Censura?

Revista faz reportagem sobre aborto e é denunciada por Damares

O Ministério Público confirmou que recebeu representação de Damares contra a publicação e que a encaminhou para a abertura de inquérito criminal

Uma reportagem da revista AzMina sobre aborto levou a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, a denunciá-la ao Ministério Público e gerou uma onda de ataques nas redes contra as jornalistas.

Em publicação em rede social, a ministra agradece a usuários que a “alertaram sobre esse absurdo” e diz que trata-se de “uma apologia ao crime e que pode colocar tantas meninas e mulheres em risco”. Escreve ainda que deram “encaminhamento à denúncia”.

O ministério de Damares, em nota, afirmou que encaminhou denúncia ao Ministério Público de São Paulo e justifica a decisão afirmando que a reportagem “pode incentivar a prática clandestina” ao incluir “receitas de como praticar um aborto”.

O Ministério Público confirmou que recebeu representação de Damares contra a publicação e que a encaminhou para a abertura de inquérito criminal.

O texto em questão foi publicado na última quarta (18) no site da revista. Intitulado “Como é feito um aborto seguro”, reúne recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre como interromper a gravidez de forma segura e conta como é feito o aborto em lugares onde é permitido.

Explica, contudo, que o aborto no Brasil só é permitido em caso de estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia do feto.

A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez no país começou a ser discutida no STF (Supremo Tribunal Federal) em agosto do ano passado. Ainda não há data para que seja realizado o julgamento da ação do PSOL que questiona a criminalização do procedimento.

Jornalistas da publicação relatam que, com a repercussão da matéria, tiveram fotos, endereços e dados divulgados nas redes por usuários contra o aborto. Foram chamadas, entre outras coisas, de assassinas, criminosas, canalhas e lixo humano.

Além de Damares, outras figuras públicas, como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), também criticaram a reportagem.

“Estamos confiantes de que não cometemos crime e estamos protegidas pela liberdade de imprensa de divulgar informações que já são públicas e de fonte confiável, como é a OMS”, afirma Thais Folego, editora-chefe da revista. “Seguimos fazendo jornalismo responsável e que defende os direitos das mulheres.”

Ela afirma que tiveram que reforçar medidas de segurança para evitar tentativas de invasões ao site da revista e que estão em contato com organizações de proteção a jornalistas e direitos humanos. Sobre a divulgação de dados da equipe, disse que avaliam ações pontuais.

A Abraji ( Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) divulgou uma nota de repúdio aos ataques na última sexta (20), na qual diz que “em um ambiente democrático, todos devem ser livres para cobrir qualquer assunto, da forma como considerarem adequada”.

Diz ainda que críticas a veículos e jornalistas devem ser livres, mas que “a própria democracia passa a ser alvo quando críticas se transformam em ataques, ainda mais se esses são amplificados por ocupantes de cargos públicos e representantes eleitos”.

E pede que o Ministério Público Federal e Ministério Público de São Paulo “não deem seguimento a eventuais representações criminais contra as profissionais e a revista, em cumprimento a seu papel de salvaguardar a liberdade de expressão”.

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) também se pronunciou sobre o episódio. Disse que repudia a atitude de Damares e que “coloca-se ao lado das jornalistas vítimas dos ataques e reafirma a importância da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa para a consolidação da democracia”.

“Às autoridades públicas, exigimos que preservem os direitos constitucionais, garantindo aos jornalistas o direito ao livre exercício da profissão para o cumprimento do dever de informar, sem qualquer impedimento”, acrescentaram.