Por 55 votos a 10

Senado confirma recondução de Aras para mais 2 anos à frente da PGR

Em sabatina, procurador indicado por Bolsonaro criticou Lava Jato e imprensa e disse que havia 'ameaças reais' a ministros do Supremo

Senado confirma recondução de Aras para mais 2 anos à frente da PGR (Foto: Reprodução - O Globo)

O plenário do Senado aprovou na noite desta terça-feira (24) a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para um novo período de dois anos à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, Aras foi aprovado por 55 votos a favor e 10 contrários, além de uma abstenção. Eram necessários ao menos 41 votos, o que corresponde à maioria absoluta do Senado, que tem 81 parlamentares.

Há dois anos, Aras teve 23 votos favoráveis e 3 contra na CCJ e, no plenário, havia sido aprovado por 68 a 10. As votações de indicações de autoridades são secretas.

Nesta terça, a análise no plenário se deu pouco mais de duas horas após a aprovação de Aras pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), onde houve 21 votos favoráveis à recondução e 6 contrários.

A confirmação de Aras para mais dois anos na PGR acontece em um momento de crise institucional, principalmente por causa dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal). No entanto, o procurador-geral da República não enfrentou dificuldades, seja durante a sabatina ou nas duas votações do dia.

Mesmo senadores de oposição se manifestaram favoravelmente à recondução. Um dos motivos é que Aras atuou contra a Operação Lava Jato, que havia levado à prisão figuras importantes da oposição, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Embora nenhum senador do PT tenha declarado voto a favor da recondução, existia um sentimento na bancada do partido de que Aras era um “mal menor”. Isso porque, além de o atual procurador-geral ter uma posição anti-Lava Jato, existia o temor de que o plano B de Jair Bolsonaro fosse algum procurador mais radical.

Em particular, senadores petistas acreditavam que a indicada poderia ser a subprocuradora Lindôra Araújo, ligada à Lava Jato e tida como ainda mais alinhada ao bolsonarismo.

Foi Lindôra quem assinou um parecer no qual aponta que Bolsonaro não cometeu crimes ao circular sem máscaras. Mais do que isso, o documento questiona a eficácia do equipamento, defendido cientificamente pelas principais organizações mundiais de saúde.

Durante a sua sabatina, o procurador-geral Augusto Aras criticou duramente a Operação Lava Jato.

“O modelo das forças-tarefas com pessoalização culminou em uma série de irregularidades que vieram a público, tais como os episódios revelados na Vaza Jato, a frustrada gestão de vultosas quantias arrecadadas em acordos de colaborações e em acordos de leniência, por meio de fundos não previstos em lei”, afirmou na sabatina na CCJ.

Aras também defendeu a sua gestão, afirmando que em nenhum momento se omitiu ou deixou de investigar. Por outro lado, disse que prezou por não “criminalizar a política” e que a instituição atuou dentro dos limites da lei, o que teve como consequência o fato de que nenhuma decisão acabou revertida pelo STF ou pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

“A explicação para isso é que não houve vazamento seletivo, não houve investigação seletiva, não houve denúncia seletiva, não houve forjação de provas. O que há é o cuidado permanente para não criminalizar a política, não judicializar a política, não prejudicar o desenvolvimento das empresas, embora mantendo fiscalização através dos seus órgãos competentes”, afirmou.

Sem citar o ex-presidente Lula, lembrou casos de condenações que depois foram revertidas e os réus, exonerados de culpa.

“É o cuidado em garantir a cada cidadão seus direitos e garantias fundamentais para que as condenações não ocorram de forma tão irresponsável que possa alguém, supostamente inocente, passar anos na cadeia, para, depois, em um momento seguinte, ser exonerado de toda e qualquer responsabilidade”, afirmou.

Aras também rebateu as críticas de omissão, em particular frente aos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra as instituições. Disse que não cabe a ele ser um comentarista político e nem mesmo um “censor” de autoridades. E defendeu sua atuação mais discreta.

