CHACOTA

Sem vacinas, Brasil vai encarar mais variantes em 2021, diz goiana na OMS

Segundo a especialista por conta da falta de dados e de coordenação do governo brasileiro no que se refere ao mapeamento, comunicação e uso de informações sobre novas variantes, o Brasil passou a ser alvo de "chacota" nas reuniões internacionais

Mais de 400 mil doses de vacinas contra a Covid-19 não foram aplicadas ou registradas pelos municípios goianos. (Foto: Jucimar de Sousa/Mais Goiás) (Foto: Jucimar de Sousa/Mais Goiás)

Se o governo brasileiro não sair imediatamente atrás de vacinas adicionais para compor o portfólio de vacinas contra covid-19 no Brasil, o país corre o risco de ver apenas uma parcela da população imunizada contra a covid-19 e enfrentará a ameaça de ter de lidar com novas variantes do vírus a partir do segundo semestre do ano.

O alerta é da professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, Cristiana Toscano, única brasileira membro do Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu Grupo de Trabalho de Vacinas para COVID-19.

Cristiana Toscano, que nesta semana esteve diretamente envolvida no aval da OMS para a vacina da AstraZeneca, também indica que, por conta da falta de dados e de coordenação do governo brasileiro no que se refere ao mapeamento, comunicação e uso de informações sobre novas variantes, o Brasil passou a ser alvo de “chacota” nas reuniões internacionais.

Seu alerta vem num momento em que a OMS aponta para o fato de que as mutações do vírus se transformaram na maior ameaça para frear a pandemia. Em seu último informe semanal, a agência internacional indicou como, em Manaus, a variante do vírus já passou a ser predominante.

Médica infectologista Cristiana Toscano, 48, professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG (Universidade Federal de Goiás) e doutora em epidemiologia (Foto: Secom UFG/Divulgação)

Entre uma reunião da agência internacional da saúde e outra, a brasileira concedeu entrevista à coluna e faz uma avaliação sombria sobre a situação do país. “Manaus tem o potencial para se tornar um risco global, além de estar enfrentando uma situação epidemiológica que representa um fiasco das ações de saúde pública local e nacional”, alertou a especialista.

Ela lembra como países europeus e outros pelo mundo passaram a frear a circulação de brasileiros e exigir testes para diminuir a velocidade de propagação da nova variante brasileira em seus continentes e territórios. O mesmo, porém, não aconteceu internamente no Brasil diante da identificação da mutação.

“No Brasil, não há vacinação intensificada em Manaus, não houve restrição de circulação de pessoas em Manaus ou nenhuma outra ação de saúde pública objetivando a contenção da nova variante. Nada. Então as pessoas entram e saem de Manaus e estão circulando no Brasil inteiro. A vacinação chegou a ser suspensa. Tudo o que não deveria ocorrer esta ocorrendo”, advertiu.

Nesta semana, entre os vários encontros, ela ainda participou da reunião promovida pela OMS para discutir como melhorar globalmente o monitoramento de novas variantes e avaliação de eficácia de vacinas.

Vacinação rápida para coibir novas variantes

Para ela, a vacinação deve ocorrer de forma “rápida e eficiente, e não arrastada.” O argumento é claro: uma imunização lenta abre novas possibilidades para a evolução do vírus e o surgimento de novas variantes.

Nesse aspecto, o Brasil vive uma ameaça. De acordo com a especialista, a melhor forma de coibir o surgimento de variantes é reduzir a transmissão viral através de distanciamento social e a vacinação. Mas se o vírus continuar a circular em uma população parcialmente imune, trata-se de um “estímulo para o aparecimento de novas variantes”.

“A demora na vacinação no Brasil e o vírus circulando é a pior situação que pode haver para prevenir novas variantes”, alertou. “Sabemos vacinar. Mas precisamos de mais doses, de coordenação nacional, de sistemas de informação e monitoramento funcionantes. É só fazer a matemática: teremos vacinas para os grupos de risco para o primeiro semestre”, disse. “Mas isso é apenas um terço para da população. Ou o Brasil vai atrás já por mais vacinas para o restante da população, ou vamos chegar em agosto com o grupo prioritário vacinado lentamente e o resto da população sem nada. O resultado poder ser o enfrentamento de mais uma nova variante e perspectivas mais longínquas para a superação da pandemia”, alertou.

Toscano é explícita em apontar que a busca por novas vacinas não pode esperar. “Se não correr por vacinas agora, não vai ter”, apontou. “Só temos hoje as vacinas por conta de ações institucionais bem sucedidas da Fiocruz e Instituto Butantan que, em agosto de 2020, iniciaram a busca. Isso precisa ser reconhecido”, disse.

Motivo de chacota internacional por apagão de dados

Outro problema destacado pela especialista é o “apagão” no Brasil de dados de sequenciamento dos vírus circulantes, que permite a identificação de mutações e novas variantes virais. “O país, apesar de limitações no investimento em pesquisa e sistemas de vigilância, tem inúmeros grupos de pesquisa e laboratórios de saúde pública que têm a capacidade de fazer sequenciamento. Mas isso tem sido feito em quantidade e velocidade insuficiente, e os dados disponíveis não têm sido divulgados sistematicamente”, diz.

“Em reuniões internacionais, o sentimento é de surpresa, dizem que não sabem o que está ocorrendo no Brasil pois há uma grande escassez de dados”, relata.

De acordo com a especialista, no palco internacional, há um reconhecimento de que os dados sobre a situação no Brasil não estão sendo divulgados de forma sistemática e nem em quantidade. “Há um apagão da África e da América do Sul”, disse.

Na avaliação da especialista brasileira, é urgente que país amplie a forma pela qual monitora o surgimento de novas variantes. “Existem grupos de pesquisas e redes de pesquisadores. Mas a coordenação das redes e do sistema de informação genômica, além do uso da informação para a tomada de decisão não existe”, alertou. “E isso é grave”, disse.

“Uma coisa é termos grupos de pesquisas. O que falta é coordenação e o uso da informação em tempo real para saúde pública”, alertou. Ela lembra que, hoje, não existem boletins públicos do Ministério da Saúde sobre a questão de onde estão as variantes do vírus pelo país.

“Essa é uma falha de coordenação e de capacidade de estruturar o monitoramento para garantir o uso em tempo real da informação sobre as variantes”, insistiu.

Segundo ela, grupos de pesquisa no país mapeiam a presença do vírus e o Ministério da Saúde é informado. “Mas quem deve pegar essas informações e usá-las na saúde pública é o Ministério da Saúde e eu não vejo isso acontecer de maneira oportuna, articulada e coordenada”, disse.

“Hoje, não temos coordenação para buscar novas vacinas, para coordenar as ações de imunização e nem para promover sistemas de vigilância e usar as informações e evidências geradas por estes sistemas para tomar decisões de saúde pública. Isso é inexistente”, lamentou a pesquisadora.

“O mundo sabe que temos capacidade técnica e científica. Mas, por falta total de liderança, coordenação e transparência, o processo está em risco. O Brasil está deixando um vácuo, nacional e internacional. E isso é vergonhoso. E a situação epidemiológica da pandemia no Brasil é o retrato de tudo isso”, completou.