CHEGA A MANTEIGA DERRETE

Proibida nos cinemas da China, pipoca tem destino incerto no Brasil

Pipoca representa quase metade do lucro obtido pelos exibidores dos EUA. No Brasil, é sinônimo de mais de 30% da receita

(Foto; Reprodução)

Quando a pandemia começou a fazer barulho aqui no Brasil, lá pelos idos de março, um saboroso som foi silenciado nos cinemas do país. Com o fechamento das salas de exibição, o estouro do milho nas bombonières também cessou, claro, gerando um vazio duplo no peito de quem prefere curtir seu filme acompanhado por um balde generoso de pipoca.

Agora, cinco meses depois, vemos ao redor do mundo a reabertura gradual dos cinemas — 50% deles já estão em funcionamento, de acordo com a consultoria Gower Street Analytics. E eis que surge um dilema: a pipoca voltará ao seu papel de protagonista na retomada? Afinal de contas, ela representa quase metade do lucro obtido pelos exibidores dos EUA, por exemplo. Já no Brasil, a venda de alimentos nos cinemas é sinônimo de mais de 30% da receita do parque exibidor.

No mês passado, a China, maior mercado do mundo quando o assunto é bilheteria de cinema, iniciou a reabertura de suas salas, mas com a proibição da venda de comes e bebes (já que as máscaras são obrigatórias). Já Espanha, Reino Unido e França, em seus protocolos sanitários, autorizaram o funcionamento de bombonières e o consumo dos produtos durante a exibição de filmes. Em comum entre todos os países está a adoção do distanciamento com poltronas vagas — de duas a três — e o incentivo à venda virtual de ingressos.

Nos EUA, onde já há 5 milhões de casos de Covid-19 e apenas 21% do parque exibidor foram reabertos, o papel da pipoca no pós-pandemia ainda é uma incógnita. E fruto de debate, como mostra o artigo “O enigma da pipoca”, escrito pelo jornalista Owen Gleiberman para a “Variety”. “Os exibidores prometem o ambiente mais seguro possível, mas como você pode usar uma máscara enquanto come? Você não pode”, questiona Gleiberman.

Já aqui no Brasil, a indefinição sobre a reabertura das salas vem bem antes do debate sobre a pipoca. Presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras de Cinema (Feneec), Ricardo Difini trabalha com o dia 27 como meta para uma próxima tentativa de reabertura maciça pelo país. Mas como há jurisdições regionais que interferem no processo, é possível que alguns complexos retornem antes de outros. É o caso do cinema PlayArte Manaura, que conseguiu autorização da prefeitura de Manaus e reabre hoje.

— É bastante complicado pensar numa volta sem a venda de bebidas e comidas. É um complemento de receita importante para a rentabilidade do negócio, assim como são as lojas de conveniência para os postos de combustível — argumenta Difini, que critica a proibição feita pelo mercado chinês.

Para ele, o veto a pipocas e outras guloseimas nas salas se mostra um grande equívoco, pois o consumo nos cinemas, em teoria, ocorre apenas por uma parcela dos espectadores e por um período curto.

— O frequentador fica sem consumir na maior parte do tempo de uma sessão de cinema, assistindo ao filme passivamente, com máscara de proteção, diferentemente de bares e restaurantes, onde o tempo sem uso de máscaras é muito maior.

Na mesma linha de pensamento seguem as empresas exibidoras, que já têm preparados seus protocolos sanitários para o momento de reabertura. Ao GLOBO, as redes Kinoplex, UCI e Cinemark, três das maiores do país, informaram que está nos planos de retomada a venda de alimentos e bebidas, assim como a permissão de consumo dentro das salas.

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Infectologista é contra

Porém é possível que surjam impasses. Como na cidade de São Paulo, por exemplo, cuja data de reabertura de espaços culturais foi adiada por tempo indeterminado. Lá, a vigilância sanitária municipal já havia determinado que, quando as salas reabrissem, as vendas de bebida e comida estariam proibidas.

Ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo e atual diretor do cinema Petra Belas Artes, André Sturm deseja retomar suas atividades prontamente, e com pipoca.

— O cinema é um ambiente controlado. É claro que não temos poder de polícia para obrigar as pessoas a usarem máscara enquanto não comem, ou bebem, mas o distanciamento é uma garantia de segurança — defende o empresário. — O lucro com bombonière é primordial, pois é uma receita que vai diretamente para o bolso do exibidor, sem ser fatiada com distribuidores e estúdios.

Para além do fator mercado, a pipoca tem uma função afetiva na experiência de quem vai ao cinema, numa trajetória que remonta à Grande Depressão, em 1929, conforme relata Andrew F. Smith, professor da New School University de Nova York, no livro “Popped Culture: A Social History of Popcorn”. Na obra, ele conta como a crise que quebrou a economia americana foi o elo perfeito entre cinema e pipoca, divertimentos baratos para uma população sem dinheiro. Depois de quase um século, houve um claro processo de gourmetização, não somente das salas de exibição, como também da pipoca. O que, de forma alguma, abalou a relação com o público.

Na visão de alguns especialistas, talvez este seja o momento de abrir mão da pipoca no cinema. Para Marilia Santini, infectologista da Fiocruz, o momento da pandemia no Brasil deveria pedir, a princípio, uma precaução maior em relação ao consumo de bebidas e alimentos nesses ambientes.

— Se é preciso tirar a máscara para comer e beber, o ideal seria um distanciamento de 2,5 metros pelo menos, o que não acredito que o espaçamento de duas ou três poltronas garanta — diz a médica. — Assim, o ideal seria uma retomada similar à da China, sem pipoca.

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