“Acredito que a eficiência na atuação do PGR não deve ser mensurada por proselitismos ideológicos, operações policiais espetaculosas ou embates na arena política. E assim pautei minha atuação na discrição, no diálogo e na compreensão de que cabe ao PGR ficar adstrito ao discurso jurídico, manifestando-se nos autos, conduzindo investigações com rigor técnico, cumprindo a lei, que assim o determina”, afirmou.

O procurador-geral, no entanto, voltou a ser cobrado por sua proximidade com o Palácio do Planalto. Rebateu estudo que aponta que a posição da PGR coincide na maior parte dos casos com a da Advogacia-Geral da União. E disse que nem mesmo a busca por ser reconduzido comprometeu a sua independência.

“Quem quer ser reconduzido não faz tantas manifestações contrárias [ao governo]. Mas não são contrárias. São divergentes das manifestações de governo”, afirmou, em seguida acrescentando que negou habeas corpus ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), no caso das rachadinhas.

“Eu me manifestei duas vezes contra habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro, que não está aqui presente. Todos os dois mereceram pareceres contrários, que eu assinei. Não foram colegas [que assinaram]”, completou.

Aras também atacou diversas vezes a imprensa. Disse que parte da imprensa “abraça um jornalismo descomprometido com a credibilidade das fontes e descuidado em conferir a veracidade das premissas de fatos”. Em outro momento, disse que a imprensa leva a “equívocos danosos”.

Durante a sabatina, senadores questionaram Aras se ele dará prosseguimento aos indícios de irregularidades que deverão constar no relatório final da CPI da Covid, a ser enviado ainda neste ano à Procuradoria-Geral da República.

Aras evitou responder ou emitir opinião sobre os trabalhos da comissão. Disse apenas que vai se manifestar nos autos, quando o relatório for entregue, e que atuará em respeito à legislação.

“Eu ratifico o meu compromisso com esta Casa de bem cumprir a Constituição e as leis do meu país. E assim o farei quando receber o relatório da CPI da Covid”, respondeu.

Aras também afirmou que havia “ameaças reais” a ministros do Supremo Tribunal Federal. A afirmação aconteceu ao ser questionado sobre sua posição a respeito da prisão de aliados de Bolsonaro, em particular o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson.

“O grande problema, no caso concreto, é que nos manifestam os contra prisões inicialmente, porque a liberdade de expressão, segundo doutrina constitucional e jurisprudência do próprio Supremo, é controlada a posteriori, ou seja, primeiro o indivíduo”, afirmou.

“No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira, quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos Ministros do Supremo, de maneira que, se, em um primeiro momento, a liberdade de expressão era o bem jurídico constitucional tutelado mais poderoso que existe dentro da nossa Constituição, num segundo momento, já se abandonou a ideia da liberdade de expressão para configurar uma grave ameaça”, completou.

Bolsonaro oficializou a indicação de Aras em julho deste ano. Assim como em 2019, o presidente ignorou a lista tríplice divulgada após eleição interna da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República).

O primeiro mandato do PGR foi marcado por polêmicas em razão de declarações que ele fez sobre a Lava Jato, o que o levou a ser apontado como responsável pelo desmonte da investigação.

No ano passado, as críticas contra o PGR se intensificaram em razão de apurações que não tiveram andamento, parte delas referentes à omissão do governo federal no combate à Covid-19.

A Procuradoria-Geral da República é obrigada a se manifestar na maioria dos ações que chegam ao STF, independentemente de quem é o autor do processo. Nesses casos, o procurador-geral se manifestou algumas vezes contra a atuação do Executivo.

Em raros momentos, Aras conseguiu aplacar parte das críticas ao promover uma ofensiva contra a parcela da militância bolsonarista que mobilizou manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.

O procurador-geral pediu abertura de inquérito para investigar os responsáveis pelos atos antidemocráticos e desencadeou, com autorização de Moraes, relator do caso, operação policial contra o núcleo da estrutura organizacional do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta criar.

Em um segundo momento, no entanto, após não se entender acerca da apuração com a PF, que defendia o aprofundamento, a PGR pediu o arquivamento perante o STF e o envio de alguns casos para a primeira instância.

