Universidade brasileira relata ter eliminado HIV de paciente soropositivo
Homem de 34 anos que contraiu o vírus apresentou resultado após menos de um ano com um coquetel de vários remédios, diz Unifesp
O primeiro caso de um homem soropositivo que entrou em remissão de longo prazo depois de ser tratado durante menos de um ano com um coquetel intensificado de vários remédios contra Aids aumentou nesta terça-feira a esperança de uma cura futura da doença.
Os resultados foram divulgados na última semana por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na AIDS 2020, uma conferência médica anual, realizada remotamente em função da pandemia da Covid-19.
O brasileiro de 34 anos, que foi diagnosticado com HIV em outubro de 2012, foi tratado a partir de 2016 com uma base de terapia antirretroviral reforçada com outros antirretrovirais e ainda um medicamento chamado nicotinamida, uma forma de vitamina B3.
O tratamento intensificado foi interrompido depois de 48 semanas, relataram pesquisadores nesta terça-feira, e 57 semanas depois, o DNA de HIV em suas células e seu exame de anticorpos de HIV continuavam negativos. Desde então, seu sangue é colhido a cada três semanas. As amostras não trouxeram qualquer indício de infecção.
— Este caso é extremamente interessante, e realmente espero que possa impulsionar pesquisas adicionais para uma cura do HIV — disse Andrea Savarino, médico do Instituto de Saúde da Itália que coliderou o teste, em uma entrevista à instituição de caridade britânica NAM Aidsmap.
Ele alertou, porém, que quatro outros pacientes soropositivos tratados com o mesmo coquetel não viram efeitos positivos contra o vírus causador da Aids:
— Este resultado muito provavelmente não pode ser reproduzido. Este é um primeiro experimento (preliminar), e eu não faria previsões para além disso.
Enquanto cientistas correm para desenvolver vacinas e tratamentos contra a Covid-19, segue em curso a luta para encontrar uma cura para o HIV, que já infectou mais de 75 milhões de pessoas e matou quase 33 milhões ao redor do mundo desde que a epidemia de Aids começou, nos anos 1980.
Pacientes que têm acesso a remédios contra Aids conseguem controlar o vírus e impedir o avanço da doença, e existem várias maneiras de reduzir sua disseminação, mas hoje 38 milhões de pessoas convivem com o HIV.
As esperanças de uma cura da Aids cresceram nos últimos anos graças a outros dois casos de remissão em homens que são descritos por médicos especializados em HIV como “funcionalmente curados” depois de serem tratados com transplantes de medula, procedimento altamente arriscado e complexo.
‘Intrigante’
Comentando o caso mais recente, que foi apresentado em uma conferência sobre a Aids em San Francisco, nos Estados Unidos, Sharon Lewin, uma especialista em HIV do Instituto Doherty da Austrália, disse que ele é “muito interessante”, mas que também provocou muitas dúvidas.
“Como este homem fez parte de um teste clínico maior, será importante entender totalmente o que aconteceu com os outros participantes”, disse ela em um comentário enviado por email.
Steve Deeks, que pesquisa o vírus HIV na Universidade da Califórnia (EUA), também demonstra cautela, mas afirma que a ausência de anticorpos é o componente que mais chama atenção no caso.
— Haverá muito burburinho e muita controvérsia. Se estou cético? É claro. Estou intrigado? Absolutamente — afirmou Deeks.
Para o professor americano, é necessário aguardar por análises de laboratórios independentes até determinar se o paciente brasileiro está, de fato, livre do vírus HIV. E mesmo que isso ocorra, Deeks lembra que não ficará claro que a cura é resultante do tratamento recebido.
Acredita-se que a nicotinamida e o maraviroc, o outro antirretroviral usado no tratamento do brasileiro, atraiam o HIV para fora de seus esconderijos no organismo humano, os chamados reservatórios latentes, permitindo que outras drogas eliminem o vírus. Segundo Ricardo Diaz, membro da equipe responsável pela pesquisa, a nicotinamida também potencializa o sistema imunológico.
Resultado preliminar é positivo, dizem pesquisadores
O chefe do setor de infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Barbosa, avalia como positivo o resultado preliminar do estudo:
— No momento, não dá para dizer que é a cura, mas, sim, uma remissão. No entanto, destaco que é uma pesquisa encorajadora para a ciência brasileira. O estudo envolve o coquetel antiaids intensificado, para conceder um tratamento de choque, visando eliminar o HIV do reservatório genético do ser humano —, diz.
Também membro da SBI, o infectologista Renato Grinbaum, doutor pela Unifesp, explica que os resultados divulgados pela pesquisa podem ser considerados uma “cura funcional”:
— Cura funcional é quando não há indício do vírus, mas ele pode estar escondido. No entanto, por ora, a combinação de medicamentos melhora muito os resultados do que já fazemos na medicina. É só o inicio do caminho, mas um belo começo.
Para Veriano Terto, vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), apesar de o resultado ser isolado, ele representa um estímulo:
— Como os investigadores apontam, se trata de um resultado único dentre os avaliados na pesquisa. Por isso, não se caracteriza como cura. Do ponto de vista político-social e científico, é um resultado animador — afirma, complementando: — Os principais desafios para a cura da Aids são estruturais e virológicos, como o ceticismo dos financiadores no tratamento da doença, a falta de compromisso dos governantes para encarar o tema e a complexidade do retrovírus.