Crime

Quadrilha de blogueira postava fotos dos golpes em grupo no WhatsApp

Em um dos diálogos anexados ao processo, Gabriel Paiva Silva Barros envia a foto de uma carteira em que é possível ver pelo menos 20 cartões armazenados

Resposta de Juninho, líder da quadrilha, após foto enviada por Gabriel Paiva Silva Barros (Foto: Reprodução)

O grupo “Família Errejota”, que reunia integrantes da quadrilha comandada por Alexandre Navarro Júnior, o Juninho, de 28 anos, não servia apenas para que fossem esquematizados detalhes de cada golpe. Ao analisar as conversas mantidas pelo WhatsApp, os investigadores da Polícia Civil de Santa Catarina, principal área de atuação do bando, que organizava os golpes a partir de um apartamento em Copacabana, encontraram momentos em que os comparsas chegam a debochar da possibilidade de ir para a cadeia. Alexandre é noivo da blogueira carioca Rayane da Silva Figliuzzi, de 24 anos, que acumula cerca de 88 mil seguidores nas redes sociais e, atualmente, cumpre prisão domiciliar no interior do Rio.

Em um dos diálogos anexados ao processo movido contra a quadrilha, Gabriel Paiva Silva Barros, um dos responsáveis por coletar os cartões de crédito das vítimas enganadas pela quadrilha, a maioria idosas, envia a foto de uma carteira em que é possível ver pelo menos 20 cartões armazenados. Juninho, então, ironiza: “Boa foto para guardar de recordação na cadeia, condenado por três anos”. Uma das jovens que atuava como “telefonista”, fazendo o primeiro contato com os enganados pelo esquema, reclama: “Que horror”. A pena para condenados por estelionato que sejam réus primários varia de 1 a 5 anos de prisão.

Do apartamento em Copacabana, que funcionava como base operacional do bando, cinco ou seis telefonistas entravam em contato com dezenas de vítimas diariamente. Na ligação, simulavam ser funcionárias de instituições bancárias e comunicavam compras suspeitas feitas com cartão de crédito. Em seguida, as mulheres pediam que a pessoa do outro da linha contatasse o número do banco no verso do cartão e repassasse diversos dados, entre eles a senha. Contudo, o primeiro telefonema não era de fato encerrado, e outro membro do bando fingia atender a vítima, aumentando a veracidade do golpe.

O passo seguinte era convencer o alvo a quebrar o cartão de crédito — sempre bem ao centro, para não danificar o chip. A quadrilha informava, então, que um funcionário iria ao encontro do cliente para recolher o cartão descartado e assinar alguns documentos, que atestariam não ser ele o autor das compras citadas anteriormente. Esse integrante da quadrilha, papel exercido por Gabriel, se apresentava sempre bem vestido, com ternos e crachás falsos dos bancos, em uma estratégia que, mais uma vez, também ajudava a convencer as vítimas.

As conversas no WhatsApp também ajudam a delinear o modus operandi da quadrilha. Em outro dos diálogos, membros do bando falam sobre o perfil das vítimas em cada região. O assunto começa com uma mensagem enviada por uma mulher: “O que estão achando das listas, das penas, de retorno, de tudo? O Juninho está cogitando mudar de cidade se Curitiba continuar não rendendo. Porque a lista de pobre foi ruim, e a de rico também está”, diz ela. “Péssimo, horrível”, responde um comparsa. Na sequência, outra integrante completa: “As ricas de Curitiba são piores do que as ricas do RJ. Eu consegui falar com três até agora. Duas foram pra gerente e eu nem cheguei a falar metade do script. O terceiro ainda ouviu tudinho e disse que iria ligar, mas não ligou, e a linha não segura mais de dez segundos”.

Em mais uma conversa reveladora, os criminosos chegam a xingar gerentes de banco que conseguem evitar que os clientes caiam no esquema. “Desliguei, estava tramando com o gerente. Ele mandou um áudio pra ele falando que era golpe e que já fazia uns dias que estávamos atacando a região”, relata uma das telefonistas. “Hoje o ‘fdp’ do meu estava fazendo a mesma coisa”, retruca outra. “Dá um ódio”, arremata a primeira.

