GUERRA

Putin se vinga de ação na Crimeia e ordena maior ataque à Ucrânia até agora

Moscou tomará medidas 'severas' de dimensão 'correspondente ao nível de ameaça' à Federação Russa, disse Putin

Biden diz pela 1ª vez estar pronto para discutir fim da guerra com Putin (Foto: Reprodução - Twitter)

A Rússia lançou nesta segunda-feira uma série de bombardeios contra importantes cidades ucranianas, incluindo o centro da capital, Kiev, distante da frente de batalha. Com estruturas de energia e comunicações como alvos principais, os ataques mais amplos desde os dias iniciais do conflito marcam a retaliação, ordenada por Vladimir Putin, à explosão que derrubou no sábado um trecho da ponte estratégica que liga a Península da Crimeia ao território continental da Rússia, que o presidente russo classificou como um “ato terrorista” da Ucrânia.

Os bombardeios russos mataram ao menos 11 pessoas e feriram 64, segundo o serviço de emergência ucraniano, e derrubaram o abastecimento em diversas regiões do país. Em Kiev, foram não só os primeiros ataques desde junho, mas também os que ocorreram mais perto do Parlamento e do escritório do presidente Volodymyr Zelensky desde que o conflito eclodiu, em 24 de fevereiro. Apenas na capital, foram cinco mortes.

Na abertura de uma reunião do Conselho de Segurança da Rússia, Putin disse que a Ucrânia “praticamente se pôs no mesmo patamar que formações internacionais terroristas” ao atacar a ponte na Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Como “deixar um crime desses sem resposta é simplesmente impossível”, afirmou o presidente, seu governo ordenou um “ataque maciço com armas de amplo alcance e alta precisão” contra “infraestruturas de energia, comandos militares e comunicações” da Ucrânia:

— Se tentativas de realizar ataques terroristas contra o nosso território continuarem, as medidas tomadas pela Rússia serão severas e sua dimensão corresponderá ao nível de ameaça à Federação Russa. Ninguém deve ter dúvidas disso — afirmou Putin, que ainda no sábado havia anunciado a troca do comandante de sua ofensiva na Ucrânia, nomeando o general Sergei Surovikin, chefe da Força Aeroespacial, que o serviço de Inteligência militar de Kiev disse no fim de semana ser um especialista em guerra aérea.

A Presidência ucraniana afirmou que foram registrados ataques em 12 regiões do país, mas informações posteriores indicam que o número pode ser maior. Bombardeios foram confirmados em cidades como Lviv, no Oeste ucraniano, e Dniéper, no centro, além de áreas mais perto das frentes de guerra e bombardeadas com maior frequência — entre elas Zaporíjia e Mikolaiv, ambas no Sul. Há relatos de explosões no porto de Odessa, no Mar Negro, e alarmes dispararam por todo o território ucraniano, exceto a própria Crimeia.

Pouco após a fala de Putin, o Ministério da Defesa russo disse que os ataques “atingiram seu objetivo” e que “todos os alvos foram atingidos” — um dos conselheiros de Zelensky, Oleksiy Arestovych, contudo, afirmou que nenhuma instalação militar foi afetada. O vice-chefe de Gabinete de Zelensky, Kyrylo Tymoshenko, disse estar “inequivocamente claro” que os bombardeios miraram instalações de energia às vésperas do inverno no Hemisfério Norte.

O ministro de Energia ucraniana, Herman Galushchenko, anunciou a suspensão da exportação de eletricidade para que a situação doméstica se estabilize, mas a paralisação não deve agravar mais a crise energética da Europa. O país vende apenas uma pequena parcela dos megawatts consumidos pela Romênia e a Eslováquia para “substituir o gás russo” e ajudar “a estabilidade do sistema de energia europeu”.

Segundo o Estado-Maior ucraniano, Moscou usou ao menos 84 mísseis e 24 drones, parte deles disparados da Bielorrússia, onde o regime é aliado de Moscou, da Crimeia e de barcos russos no Mar Negro, que supostamente cruzaram o espaço aéreo da Moldávia. Ao menos 56 projéteis foram abatidos pelos sistemas de defesa ucranianos, além de nove drones kamikaze Shahed-136 iranianos.

— É uma manhã dura. Estamos lidando com terroristas. Dezenas de mísseis, drones iranianos. Eles têm dois alvos: infraestruturas de energia pelo país (…) e o povo. O timing e os alvos foram escolhidos a dedo para causar o máximo de dano possível — disse Zelensky, em um pronunciamento por vídeo, do lado de fora da sede do governo. — Eles querem pânico e caos, querem destruir nosso sistema de energia. Eles não têm esperança.

