Redação do Enem: professores confirmam importância do tema e comentam opções de abordagem
Tema proposto foi: "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil"
O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aconteceu neste domingo (13), em todo Brasil. Ao todo, 138.979 estudantes estão inscritos em Goiás, considerando as duas versões do exame, impressa e digital. Entre outras questões, os estudantes tiveram que escrever uma redação sobre: “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”.
Tendo em vista que apenas 20 estudantes obtiveram nota máxima no exame de 2021 – uma em Goiás -, a reportagem buscou comentários de professores sobre a importância da temática e possibilidades que candidatos poderiam ter explorado para abordar a questão. Acompanhe:
A professora de redação e coordenadora de redação Cristina Alves considerou o tema “extremamente importante, atual e necessário”. “Quando vi a frase temática fiquei muito feliz, porque havia trabalhado com meus alunos um tema sobre as línguas indígenas e o desconhecimento dos brasileiros em relação à própria cultura do país, mostrando as raízes dessa forma de preconceito linguístico e social”, afirmou.
Como as redações do Enem exigem a elaboração de uma proposta de intervenção, os candidatos não poderiam simplesmente mostrar o quão importante é a valorização das comunidades e dos povos tradicionais. A professora de língua portuguesa, Camilla Angélica Dantas, explica que o tema exigia que os estudantes enfatizassem quais os obstáculos para a valorização destes povos e a diversidade existente entre eles.
“Quando a gente bate o olho no tema, a primeira questão que a gente percebe que o candidato precisa é levar em consideração que são diversas comunidades e povos tradicionais. Isso é esclarecido pelos textos motivadores, que existem principalmente os povos indígenas, mas que existem outros muito importantes. E outra coisa são os desafios. A frase tema é muito bastante enfática ao pedir que o candidato fale sobre os desafios que essas comunidades sofrem no contexto brasileiro”, disse
Termo ‘índio’ zera redação?
A professora Cristina também comenta sobre uma preocupação de alguns alunos com relação ao termo ‘índio’, que não é mais utilizado para se referir aos povos indígenas. Ela afirma que ele não é capaz de zerar a redação.
“Embora seja algo inadequado e ultrapassado, utilizar a palavra “índio” não configura uma forma de desrespeito aos direitos humanos, portanto não confere nota zero na competência 5, muito menos anula a redação”, tranquiliza.
Visibilidade negligenciada pelo Estado
Todos os anos o Enem disponibiliza os ‘textos motivadores’, que ajudam os participantes a entenderem melhor o tema que devem escrever. Nesses textos, existem dados e argumentos que podem ajudar os estudantes a elaborarem suas proposta de intervenção.
“Os textos motivadores da prova esclareceram muito bem a diversidade das comunidades e dos povos tradicionais […] Se o aluno não soubesse a abrangência dos termos usados na frase temática, aprenderia com os textos motivadores, que podem ser usados na redação, desde que em forma de citação pertinente, não uma mera cópia”, explicou a professora Cristina.
O primeiro texto motivador mostrava um dado do Portal G1, de que apenas 26 povos tradicionais são reconhecidos oficialmente. Com isso, segundo a professora, candidatos poderiam aproveitar para defender a ideia de que o Estado negligencia a visibilidade desses povos, prejudicando a demarcação de terras, por exemplo, ou dificultando a autodeterminação deles, o que contribui para uma crise identitária.
Distribuição dos povos indígenas no Brasil
O texto 2, por sua vez, oferecia números oficiais relevantes das famílias de comunidades tradicionais e sua distribuição nos estados brasileiros. Para Cristina, a informação poderia ser pertinente a uma análise da localização geográfica das regiões a serem mais enfatizadas nas ações governamentais, por exemplo.
“Inclusive, lembrei-me de uma série do canal do YouTube da chef Paola Carosella, chamada de “Nosso Brasil”, em que ela mostra visitas a comunidades tradicionais, como mulheres do Quilombo do Dendê, no Recôncavo Baiano”, comenta Cristina.
Extermínio dos povos originários
Já o texto 3, mostrava uma política pública federal criada em 2017. Essa informação poderia ser usada, segundo a professora, para contrastar com a realidade de extermínio dos povos originários, evidente na atual gestão do governo federal. Isso porque, o Governo Bolsonaro realizou corte de verbas para a Funai, não atuou diante dos conflitos entre indígenas e garimpeiros ou mineradores ilegais e nem mesmo ofereceu proteção aos ativistas.
“Com repertórios socioculturais extras, era possível citar a luta dos indígenas representada pela voz de Sônia Guajajara, deputada federal (SP) eleita agora em 2022. Ela e Marina Silva, outra deputada federal eleita e ex-ministra do meio ambiente no governo Lula, participaram da COP27, denunciando essa violação dos direitos de indígenas e quilombolas principalmente. Isso fazia intertexto com o texto motivador 4, que falava sobre a COP26”, argumentou Cristina.
Possíveis argumentos
Para além dos textos motivadores, a professora Cristina afirma que haviam muitas outras informações relevantes para serem usadas na argumentação da redação. Exemplo disso, foi a morte do jornalista Dom Philip e do ativista Bruno Pereira como exemplos de falta de proteção aos grupos que defendem os povos originários.
“Era possível, ainda, fazer ilustrações mais analíticas do que factuais sobre essas questões, como a cultura eurocêntrica, visível até os dias atuais, na grade curricular, mas também presente na literatura romântica, em sua fase indianista (com José de Alencar e seu “O guarani”, por exemplo), felizmente refutada na literatura modernista (com “Macunaíma” de Mário de Andrade). “, afirma.
O professor de Língua Portuguesa, Paulinho Kuririn, também comemorou a escolha do tema por considerá-lo pertinente. “Trabalhar os princípios de direitos e garantias é fundamental para todo cidadão e faz com que a prova deixe de ser somente um exame, para ser um processo de reflexão”, analisou.
De acordo com Paulinho, o aluno poderia abordar o que é previsto nas leis, como exemplo o artigo 6º (garantia e direitos sociais). Além de pontuar a necessidade de empatia, de reconhecer valores daqueles que, muitas vezes, são segregados, bem como seus costumes.
“Os estudantes poderiam ter usado o fato que todos são iguais perante a lei, mas que nem sempre isso ocorre, poderiam ter feito vínculos voltados à necessidade de políticas públicas, políticas afirmativas. Poderiam, ainda, fazer menções acerca da necessidade da educação para o amplo entendimento e conhecimento das comunidades tradicionais”, considerou.