Rearmamento leva mundo ‘à beira do precipício’, diz papa no Bahrein
Francisco afirma que corrida armamentista está redesenhando esferas de influência da era da Guerra Fria
O papa Francisco pediu nesta sexta-feira (4) a autoridades religiosas do Bahrein que ajudem a trazer o mundo de volta da ‘beira do precipício” e se oponham a uma nova corrida armamentista que, segundo o pontífice, está redesenhando as esferas de influência formadas no período da Guerra Fria.
A um conselho muçulmano, em Sakhir, ele discorreu sobre a responsabilidade de líderes religiosos na promoção da paz, do desarmamento e da justiça social e alertou para a instabilidade no mundo.
“Após duas terríveis guerras mundiais, uma Guerra Fria que durante décadas manteve o mundo suspenso, conflitos catastróficos em todas as partes do mundo e em meio a acusações e ameaças, continuamos à beira de um delicado precipício. E não queremos cair”, disse Francisco no pátio do palácio real.
O pontífice chegou ao país na quinta (3) e deve ir embora no domingo (6). Nesta sexta, ele encerrou um fórum de diálogo entre Ocidente e Oriente capitaneado pelo rei Hamad bin Isa Al Khalif —ao contrário da vizinha Arábia Saudita, cristãos podem praticar a fé publicamente e frequentar igrejas no Bahrein.
Sem citar nomes, mas em referência velada à Guerra da Ucrânia, o papa condenou o cenário em que “algumas potências estão envolvidas, num esforço obstinado por interesses partidários, revivendo uma retórica obsoleta, redesenhando esferas de influência e opondo blocos”.
Francisco defende o banimento total de armas nucleares e condena o mercado global de armamentos. Nesta sexta, disse ainda que líderes religiosos não podem apoiar guerras, uma alfinetada no chefe da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo —apoiador de Putin e da invasão da Ucrânia e já criticado pelo papa antes.
Outra vez sem dar nome aos bois, o pontífice repreendeu o financiamento do terrorismo e, dirigindo-se ao conselho muçulmano, elogiou os líderes que “veem no extremismo um perigo que corrói a religião genuína” e pediu mais diálogo entre o islã e outras doutrinas. “Precisamos oferecer um futuro de fraternidade à frente de um passado de antagonismo, superando preconceitos históricos e mal-entendidos em nome d’Aquele que é a fonte da paz”, disse o líder católico. Na sequência, para ilustrar a fraternidade desejada, um garoto recitou um verso do Corão e uma garota leu uma passagem da Bíblia.
Mais tarde, Francisco conduziu uma oração na igreja Nossa Senhora da Arábia, a segunda maior da Península Arábica e uma das duas que servem à comunidade barenita de 160 mil cristãos. A catedral foi construída em um terreno doado pelo rei, e um dos filhos do monarca recebeu o pontífice na igreja.
Essa é a segunda viagem de um papa à Península Arábica —a primeira, também feita por Francisco, foi em 2019, aos Emirados Árabes— e faz parte de uma política de estreitamento de laços com o mundo islâmico. Cerca de dez estados predominantemente muçulmanos já receberam o atual papa.
A visita do pontífice chamou a atenção para os conflitos entre o regime do Bahrein e a comunidade xiita do país, responsável por liderar protestos pró-democracia durante a Primavera Árabe, em 2011. À época, as manifestações foram reprimidas com a ajuda da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes.
Desde então, a monarquia prendeu milhares de manifestantes e jornalistas. Nos últimos anos, o país retomou a pena de morte; desde 2017, segundo a ONG Human Rights Watch, seis prisioneiros foram condenados à pena capital e outros 26 esperam a confirmação do rei para o cumprimento da sentença.
Apesar de os católicos representarem uma singela minoria —cerca de 70% da população do Bahrein é muçulmana—, o país abrigou a primeira igreja católica construída na área do Golfo nos tempos modernos.
No sábado, o papa deve rezar uma missa para cerca de 30 mil pessoas no Estádio Nacional do Bahrein.