Recenseador do IBGE é vítima de injúria racial em Belo Horizonte: ‘Só queria trabalhar’
Mulher, que recusou a dar entrevista ao profissional, compartilhou a foto dele em um grupo de WhatsApp para "alertar" outros moradores do mesmo prédio que Augusto teria "pinta de assaltante"
O colete, crachá e boné do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não foram suficientes para que Augusto César Carvalho pudesse realizar, sem dificuldades, a pesquisa do Censo 2022 em um prédio localizado no bairro Sagrada Família, na Região Leste de Belo Horizonte. A situação se agravou depois que uma moradora do condomínio compartilhou uma foto dele no grupo de WhatsApp do edifício “alertando” os vizinhos sobre a “pinta de assaltante” que, segundo ela, ele teria.
O profissional tem enfrentado, desde a primeira visita ao edifício, no dia 4 de agosto, barreiras para conseguir exercer a função de recenseador.
O caso ganhou repercussão depois que um residente do mesmo local compartilhou a foto do crachá do recenseador em um outro grupo do aplicativo de mensagens repreendendo a atitude da mulher. “Esse rapaz esteve no meu prédio ontem à noite, e uma moradora postou que ele tinha pinta de assaltante, uma vergonha esse preconceito racial”, escreveu o homem.
“No meu primeiro dia eu já tive algumas dificuldades, porque dos 20 apartamentos do condomínio, apenas alguns me atenderam. No dia seguinte, uma mulher já havia compartilhado uma foto do meu crachá no grupo de moradores do prédio afirmando que eu tinha “pinta de assaltante”. No período de uma semana, eu fui lá 9 vezes e, desse total, 3 apartamentos ainda se recusam a me receber. Fui em horários e dias diferentes, mas sempre aparecem com desculpas. Eles marcam horário comigo, aí quando eu apareço dizem que estão estudando, falam que vão viajar por 15 dias ou inventam qualquer outra coisa”, conta Augusto.
O recenseador diz que sempre se apresenta uniformizado durante as visitas e quando interfona para os apartamentos se identifica como funcionário do IBGE. Além disso, ele também reside no bairro de Sagrada Família há 30 anos e possui até conhecidos que moram nesse mesmo condomínio em que foi vítima de injúria racial.
“Eu sempre me apresento, falo meu nome e explico para o que eu vim, informo que o questionário tem poucas perguntas e não vai demorar muito. Os moradores também podem olhar minha identificação, acessar meu QR Code para ver meu número de matrícula e descobrir quem eu sou. Fora isso, eu moro há 30 anos, desde que eu nasci, no mesmo bairro, aqui em Sagrada Família, e alguns conhecidos meus moram nesse prédio em que eu fui vítima. Como podem falar que não me conhecem?”, questiona o recenseador.
Diante da situação, o profissional pretende prestar queixa na delegacia para relatar o ocorrido. Estudante de Engenharia de Produção na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Augusto conquistou a aprovação no vestibular e no concurso público após se recuperar de um traumatismo craniano.
“Eu fiquei muito triste com a maneira que me julgaram, porque eu só queria trabalhar. Irei prestar queixa na delegacia para tentar descobrir o responsável por isso e fazer com que as pessoas aprendam a ter mais respeito umas pelas outras. Eu sofri um traumatismo craniano em 2011, fiquei 2 meses em coma. Com isso, eu tive que reaprender a falar e a andar. Em 2014, eu voltei ao Ensino Fundamental e em 2018 eu consegui entrar na UFMG. Estou estudando e correndo atrás do meu aprendizado”, conta o rapaz.
Em nota, o IBGE afirmou total repúdio ao episódio e pleno apoio e solidariedade ao recenseador. Segundo o instituto, a unidade estadual, em Minas Gerais, comunicará o fato à Advocacia-Geral da União para adoção das medidas legais.
Vale ressaltar que a Lei nº 5.534 de 14 de novembro de 1968 determina que “toda pessoa natural ou jurídica de direito público ou de direito privado que esteja sob a jurisdição da lei brasileira é obrigada a prestar as informações solicitadas pela Fundação IBGE para a execução do Plano Nacional de Estatística”.