Nove pessoas que já atuaram como funcionários do atual presidente Jair Bolsonaro em seus mandatos como deputado federal estão entre os alvos de quebra de sigilo bancário e fiscal na investigação do Ministério Público do Rio (MPRJ) envolvendo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Há também cinco assessores atuais de Flávio que são alvos do pedido de afastamento de sigilo autorizado, no último dia 24, pelo juiz Flávio Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio.
A investigação foi aberta para apurar indícios da prática de “rachadinha” – isto é, a devolução de parte do salário pago a assessores – no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) identificou movimentações atípicas nas contas de Flávio Bolsonaro e de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, em relatório que veio a público no fim de 2018. Ao solicitar as quebras de sigilos bancário e fiscal de 95 alvos, o MP apontou indícios da existência de uma “organização criminosa” desde 2007 no gabinete de Flávio.
Os ex-funcionários de Jair Bolsonaro que tiveram quebra de sigilo autorizada pela Justiça do Rio são Andrea Siqueira Valle, Daniel Medeiros da Silva, Fernando Nascimento Pessoa, Jaci dos Santos, Juliana Siqueira Vargas, Marselle Lopes Marques, Michelle Almeida dos Santos, Nathália de Melo Queiroz e Nelson Alves Rabello.
Andrea e Juliana são, respectivamente, irmã e prima de Ana Cristina Valle , ex-mulher de Jair Bolsonaro e mãe de seu quarto filho, Jair Renan. Ana Cristina foi a ponte, segundo reportagem da ÉPOCA , para que outros parentes fossem nomeados nos gabinetes do clã Bolsonaro.
Andrea e Juliana foram lotadas no gabinete de Jair Bolsonaro antes do período delimitado pelo MP na quebra de sigilo, entre 2007 e 2018. Este também é o caso de Marselle Lopes e Michelle dos Santos . O GLOBO não conseguiu contato com elas, tampouco com Daniel Medeiros e Jaci dos Santos . Daniel ficou lotado no gabinete de Jair Bolsonaro por três anos, até outubro de 2017. Jaci aparece como secretário parlamentar do então deputado federal entre 2011 e 2012.
Nathália Queiroz , filha de Fabrício Queiroz, foi lotada no gabinete de Flávio na Alerj entre 2011 e 2016, e depois foi nomeada secretária parlamentar do então deputado federal Jair Bolsonaro até ser exonerada em outubro de 2018. Um relatório do Coaf apontou que Nathália repassou para o pai, no último ano, o equivalente a 80% dos vencimentos que ganhava como assessora na Câmara. O advogado Paulo Klein, responsável pela defesa da família Queiroz, informou que entrará com habeas corpus para suspender a investigação , que considera ilegal, e a quebra de sigilo, que avalia não ter fundamentação.
Atuação para os filhos
Outros ex-funcionários de Jair Bolsonaro também tiveram passagem no gabinete de seus filhos. Nelson Alves Rabello , que é militar da reserva, foi assessor de Flávio por um breve período em 2011 antes de retornar à folha de pagamento do gabinete de Jair em Brasília, onde havia ingressado em 2005. Atualmente, ele está nomeado como assessor de Carlos Bolsonaro (PSC) na Câmara dos Vereadores do Rio. Procurado pelo GLOBO no gabinete de Carlos, Nelson não foi encontrado na manhã desta quinta-feira.
Fernando Nascimento Pessoa , que foi lotado no gabinete de Jair Bolsonaro entre 2009 e 2014, é funcionário de Flávio Bolsonaro desde então e atualmente está nomeado como seu assessor no Senado Federal.
Além de Fernando, a lista da quebra de sigilo envolve outros dois funcionários de Flávio Bolsonaro que batem ponto em Brasília: Lygia Regina de Oliveira Martan e o chefe de gabinete Miguel Ângelo Braga Grillo . Todos os três são advogados que já atuaram para a família Bolsonaro em ações judicias, desde contestações de multas de trânsito até a denúncia por pesca ilegal feita contra o atual presidente.
Segundo o portal de transparência do Senado, os vencimentos brutos de Fernando, Miguel e Lygia estão na casa de R$ 22,9 mil mensais. O GLOBO fez contato com o gabinete de Flávio no Senado na quarta-feira, mas não obteve retorno dos funcionários.
Outros dois atuais funcionários de Flávio Bolsonaro que tiveram sigilo quebrado trabalham para o senador em seu escritório de apoio no Rio. Eles também já atuaram com Flávio na Alerj.
Juraci Passos dos Reis , suboficial da Marinha, chegou a chefiar o gabinete da liderança do PSL na Assembleia. Alessandra Esteves Marins atuou como assessora adjunta administrativa da Alerj antes de ingressar no gabinete de Flávio Bolsonaro na Casa, em 2011. Juraci e Alessandra estão nomeados na categoria auxiliar parlamentar pleno AP07, com vencimentos brutos de R$ 8,9 mil cada. Eles não foram localizados pela reportagem do GLOBO para comentar a quebra de sigilo.
Em nota divulgada na segunda-feira, quando O GLOBO revelou as quebras de sigilo bancário e fiscal, Flávio Bolsonaro informou que nada fez de errado e que “a verdade prevalecerá”. O senador alegou ainda que o MP já tivera acesso a informações sigilosas de sua conta bancária antes da autorização dada pela Justiça do Rio no fim de abril, alegação que também será usada no pedido de habeas corpus da defesa de Queiroz.
Também na segunda-feira, o MP rebateu, através de comunicado, as acusações feitas por Flávio Bolsonaro de que a investigação seria ilegal. De acordo com o MP, o senador “tem direcionado esforços para invocar o foro privilegiado” perante o STF e “não adota postura similar à de outros parlamentares, prestando esclarecimentos formais” às autoridades.