o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, e outros seis integrantes.
Eles querem que a saída não seja imediata e pedem um prazo, para as próximas semanas, para que haja tempo de trabalhos de transição.
No ofício, eles falam em “incompatibilidades insolúveis” com a atuação da procuradora Viviane de Oliveira Martinez, que também atua em São Paulo e não fazia parte formalmente da força-tarefa.
Procurada, a direção do Ministério Público Federal ainda não se manifestou a respeito do assunto.
A procuradora Viviane assumiu em março deste ano, depois de concurso interno de remoção, no Quinto Ofício da Procuradoria da República em São Paulo, divisão do Ministério Público que cuida da Lava Jato no estado.
Segundo afirmam os procuradores da força-tarefa em documento, nesse posto ela precisaria ter participação natural dentro da equipe e nos procedimentos da operação, o que acabou não acontecendo.
A força-tarefa disse que a colega não se interessou em atuar nos casos da operação e apenas trabalhou para enviar para outras divisões os procedimentos e investigações de atribuição do grupo.
Citam como exemplo ocasião em que ela pleiteou o adiamento de uma operação contra o ex-governador José Serra (PSDB) somente porque havia a possibilidade de o caso ser retirado de sua responsabilidade pelo Conselho Superior do Ministério Público. “Importava apenas, no jargão costumeiro, ‘sanear o gabinete’”, escreveram os procuradores.
Também reclamam que ela atuou como uma “distribuidora monocrática” dos casos, “decidindo sobre o que guardaria e o que não guardaria conexão com eles”.
Em maio, a procuradora Viviane criticou o tamanho do acervo da força-tarefa à PGR.
“A FTLJ-SP [força-tarefa], se continuar vinculada ao 5º Ofício Criminal da PRSP [Procuradoria da República], fará com que o acervo cresça em progressão geométrica e, considerando-se que ele também cumula o recebimento normal da distribuição da PRSP, daqui a pouco minha atuação estará inviabilizada”, disse a procuradora.
“Estou me responsabilizando pessoalmente pela atuação de mais oito colegas, cujo ritmo de trabalho é difícil acompanhar, dificuldade essa que é agravada pelo nível de sigilo que se impõe à atuação deles”, afirmou Viviane. Na ocasião, ela pediu providências à PGR.
A força-tarefa de São Paulo foi criada em 2017, na esteira da delação da Odebrecht, que trouxe dezenas de procedimentos da operação o estado. Até agora, teve resultados muito mais tímidos do que os grupos de Curitiba, onde começou a operação, e do Rio.
Desde o ano passado, a Lava Jato vem sofrendo uma sequência de derrotas, incluindo a revisão de julgamentos, a retirada de casos sob sua responsabilidade e a decisão que barrou a prisão de condenados em segunda instância, como é o caso do próprio Lula.
As forças-tarefas também tiveram nos últimos meses um embate com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi acusado por defensores da Lava Jato de tentar interferir nos trabalhos e esvaziar a operação.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, chegou a determinar que os procuradores da Lava Jato enviassem à PGR todos os dados de investigações já colhidos pela operação. A ordem foi revogada no último dia 3 por outro ministro, Edson Fachin.
Embora o embate de Aras seja mais forte com a equipe em Curitiba, ele se estende às demais forças- tarefas da Lava Jato.
Um dos pontos de divergência foi a proposta da PGR de criação de um órgão na estrutura da Procuradoria-Geral batizada de Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado), ao qual as forças-tarefas de casos de corrupção trabalhariam vinculadas.
Procuradores falam em um risco de excessiva centralização de poder. Um outro ponto seria também a concentração de informações de inteligência em um órgão.
O pano de fundo da discussão é a desconfiança com que em geral procuradores veem Aras. Ele assumiu o comando da Procuradoria por indicação direta do presidente Jair Bolsonaro, sem ter disputado eleição interna da categoria, como seus antecessores.