Sem perspectivas, metade dos jovens quer deixar Brasil
O Brasil nunca teve ou terá tantos jovens como agora. Mas o ápice dos cerca de…
O Brasil nunca teve ou terá tantos jovens como agora. Mas o ápice dos cerca de 50 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos revela uma juventude decepcionada em níveis recordes, sem perspectiva de trabalho e insatisfeita com a condução do país.
Se pudesse, quase a metade (47%) dos jovens brasileiros deixaria o país. Isso no auge do chamado bônus demográfico, quando o Brasil teria a chance de acelerar o crescimento contando com uma proporção inédita de pessoas em idade de trabalhar em relação a seus dependentes, como crianças e idosos.
Na prática, se não for alterado, o cenário do mercado de trabalho para essa juventude configurará o desperdício do maior potencial histórico em termos de crescimento e produtividade brasileiros.
Uma série de novas pesquisas quantitativas e qualitativas envolvendo milhares de brasileiros entre 15 e 29 anos revela que nunca foi tão alta a proporção dos que nem trabalham nem estudam (há 27,1% dos chamados “nem-nem”) e que 70% dos jovens têm dificuldade de encontrar trabalho.
Na comparação com a maioria dos países da América Latina, é no Brasil onde os jovens veem menos chances de progredir trabalhando.
Nesse sentido, mais da metade (51,9%) agora enxerga o Brasil como um país pobre.
O salto nessa percepção chega a quase 40 pontos desde 2014, quando o Brasil mergulhou numa recessão que se estendeu até 2016 —seguida de um período de baixo crescimento de 2017 a 2019 e da pandemia, a partir de 2020.
De 2014 a 2019, os jovens já amargavam um retrocesso trabalhista inédito. Enquanto outros grupos tradicionalmente excluídos (analfabetos, negros e moradores do Nordeste e do Norte) tiveram perdas de renda duas vezes maiores do que a média geral, ela foi cinco vezes mais forte para jovens entre 20 e 24 anos; e sete vezes maior para adolescentes que trabalham.
Com a chegada da Covid-19, a desocupação de jovens na faixa de 15 a 29 anos saltou de 49,4% para 56,3%.
Os dados constam do recém-lançado Atlas das Juventudes e de novos estudos da FGV Social. Eles incluem o histórico de pesquisas quantitativas do IBGE (como PnadC e Pnad Covid-19), no Brasil, e números da World Gallup Poll e das Nações Unidas, contemplando vários países, além de levantamentos qualitativos com aproximadamente 2.600 jovens brasileiros.
Do ponto de vista qualitativo, segundo Mariana Resegue, coordenadora do Atlas das Juventudes, se os dados revelam enorme frustração “com um país que não cresce”, eles mostram também que os jovens estão despertando para a realidade atual.
Segundo ela, há mais consciência política e um sentimento de forte exclusão e de preconceitos dirigidos aos jovens periféricos, pobres e negros. Mas há também grande dificuldade de eles encontrarem meios para canalizar frustrações e se engajar politicamente.
É significativo, por exemplo, o fato de muitos jovens eleitores não distinguirem corretamente as esferas de poder e responsabilidades dos diferentes níveis de governo.
Segundo dados do Gallup World Poll, a aprovação dos jovens brasileiros a respeito de como o país é governado despencou de 60,6% até meados da década passada para 12,1% mais recentemente. Na média mundial, a taxa tem se mantido próxima a 57% há quase dez anos.
Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social, as pesquisas mostram que os jovens brasileiros ainda vivem um “paradoxo” —e que, no futuro, a frustração pode ser maior.
“Se, por um lado, os jovens despertaram para a grave situação que atravessa sua geração, por outro, individualmente eles seguem até bastante otimistas, com notas de avaliação acima da média mundial. Isso é bom e é, em particular, uma característica do jovem brasileiro. Mas preocupa muito, pois a frustração futura pode ser também muito alta”, afirma Neri.
Segundo essas pesquisas e outros estudos de especialistas em trabalho e educação, a pandemia só agravou um cenário anterior de perdas seguidas, aprofundando as cicatrizes para atual “geração Covid” —como vêm sendo chamados os jovens afetados no período.
Há consenso de que o principal efeito negativo da pandemia se deu na educação, apartando os jovens do ensino (sobretudo no setor público) por quase um ano e meio.
Trabalhos internacionais consagrados estimam que cada ano a menos de estudo de um jovem pode representar perda de 10% a 15% em sua renda futura.
Segundo cálculos dos pesquisadores Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado, do Insper, as perdas futuras para o conjunto dos brasileiros nos ensinos fundamental e médio atingirão R$ 700 bilhões e poderão chegar a R$ 1,5 trilhão caso as aulas não voltem em 2021, mesmo que parcialmente.
O cálculo leva em conta que, na média, os jovens brasileiros de todas as classes sociais que finalizaram o ensino médio acumulam rendimentos de aproximadamente R$ 430 mil ao longo da vida ativa.
Laura Machado diz que, além do aumento da desigualdade devido às oportunidades diferentes de aprendizado entre ricos e pobres na pandemia, os 3,5 milhões de jovens que saem do ensino médio todo ano estarão, desta vez, menos preparados para o mercado.
“Deveria existir algum tipo de acordo com as empresas para que essas pessoas possam reforçar a educação já trabalhando. Quanto aos mais jovens, que ainda têm anos de estudo à frente, é preciso recuperar o tempo perdido, com muito reforço escolar.”
Apesar do avanço das últimas décadas, o engajamento dos brasileiros na educação é baixo: mais da metade (51,2%) das pessoas com 25 anos ou mais não concluiu uma das etapas que compreendem o ensino infantil, fundamental e médio, segundo o IBGE.
O ministro Paulo Guedes (Economia) disse há algumas semanas que o governo estaria preparando um plano para reforçar, com apoio de verbas públicas, a especialização de jovens recém-ingressados no mercado. Ainda não houve, porém, mais detalhes ou estipulação de prazos.
Para José Marcio Camargo, economista e professor da PUC-Rio, seria fundamental o Brasil adotar programas de especialização, sobretudo diante das mudanças tecnológicas no mercado de trabalho.
Segundo ele, a pandemia aprofundou a tendência de os mais escolarizados e conectados ganharem cada vez mais, proporcionalmente, elevando a desigualdade. “Vamos conviver com isso por muito tempo.”
No caso brasileiro, há o agravante de ser muito baixa a formação de alunos em escolas de ensino médio técnico: 8% do total, ante 40% na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, segundo o relatório Education at a Glance 2019, da própria OCDE.
Para o economista Naercio Menezes, pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, sem políticas estatais para o mercado de trabalho, os jovens menos qualificados estão fadados a encarar um futuro pior e cheio de frustrações.
“Por um lado, não haverá mais tanto trabalho no setor de serviços, já mal remunerado e menos qualificado, pois as pessoas consumirão cada vez mais em casa e circularão menos na rua. Por outro, muitos jovens não têm a educação ou meios tecnológicos para aproveitar essa nova tendência.”
Nesse cenário, de baixa perspectiva futura combinada a crescimento econômico medíocre, Menezes diz entender “perfeitamente” o desejo em nível recorde dos jovens de saírem do Brasil.
Com metodologia e faixas etárias diferentes, o Datafolha apontou, há três anos, que 62% dos jovens de 16 a 24 anos gostariam de deixar o país —ante 43% dos adultos.