Mais tarde, em imagens postadas em seu Telegram, o presidente ucraniano disse que “todo o mundo viu novamente a face verdadeira de um Estado terrorista que está matando nosso povo”. Tom similar foi usado por seu chanceler, Dmytro Kuleba, que acusou Putin de estar “desesperado por causa de derrotas no campo de batalha e usa o terror dos mísseis para tentar mudar o curso da guerra a seu favor”.

Amplo ataque

A prefeitura de Kiev pediu a todos os moradores que se protegessem, e na internet circulam imagens de estações de metrô cheias de pessoas em busca de abrigo, como a de Vystavkovyi Tsentr, no centro da cidade. Bombardeios foram registrados em um movimentado cruzamento em plena hora do rush, perto de uma universidade, de residências de embaixadores ocidentais e do quartel-general do Serviço de Segurança da Ucrânia.

Também houve danos em uma ponte para pedestres e uma área infantil no Parque Shevchenko. Há relatos de danos na sede da DTEK, uma importante produtora de energia que pertence a Rinat Akhmetov, um dos homens mais ricos da Ucrânia.

Kiev sofreu bombardeios pesados ​​no início da guerra, quando a estratégia russa era atingir e tomar as grandes cidades ucranianas, algo que se provou fracassado. Desde que Moscou recalculou sua rota e passou a concentrar a ofensiva no Leste e no Sul, contudo, a capital estava em relativa calmaria, com a população vivendo uma rotina não muito diferente da vista em outras capitais da região.

Em Dniéper, cidade no centro da Ucrânia que é vista como relativo porto-seguro para quem foge das frentes dos conflitos, os bombardeios “maciços” deixaram “mortos e feridos”, segundo o chefe militar local, Valentyn Reznichenko. De acordo com moradores, mais de dez explosões foram registradas durante a madrugada.

Em Kharkiv, no Leste, o prefeito disse que ataques às redes elétricas interromperam o abastecimento de energia, e o fornecimento de água também foi cessado. O cenário é similar ao de Ivano-Frankivsk, no Sudoeste do país, onde poucos ataques foram vistos nos oito meses de guerra. No domingo, um ataque com mísseis russos na cidade de Zaporíjia, no Sul, já havia matado ao menos 14 pessoas.

Ataque na Crimeia

O ex-presidente da Rússia Dmitry Medvedev, aliado de Putin que hoje é vice-presidente do Conselho de Segurança russo, disse que os ataques recentes “são o primeiro episódio” e que o objetivo é “desmantelar o regime político ucraniano”. Já o líder checheno Ramzan Kadyrov elogiou os bombardeios à Ucrânia, afirmando estar “100% contente” com a conduta militar apenas uma semana após criticá-la e pedir o uso de armas nucleares táticas.

Desde agosto, a contraofensiva ucraniana vinha impondo reveses significativos a Moscou, embora o Kremlin ainda mantenha o controle de cerca de 15% do território do país vizinho, equivalentes a 120 mil km². Kiev não assumiu diretamente a culpa pelo ataque contra a ponte da Crimeia, apesar de funcionários da alta cúpula de Zelensky, incluindo o próprio presidente, fazerem diversos comentários irônicos nesse sentido.

A Península da Crimeia, sede da Frota do Mar Negro russa, foi cedida à Ucrânia nos anos 1950, no período soviético, e anexada à Rússia por Putin em 2014, depois da queda de um governo pró-Moscou em Kiev. Putin inaugurou pessoalmente a Ponte do Estreito de Kerch em 2018, quatro anos depois. A ponte é essencial para o transporte de pessoas e mercadorias, e agora também para abastecer as tropas russas que lutam no Sul da Ucrânia.

No domingo, em um vídeo divulgado pelo Kremlin, Putin culpou o serviço secreto ucraniano pelo ataque, descrevendo-o como um “ataque terrorista com o fim de destruir infraestruturas civis russas”.

Em paralelo, a Bielorússia anunciou nesta segunda que montará um agrupamento de tropas junto com Moscou, disse o presidente Alexander Lukashenko, no poder ininterruptamente desde 1994. Ele não especificou o tamanho ou a finalidade da iniciativa, mas afirmou que o Ocidente almeja “atrair” Minsk para uma guerra e que a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar comandada por Washington, cogita “uma possível agressão contra o nosso país”.