Rayane tem mais de 87 mil seguidores nas redes sociais e foi presa (Foto: Reprodução das redes sociais)

Rayane, Juninho, Gabriel e outros membros da quadrilha tiveram a prisão preventiva decretada em novembro do ano passado. No dia 19 de janeiro, porém, a Justiça catarinense concedeu à blogueira carioca o direito à prisão domiciliar, em virtude do filho recém-nascido que ela teve com Alexandre. O mesmo benefício foi estendido, por motivos semelhantes, a outras quatro denunciadas: Maiara Alves Teixeira, Isabela de Oliveira Dolores, Joyce Kelen Farias da Silva e Yasmin Navarro, irmã de Juninho e também blogueira.

Todos os 15 denunciados pela promotora Havah Emília Piccinini de Araújo Mainhardt se tornaram réus na Justiça catarinense. Mais da metade deles, oito mulheres, todas jovens, são apontadas como as telefonistas: as já citadas Maiara, Isabela e Joyce, além de Thais Canton Pires, Danyella Celeste Ribeiro Neto, Marina Gonçalves, Mariana Missias Fernandes Marques e Josiane Santos Oliveira. Havia ainda dois responsáveis por coletar os cartões das vítimas: Gabriel e Henrique de Lima Varrichio. Os investigadores citam, por fim, quatro proprietários das máquinas de cartão usadas nos golpes: Rayane, Yasmin, Brenda Miyuki Prieto Yazawa e Marcelo Varrichio Júnior, irmão de Henrique.

Além das cinco mulheres em prisão domiciliar, o único réu já localizado pela foi polícia foi justamente Henrique, encontrado com cartões de vítimas e maquininhas em um imóvel na Avenida Trompowsky, uma das regiões mais nobres e valorizadas de Florianópolis. Foi a partir dele, também integrante do grupo “Família Errejota”, que a polícia conseguiu chegar aos outros acusados, que, assim como Juninho, o chefe da quadrilha, permanecem foragidos.

— Esse grupo foi denunciado não só pelo crime de estelionato, mas também pelo de organização criminosa. Há provas robustas nos autos de que eles atuaram não só em Santa Catarina, mas também, pelo menos, no Rio de Janeiro — explica o delegado Attilio Guaspari Filho, responsável pelo inquérito: — É muito importante para a polícia e para a sociedade que a população denuncie o paradeiro dessas pessoas, de modo que elas parem de aplicar golpes, caso ainda o estejam fazendo, até para manter o estilo de vida e pagar os honorários advocatícios.

“Aos pouquinhos, tô voltando”

Antes de frequentar o noticiário policial, Rayane da Silva Figliuzzi era habituada a aparecer nas páginas de fofoca. A jovem, que fez trabalhos como modelo, já foi apontada como affair do rapper norte-americano Tyga, durante uma visita do artista ao Rio, e também do cantor Saulo Pôncio. Seis dias depois de obter a prisão domiciliar, em 25 de janeiro, a modelo postou uma foto sorridente no Instagram: “Bom dia, está tudo bem com vocês? Aos pouquinhos tô voltando”, escreveu.

Até janeiro, a última postagem no feed da blogueira no Instagram fora feita em 15 de junho do ano passado, ainda antes de o caso vir à tona, há mais de sete meses. Era um registro luxuoso em Fernando de Noronha, em mais um indício da vida de riquezas levada, segundos os investigadores, por Rayane, Alexandre e outros integrantes da quadrilha, tudo às custas das vítimas do esquema.

Já Yasmin Navarro, a irmã de Juninho, que também fazia sucesso na internet, é acusada de fazer parte de um outro bando que praticava o mesmo golpe no Rio de Janeiro. Em operação semelhante, também com foco em vítimas idosas, ela e outras comparsas, todas protagonistas de uma vida de ostentação nas redes sociais, usavam um apartamento no Recreio, na Zona Oeste da cidade, como central de operações.