Senadores governistas aproveitaram a sabatina de Aras para cobrar o agendamento do processo referente à indicação de André Mendonça, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. A tramitação da indicação de Mendonça, no entanto, deve entrar em um estado de espera, por causa das recentes declarações de Bolsonaro contra o Supremo e a protocolação do pedido de abertura do processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes.

“A vacância do cargo de um único ministro acarreta prejuízo de considerável monta à Corte, tendo em vista que os processos se acumulam e outros têm que ser redistribuídos em razão da urgência e importância das demandas”, afirmou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), que em seguida pediu o agendamento da sabatina.

Telmário Mota (Pros-RR) pediu ao presidente da CCJ que não transforme a indicação de Mendonça em um “calvário”. A bancada do PL também divulgou nota indicando apoio pela aprovação da indicação de André Mendonça para o Supremo.

Em entrevista coletiva, Pacheco lembrou que já encaminhou a indicação do ex-advogado-geral da União para o colegiado e que não irá interferir na tramitação.

“Agora fica a cargo do presidente da comissão a organização de sua pauta, o estabelecimento do esforço concentrado, porque é preciso ter a presença física dos senadores para votarem nessas indicações […] A Comissão de Constituição e Justiça é uma instituição que tem a sua autonomia, tem o seu regramento e obviamente que cabe ao presidente da CCJ essas definições. Não seria nem elegante da minha parte interferir, como presidente do Senado, no trabalho de uma comissão”, disse.

O presidente Jair Bolsonaro disse a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada nesta terça-feira (24) esperar que Mendonça seja sabatinado. “A gente espera que ele seja sabatinado e ocupe uma cadeira lá”, afirmou. Ele repetiu que Mendonça se comprometeu em fazer uma oração por semana durante as sessões do Supremo.

Durante o evento Expert XP, a ministra da Segov (Secretaria de Governo) também cobrou que o Senado paute a sabatina de André Mendonça ao STF. “É fundamental também que isso seja pautado”, disse.

CASOS ENVOLVENDO BOLSONARO COM ATUAÇÃO DA PGR

STF

Prevaricação no caso Covaxin
A ministra Rosa Weber determinou no início de julho a abertura de inquérito para apurar a acusação de que Bolsonaro prevaricou no caso da compra da vacina indiana ao ser informado sobre irregularidades no processo de aquisição e não acionar órgãos de investigação

Interferência no comando da PF
Apuração tramita no STF após o ex-ministro da Justiça Sergio Moro denunciar tentativa de Bolsonaro de implementar mudanças na cúpula da Polícia Federal com o objetivo de proteger familiares e aliados em investigações

Quadrilha digital
A apuração busca identificar o grupo por trás de ataques à democracia na internet. Apoiadores do presidente são alvos. Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes fez menção ao próprio Bolsonaro e a seus filhos quando abriu a investigação

Fake news
Investigação que tramita no Supremo desde 2019 e já resultou em busca e apreensão contra apoiadores do chefe do Executivo. Mira os responsáveis por ataques virtuais a integrantes da corte

TSE

Disparos em massa via WhatsApp
Investigação iniciada nas eleições de 2018 após a Folha revelar esquema bancado por apoiadores de Bolsonaro para o disparo em massa de fake news. Moraes autorizou o compartilhamento de informações dos inquéritos da fake news e dos atos antidemocráticos com o TSE

CPI da Covid
Os integrantes da comissão conduzem linhas de investigação que podem levar a acusações contra o presidente e seus auxiliares. As conclusões da CPI serão encaminhadas à PGR, para análise e eventual instauração de procedimentos próprios na área criminal

ANTECESSORES DE ARAS NO POSTO NOS ÚLTIMOS ANOS

  • Geraldo Brindeiro (1995-2003)
  • Cláudio Fonteles (2003-2005)
  • Antonio Fernando Souza (2005-2009)
  • Roberto Gurgel (2009-2013)
  • Rodrigo Janot (2013-2017)
  • Raquel Dodge (2017-2019)