Kit Covid-19

Saúde barra diretriz que contraindica ‘kit Covid’

O texto havia sido aprovado pela Conitec, apesar de tentativas da ala pró-cloroquina do governo de boicotar a discussão

MPF pede suspensão de parecer que admite receitar kit Covid (Foto: Agência Pará)

O Ministério da Saúde barrou a publicação da diretriz para tratamento de pacientes com Covid-19 elaborada por grupo de especialistas que contraindicava o uso de “kit Covid” no SUS (Sistema Único de Saúde).

O texto havia sido aprovado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), apesar de tentativas da ala pró-cloroquina do governo de boicotar a discussão.

A diretriz, se aprovada, não teria poder de proibir médicos de utilizarem o “kit Covid”, mas representaria uma mancha às bandeiras negacionistas do governo Jair Bolsonaro (PL). Isso porque seria uma orientação da Saúde contrária ao chamado tratamento precoce, ou seja, ao uso de medicamentos sem eficácia.

A decisão foi assinada pelo secretário de Ciência e Tecnologia da pasta, Hélio Angotti, e publicada no Diário Oficial da União nesta sexta-feira (21).

O secretário não aprovou três dos quatro capítulos da proposta das Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com Covid-19. Também rejeitou o texto sobre o tratamento ambulatorial.

Além de rejeitar o tratamento com medicamentos sem eficácia, como a hidroxicloroquina, estes pareceres abordavam métodos de controle da dor e sedação de pacientes em ventilação mecânica, e tratavam da assistência hemodinâmica e medicamentos vasoativos.

Quase dois anos após o começo da pandemia, o ministério publicou apenas uma diretriz, em junho de 2021, sobre uso de oxigênio, intubação orotraqueal e ventilação mecânica de pacientes, elaborada pelo mesmo grupo de especialistas.

Como mostrou a Folha, a ala pró-cloroquina do governo atuava para boicotar a discussão da Conitec. Também articula a troca no comando do órgão.

O governo tem até o dia 24 para apresentar ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma diretriz de tratamento da Covid-19 no SUS. A ação foi apresentada pelo MDB.

Em uma das justificativas, Angotti disse que diante do inegociável valor da vida e da importância de se aproveitar cada oportunidade de beneficiar o paciente acometido por Covid-19 ou qualquer outra doença, o princípio bioético da beneficência, amparado por evidências que demonstram impacto positivo, mesmo que ainda não sejam de nível máximo de qualidade, assume grande importância.

“Se publicações levadas a futuras consultas públicas ou audiências não se adequarem para publicação por razões metodológicas que limitam o escopo das Diretrizes sob análise, serão úteis, com certeza, nas discussões posteriores que se fazem desde já necessárias”, argumentou.

Em entrevista no Ministério da Saúde nesta sexta-feira (21), Angotti disse que a diretriz não conseguiu atingir o nível de rigor que é exigido. Além disso, afirmou que é difícil dar apenas uma recomendação tendo em vista que o cenário da pandemia evolui rápido com o surgimento de novas pesquisas, medicamentos.

“Dar uma afirmação taxativa e talvez impactar a autonomia profissional na ponta pode trazer certo prejuízo da ação do profissional e não servir ao propósito da diretriz terapêutica que é ser instrumento de segurança institucional”, disse.

Associações de médicos, pacientes e técnicos que atuam na avaliação de tecnologias de saúde tentam evitar o aparelhamento da Conitec pela ala do governo que defende o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina.

Os textos que contraindicavam o “kit Covid” foram aprovados em junho e dezembro de 2021 pela Conitec, mas a publicação das diretrizes estava sendo postergada pela Secretaria de Ciência e Tecnologia da pasta, comandada por Angotti.

Há prazo de até dez dias para apresentação de recurso sobre a decisão desta sexta-feira da Saúde. Depois, Angotti terá cinco dias para apresentar nova resposta sobre os pareceres.

Em última instância, e sem prazo de resposta, o ministro Queiroga decide sobre a publicação ou não das diretrizes.

Em dezembro, a votação que rejeitou o “kit Covid” teve placar apertado, de 7 a 6. Uma votação anterior havia terminado empatada.

Ao assumir o Ministério da Saúde, em março de 2020, Queiroga anunciou que promoveria o debate na Conitec para encerrar a discussão sobre o uso do “kit Covid”. Ele indicou o médico e professor da USP Carlos Carvalho, contrário aos fármacos ineficazes, para organizar grupo que iria elaborar os pareceres.

Queiroga, porém, modulou o discurso e tem investido na pauta bolsonarista para se agarrar ao cargo. Ele passou a evitar o tema do “kit Covid”, ainda que admita a colegas que não vê benefícios no uso destes medicamentos.

Angotti é médico, seguidor do escritor Olavo de Carvalho e defensor do “kit Covid”. Ele tenta ainda exonerar a servidora Vania Canuto do comando da Conitec, pois ela votou a favor das diretrizes elaboradas por especialistas.

Como mostrou a Folha, o secretário sugere a nomeação do biólogo Regis Bruni Andriolo.

Andriolo é próximo da secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, e de Angotti. Em maio de 2021, ajudou Pinheiro a se preparar para a CPI da Covid.

Em um vídeo a que a Folha teve acesso, Pinheiro pede a Andriolo que prepare algumas perguntas para que ela possa enviar para os senadores fazerem para ela.

Pinheiro perguntou ao pesquisador se havia estudo que serviria de “bala de prata” para provar à CPI a eficácia da hidroxicloroquina e da ivermectina.

Em resposta, no vídeo, Andriolo respondeu: “Pois é. Cadê o estudo precoce, né? Esse é o problema. Não tem. Então, não tem esse estudo”.

Andriolo, Pinheiro e Angotti participaram da conversa que antecedeu a ida da secretária à CPI. Na mesma ocasião, ela sugeriu que poderia arrumar um cargo para o biólogo na Saúde, mesmo ele não tendo sinalizado se tinha ou não interesse em trabalhar na pasta.