Coronavírus

Segunda onda de covid-19 no Sul do país mata mais que a primeira

Em dezembro, até dia 28, foram notificadas 4.615 mortes por covid-19 nos três estados do Sul, maior número do ano

O número de mortes por covid-19 voltou a crescer no Brasil na reta final de 2020. Mas, nos estados da região Sul, a alta de dezembro tem um aspecto diferente: este é o pior momento desde o início da pandemia, com recorde de mortes e menos leitos de UTI disponíveis. Fazem parte do Sul os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em dezembro, até dia 28, foram notificadas 4.615 mortes por covid-19 nos três estados do Sul, de acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa do qual o UOL faz parte. É o maior número do ano. Antes, o pico havia sido registrado em agosto, com pouco mais de 4.000 vítimas. Depois, a doença arrefeceu. Até outubro, as mortes caíram pela metade. Mas, em novembro, voltaram a subir.

Para comparação, o recorde de mortes no Brasil foi registrado em julho, com quase 33 mil vítimas. Depois disso, o número de óbitos foi caindo mês a mês, atingindo 13 mil em novembro. Em dezembro, voltou a subir e já passa de 18 mil. É uma alta de quase 40% em apenas um mês. Ainda assim, é cerca de 40% menor que o pico de julho.

“O Sul teve uma primeira onda de contágio de covid-19 em meados do ano. Conseguiu diminuir o número de casos porque adotou medidas de combate eficientes na época. Mas, se os cuidados diminuem, a doença volta. Agora, a segunda onda de contágio no Sul está pior que a primeira”, afirma Diego Xavier, pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde da Fiocruz, que analisa os dados da pandemia no país.

Xavier diz que é possível chamar a alta de casos no Sul de “segunda onda”, pois ocorreram dois picos claros da covid-19 na região. Já em outros estados do país, especialistas discutem se o momento atual é mesmo uma “segunda onda”, especialmente se não houve uma queda considerável após o primeiro pico. É o caso de São Paulo, que “teve um platô”, diz Xavier. Ou seja, os números da covid se mantiveram em um patamar alto por muito tempo, sem nunca caírem significativamente.

Já Florianópolis, por exemplo, chegou a ficar um mês sem registrar nenhuma nova morte por covid-19, entre maio e junho. Hoje, 83% dos leitos de UTI de Santa Catarina estão ocupados. No oeste do estado, só 6% estão vagos.

Cansaço e frustração

“No auge da primeira onda [da pandemia], nós dobramos o número de leitos de UTI. Aí, a demanda caiu e voltamos ao número original de leitos. Mas, em novembro, tivemos que dobrar de novo”, diz Glauco Westphal, da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e coordenador da UTI de um plano de saúde em Joinville (SC).

“Todos os dias eu vou dormir contando os leitos de UTI e avaliando se vou precisar abrir mais” diz Glauco Westphal, coordenador de UTI em Joinville (SC)

No Paraná, a mesma coisa. “Em junho, nós tínhamos uma ocupação de leitos de UTI em torno de 70%. Agora, em dezembro, chegamos a bater em 100% em algumas semanas”, conta Edvaldo Vieira de Campos, coordenador da UTI do Hospital Universitário Regional de Maringá (PR), que atende o Norte do Paraná.

Maringá foi citada no último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde como a terceira cidade da região Sul com mais mortes por covid no período de uma semana, atrás apenas das capitais Curitiba e Porto Alegre.

“Aqui em Maringá, em dezembro, tivemos hospitais privados que fecharam as portas durante alguns dias. Não tinham mais onde receber pacientes. Quando a gente ia imaginar algo assim em hospital privado?”, questiona Campos.

A alta ocupação de leitos no Sul ocorre em um momento em que as equipes de saúde já estão cansadas, depois de meses enfrentando a pandemia. “Nós imaginávamos que até outubro tudo melhoraria. O momento atual é um misto de frustração e cansaço. Os profissionais estão buscando forças sabe Deus onde para se manterem ativos no seu trabalho”, relata Westphal.

Já do lado de fora do hospital, sociedade e governos relaxam medidas de controle da pandemia. Em Santa Catarina, todas as regiões do estado estão classificadas pela Secretaria de Saúde como em situação de “risco potencial gravíssimo”. Mesmo assim, o governo do Estado chegou a autorizar ocupação de até 100% da rede hoteleira para as festas do fim de ano. A decisão foi revertida pela Justiça.

“A gente entende a necessidade de girar a economia. Mas, no momento em que a gente vê um crescimento dos casos, esse tipo de ação [liberação de 100% da rede hoteleira] nos surpreende. Parece que estamos vivendo em mundos diferentes. O mundo do hospital e da rua. É paradoxal”, diz Westphal.

“As festas e reuniões de fim de ano despertam uma sensação de pavor entre quem está na linha de frente, porque esperamos novo aumento de casos”, diz Edvaldo Vieira de Campos, coordenador da UTI do Hospital Universitário Regional de Maringá (PR).

Padrão Europa

“A situação do Sul do Brasil é exatamente como a da Europa”, diz Xavier, da Fiocruz. Em diversas regiões do continente europeu, a segunda onda também está mais severa do que a primeira. Na Inglaterra, por exemplo, há mais pessoas hospitalizadas neste momento por causa da covid-19 do que no primeiro pico da pandemia.

“Portugal também é um emblema. Fez um ótimo controle da pandemia, era considerado uma referência, mas hoje tem uma situação fora de controle. O Sul do Brasil também foi considerado um bom exemplo. O aprendizado é que, se der alguma brecha para o vírus, ele não perdoa e se esparrama muito rápido outra vez”, diz Xavier.

Além do relaxamento das medidas de contenção do vírus, outra explicação para o recorde de mortes no Sul é que a pandemia foi menos grave na região no primeiro semestre de 2020.

“Na primeira onda, o Sul não teve tantos casos de covid-19 em comparação com outras regiões do Brasil. Por isso, tem mais gente suscetível a pegar a doença dessa vez”, diz Bruno Nunes, pesquisador e professor do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas.

É o oposto de regiões muito afetadas no início da pandemia, como Manaus, onde estudos mostram que mais da metade da população foi infectada. Como os casos de reinfecção por covid-19 ainda são raros, quanto mais gente pegar a doença, mais gente fica imunizada. E vice-versa.

Um fator extra de preocupação no Sul é que a região tem uma maior proporção de idosos e de pessoas com hipertensão e diabetes. Ou seja, mais gente no grupo de risco para covid-19. Soma-se a isso “a falta de rumo do Brasil como um todo no enfrentamento da pandemia”, nas palavras de Nunes, e obtém-se um caldo perigoso para a disseminação do coronavírus no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.