Reforço de vacina anti-Covid pode ser indicado para mais vulneráveis, sugere estudo
Pesquisadores analisaram queda no número de anticorpos após imunização, mas ainda faltam evidências
Os níveis de anticorpos contra o coronavírus após a vacinação completa com imunizantes da AstraZeneca e da Pfizer começam a cair três semanas após a segunda dose e a redução se mantém até a décima semana, mas em graus diferentes de acordo com sexo, idade e condições clínicas, indica o Virus Watch, mais abrangente estudo de coorte sobre Covid-19 do Reino Unido.
Conduzido por pesquisadores de dez departamentos da Universidade College London (UCL) e por clínicos dos hospitais Royal Free, o trabalho acompanha no longo prazo mais de 40 mil participantes na Inglaterra e no País de Gales.
Segundo os autores, embora a redução dos anticorpos já tenha sido detectada em outras pesquisas, elucidar lacunas sobre o tempo de proteção da vacina em diferentes grupos da população é importante para discutir a necessidade de doses de reforço contra Covid-19, já cogitada por países europeus.
A preocupação cresceu com a disseminação da variante delta, mais transmissível que o coronavírus original e já dominante na Europa.
No Reino Unido, o Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização recomendou que um programa de reforço seja iniciado a partir de setembro, para evitar novo surto no inverno.
No artigo publicado nesta semana na revista Lancet, os autores da UCL levantam um problema ético —iniciar uma rodada ampla de aplicação de doses de reforço em países ricos enquanto os mais pobres ainda patinam para proteger suas populações.
O estudo da UCL mostra, por exemplo, que a queda no número de anticorpos varia de acordo com as características das pessoas imunizadas, sendo mais preocupante entre os clinicamente vulneráveis —que incluem pacientes transplantados, com doenças respiratórias e em terapia contra o câncer, entre outros.
“Dados sobre disparidades nos níveis de pico de anticorpos e taxas de declínio podem, portanto, informar a implantação de reforço direcionada e equitativa”, escrevem.
É a persistência da proteção oferecida que precisa ser levada em conta para decidir sobre o reforço vacinal, segundo especialistas britânicos, e não os dados de eficácia dos imunizantes, como argumentou na última sexta (23) o secretário da Saúde do estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, ao descartar a aplicação de doses de reforço para qualquer faixa etária.
O estudo sobre os níveis de anticorpos no longo prazo são só parte da resposta, porém, afirmam os pesquisadores do Virus Watch. Falta estabelecer os limiares mínimos de anticorpos para proteger o organismo humano contra a doença e saber se as barreiras oferecidas por outro mecanismo de defesa —as células T— são suficientes para compensar a redução observada no estudo.
“Evidências sugerem que os anticorpos são particularmente importantes para bloquear a infecção e prevenir a transmissão do vírus, enquanto as células T podem ser particularmente relevantes para prevenir doenças graves e morte”, afirma Eleanor Riley, professora de imunologia e doenças infecciosas da Universidade de Edimburgo.
Manter concentrações de anticorpos suficientes para reduzir a transmissão, portanto, é importante para limitar a quantidade de vírus circulante, embora a queda desses níveis possa não ser preocupante em relação à proteção contra doença grave.
De acordo com Riley, que não participa do Virus Watch, outra informação relevante para decidir sobre a necessidade de reforço é a rapidez com que as concentrações de anticorpos podem aumentar novamente se a pessoa for infectada (a chamada resposta de memória).
A professora considera que ainda não há evidências suficientes para bancar cientificamente a terceira dose da vacina, ou seja, para decidir se o custo de fazer o reforço compensa o risco de não fazê-lo.
ENTENDA O ESTUDO
Para estimar quando os níveis de anticorpos começam a cair após a vacinação completa, os pesquisadores fizeram testes sorológicos de 605 adultos, cujas amostras foram recolhidas em junho deste ano.
Dois tipos diferentes de testes sorológicos foram realizados. O primeiro, identificado como S, detecta o total de anticorpos para uma subunidade (S1) da proteína S (de “spike”, ou espícula), usada pelo Sars-Cov-2 para entrar na célula humana.
O segundo, ensaio N, tem como alvo os anticorpos totais para uma proteína (do nucleocapsídeo de comprimento total), que indica se houve infecção anterior pelo coronavírus.
As medições indicaram que voluntários que haviam contraído Covid-19 tinham nível de anticorpos equivalente a sete vezes o dos que não se infectaram.
Cerca de metade (53%) dos participantes era mulher, e cerca de um quinto (19%) do total era clinicamente “extremamente vulnerável” à Covid-19. Outros 31% foram classificados como vulneráveis.
As amostras de soro foram coletadas de 14 a 154 dias após a segunda dose de imunizante —67% delas eram de vacinados com o produto da AstraZeneca, e 33%, com o da Pfizer.
Os pesquisadores examinaram os níveis de anticorpos em cinco intervalos diferentes: de 14 a 20 dias, de 21 a 41, de 42 a 55, de 56 a 29 e a partir de 70 dias após a imunização completa (no caso desses dois fármacos, após a segunda dose).
O estudo mostrou que, 70 dias após a vacinação, imunizados com a AstraZeneca tinham um quinto dos anticorpos apresentados entre 21 e 40 dias. No caso da Pfizer, o nível baixou para a metade. A queda ocorreu em todos os grupos populacionais avaliados.
Eleanor Riley, da Universidade de Edimburgo, diz que a redução maior no caso da AstraZeneca pode ter como causa o fato de que vacinas de vetor viral tendem a induzir resposta de anticorpos mais baixa, mas respostas de células T mais fortes, enquanto as vacinas de mRNA, como a da Pfizer, são projetadas para induzir altas concentrações de anticorpos.
Em ambos os tipos de vacina, as mulheres tinham níveis de anticorpos S mais elevados do que os homens 21-42 dias após a vacinação completa e também apresentavam níveis mais altos a partir de 70 dias após a segunda dose.
Participantes com idade entre 18 e 64 anos também apresentaram níveis mais altos de anticorpos nos dois intervalos, na comparação com os de 65 anos ou mais.
A pesquisa revelou disparidade nos níveis de anticorpos em voluntários com vulnerabilidade clínica, que pode se explicar pelo fato de que esse grupo é bastante heterogêneo.
Mas eles consideram “motivo de preocupação” níveis muito mais baixos de anticorpos 70 dias após a segunda dose, em pessoas clinicamente vulneráveis que tomaram o fármaco da AstraZeneca.
Os autores do Virus Watch ressalvam ainda em seu artigo que a tendência de redução observada foi constante mesmo quando consideradas variáveis que afetam a resposta imune, mas eles pretendem repetir a análise com um número maior de participantes e num período mais longo, de até 12 meses.
O objetivo é reduzir uma eventual confusão residual provocada pela idade e pelo intervalo de dosagem —o número de amostras não foi considerado suficiente para avaliar essas variáveis.
Outra questão levantada por especialistas em saúde britânicos nesta semana é que uma campanha de reforço em setembro atrase ainda mais a vacinação dos mais jovens, de 18 a 25 anos. Até este domingo (25), eram mais de 40% os que não haviam tomado nenhuma dose de imunizante nessa faixa etária.