PROCESSOS

Quilombolas: mais de 1.800 terras aguardam reconhecimento; apenas 147 são demarcadas

Processos de regularização no Incra demoram mais de uma década para serem finalizados. 'Lutamos para manter o que nos pertence', diz moradora

Quilombolas: mais de 1.800 terras aguardam reconhecimento; apenas 147 são demarcadas (Foto: Divulgação)

Das 3.583 comunidades quilombolas autodeclaradas no Brasil, apenas 147 são tituladas, ou seja, demarcadas. Além disso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem, em curso, 1.802 processos de regularização fundiária abertos por quilombolas que aguardam a demarcação. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, no primeiro levantamento censitário do país sobre o grupo étnico-racial.

Conforme o levantamento, há 1.327.802 pessoas autodeclaradas quilombolas no país, mas apenas 62.859 (ou 4,3 do total) residem em terras demarcadas. O reconhecimento das comunidades pelo Incra, etapa necessária para a demarcação, também é baixo: somente 494 quilombos são oficialmente delimitados no Brasil, com 167.202 residentes (12,6% do total).

Entre as terras reconhecidas está Mesquita, região de 1.146 moradores na Cidade Ocidental, Goiás. A pequena comunidade próxima a Brasília foi reconhecida pelo Incra como quilombola em 2011, quando o processo de regularização foi aberto. O processo já dura 12 anos e os moradores ainda esperam pela demarcação, segundo a representante Sandra Pereira Braga, sob a pressão de fazendeiros e da especualção imobiliária.

— A gente já tem o reconhecimento e agora falta a tão sonhada titulação. Infelizmente, há pessoas que não querem entender nossos direitos e fazem construções na nossa terra. Existe uma pressão imobiliária muito grande para nos deslegitimar, para dizer que não temos direito ao território. Estamos lutando para manter o que nos pertence — disse Sandra, quilombola de Mesquita.

A invasão no território e construções indevidas também é uma realidade no quilombo Carrapatos da Tabatinga, em Bom Despacho (MG). O território foi certificado pela Fundação Cultural Palmares (FCP) como quilombo em 2005, mas não foi delimitada no Incra, então foi contabilizada pelo IBGE no Censo de 2022.

— Há pouco tempo, começaram a construir um templo evangélico dentro da nossa comunidade e tivemos que entrar com um processo para a retirada. Felizmente, temos uma boa articulação e nos movimentamos politicamente, então foi uma ação rápida — relatou Graça Epifanio, 51, quilombola de Tabatinga. — Não é questão de preconceito religioso, mas um templo evangélico não condiz com toda a nossa história.

Segundo o novo censo do IBGE, o número de quilombolas representa 0,67% da população brasileira. A pesquisa também revela que, a cada 153 domicílios no Brasil, um tem pelo menos uma pessoa quilombola residente.

Os quilombolas são maioria (mais de 50%0 em cinco municípios brasileiros. São eles: Alcântara (MA), 84,57%; Berilo (MG), 58,37%; Cavalcante (GO), 57,08%; Serrano do Maranhão (MA), 55,74%; e Bonito (BA), 50,28%.

Para essa parcela da população, o levantamento inédito é importante para a criação de novas políticas públicas.

— Saber que nós existimos estatisticamente, que Mesquita e todos as outras comunidades estão no Censo é uma honra muito grande. Estou muito emocionada e realizada com essa conquista — comentou Sandra.

O que são quilombos

Originalmente, os quilombos eram comunidades autônomas formadas por escravos fugitivos que buscavam a liberdade e a resistência contra a escravização no Brasil colonial. Essas comunidades surgiram, em sua maioria, em regiões remotas, como matas e montanhas — regiões onde os escravos se escondiam para estabelecer uma vida independente.

O isolamento foi parte da estratégia que garantiu a sobrevivência naquela época, mas também tornou difícil reunir informações precisas sobre as comunidades de hoje. Por isso é que, até hoje, eram desconhecidos dados básicos sobre essa população, como o total de integrantes, natalidade e mortalidade.

O direito dos quilombolas à propriedade de suas terras está garantido na Constituição de 88. Pela lei, essas áreas são consideradas “Território Cultural Afro-Brasileiro” e devem receber o apoio do Poder Público para a preservação.