Redução do auxílio impacta renda das famílias e vendas no comércio
A massa salarial dos brasileiros — que inclui os rendimentos do trabalho e benefícios sociais…
A massa salarial dos brasileiros — que inclui os rendimentos do trabalho e benefícios sociais e da Previdência — pode encolher 5,3% em 2021 sobre este ano. Será efeito principalmente da retirada do auxílio emergencial e outros benefícios financeiros adotados pelo governo no período de pandemia em 2020. Na ponta, isso deverá se traduzir em queda no consumo, impactando o comércio.
— Com a saída do auxílio emergencial e dos benefícios às empresas na complementação de salários, virá pressão sobre o mercado de trabalho, deverá haver uma queda de 5,3% na massa de rendimento das famílias em 2021. E isso afeta diretamente o consumo, principalmente o dos mais pobres, que sofrem mais com a alta da inflação— diz Luana Miranda, economista do Ibre/FGV.
Em 2020, o rendimento das famílias cresceu 3% em relação a 2019, expansão garantida pelas medidas de socorro financeiro do governo em meio à pandemia. Sem elas, o cenário teria sido de retração de 6,1% na massa de rendimentos. As iniciativas, sublinha Miranda, foram bem-sucedidas, mas poderiam ter sido melhor ajustadas:
— Foi uma situação difícil, com um grande contingente de informais a socorrer. Mas especialistas concordam que o valor do benefício foi alto, enquanto o filtro para conceder o auxílio foi falho, em meio a limitações fiscais. Poderia ter sido mais eficiente e duradouro — avalia a economista.
Ano que vem, além de perder esse impulso, há outros fatores pressionando a renda das famílias. Um deles é o desemprego, que chegou ao patamar recorde de 14,6% no trimestre terminado em setembro, atingindo 14,1 milhões de pessoas, e deve crescer mais. O outro é a inflação que ficou em 0,89% em novembro, acumulando alta de 4,31% em 12 meses. A variação de alimentos e bebidas beira os 16% em 12 meses. Tem efeito direto na renda dos mais pobres.
Quando foi implementado a R$ 600, em abril, o auxílio impulsionou o consumo no país, acelerando a retomada do varejo e da indústria. No quarto trimestre, porém, após a redução do benefício emergencial pela metade em setembro, os dois setores desaceleraram.
Em setembro, as vendas do comércio subiram 0,6% sobre agosto, freando a recuperação registrada após o tombo no início da pandemia. Em outubro, ficou em 0,9%, segundo dados do IBGE. Em maio, o crescimento fora de 12% e, depois, foi decaindo mês a mês.
Para Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), há perda de fôlego, mas com algo de positivo a ser observado:
— Não dá para chamar de tendência de aceleração. Mas é o segundo mês com o auxílio reduzido e as vendas subindo, embora pouco e muito menos que nos meses anteriores.
Ele avalia, contudo, que o impacto negativo no consumo neste último trimestre virá, porque o reforço no rendimento das famílias caiu à metade. Isso se traduz, calcula, em R$ 1,5 bilhão a menos no comércio por mês. O setor movimenta mensalmente um total de R$ 200 bilhões.
— É preciso enxergar o impacto na cadeia. Menor consumo significa retração em setores fortemente empregadores, o comércio e a indústria. Abre um ciclo negativo para a economia, reduz a arrecadação do governo — alerta ele.
Nos supermercados, o aumento do consumo de alimentos dentro de casa pelas famílias dificulta um recorte da participação do auxílio emergencial no desempenho das vendas. Fábio Queiroz, presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio (Asserj), afirma que grande parte do auxílio emergencial é gasta em alimentos.
— O preço dos alimentos subiu, e isso impacta vendas, principalmente na baixa renda, encarecendo itens da cesta básica. Os supermercados trabalharam para frear o aumento ao consumidor. Criaram uma variedade de opções para diferente gostos e bolsos, e isso evita queda nas vendas — diz.
No ano, a previsão é de alta de 5% nas vendas dos supermercados do Rio sobre 2019.
Mudança na construção
Sérgio Leite, diretor da rede Mundial, avalia que, neste fim de ano, os preparativos para Natal e Ano Novo e os recursos do 13º vão cobrir o efeito negativo da redução do auxílio:
— Dezembro é o melhor mês para supermercados. Com o 13º e as compras de fim de ano, a redução do auxílio ficará maquiada. Mas, se a vacina não vier com a agilidade que se espera para que a economia volte a girar, sem a prorrogação dos R$ 300, o início de 2021 será muito difícil no país.
Segundo Leite, o auxílio amplia fluxo e vendas nas lojas logo que é pago.
Outros segmentos impulsionados na pandemia, como material de construção e eletroeletrônicos, também veem mudanças. Bentes explica que são setores em que as compras são cíclicas, e o ponto alto em consumo já ocorreu.
Henrique Gutterres, à frente da Disensa, rede de lojas de material de construção do grupo LafargeHolcim, confirma que o movimento mudou:
— Vimos alta na demanda com o auxílio, que foi uma renda extra para muitas famílias. Desde outubro, a demanda saiu das famílias e passou para o comércio, que está reformando lojas na reabertura e substituindo pontos de venda. Nossas vendas subiram 20% em novembro sobre novembro de 2019 — conta ele, reconhecendo que um novo lockdown frearia esse movimento.
Fernando Balaiuna, diretor de varejo da consultoria GfK, faz coro com Bentes:
— O consumidor vira a chave. Com desemprego subindo e mercado de trabalho sob pressão, ele racionaliza compras. Isso deve fazer de 2021 um ano muito difícil. O varejo terá de financiar o cliente.
Levantamento da GfK mostra que a venda de eletroeletrônicos saltou no período do auxílio a R$ 600, sobretudo no Nordeste. Na região, entre abril e agosto, ante igual período de 2019, houve aumento de 25% nas vendas de televisores e de 49%, nas de notebooks.
Aperto na baixa renda
Marcone Tavares, diretor da rede de lojas Abi’s Calçados, de Maceió (AL), e presidente da Ablac, dos lojistas de calçados, diz que o consumidor já mudou:
— As compras parceladas, que eram em duas ou três vezes, passaram a ser em cinco. O consumidor das classes C, D e E busca o que cabe no bolso.
A retração na renda traz ganho a alguns segmentos. A Le Biscuit, rede baiana de magazines de decoração e utilidades domésticas, avança a reboque da demanda por itens de preço mais acessível.
— Nosso tíquete médio é de R$ 60 e R$ 70. Com renda menor, as pessoas compram onde o dinheiro rende mais. Nossas vendas vêm crescendo dois dígitos ao mês. Lançamos o e-commerce. E as vendas de artigos de marca própria saltaram — conta o diretor da rede, David Wright.
Marco Antônio Castro, sócio-fundador da Caçularede de artigos de papelaria e artesanato, relata a dificuldade de quem está empreendendo:
— No início da pandemia, as vendas de artigos para artesanato e embalagens subiram 30%. Depois, foram caindo. Os empreendedores estão em dificuldade, falta crédito. Vamos fechar 2020 com faturamento 25% menor — diz ele.