Silêncio do clã Bolsonaro alimenta teorias conspiratórias
Silêncio ocorre em meio a bloqueios de contas de aliados e, para pesquisador, alimenta teorias da conspiração
Conhecidos pelo uso das redes sociais como principal meio de comunicação, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus três filhos políticos —Flávio, Carlos e Eduardo— reduziram a frequência de postagens nas plataformas digitais desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito, no último dia 30. A média de publicações por dia, no Facebook, é 14 vezes menor que a registrada durante a campanha eleitoral, de acordo com levantamento feito pelo jornal O Globo com base na plataforma de monitoramento de redes da Meta CrowdTangle.
Os dados consideram apenas o Facebook, mas os conteúdos compartilhados pela família Bolsonaro costumam ser os mesmos em todas as redes. Nos cinco dias seguintes ao segundo turno, o clã fez apenas nove postagens no Facebook, se considerados os perfis de Bolsonaro e dos filhos, o que significa uma média de menos de duas publicações por dia. Entre 4 de agosto e o domingo do segundo turno, os perfis do atual presidente e dos filhos fizeram, em média, 26 postagens por dia somados.
Durante, a campanha a conta de Flávio foi a mais ativa, com média de dez publicações diárias, seguida de Jair Bolsonaro, que somou oito postagens por dia. Do total de publicações após o segundo turno, quatro são de Flávio, três de Eduardo e duas de Jair. Estrategista da campanha digital do pai, Carlos, por sua vez, não usou o Facebook e as demais plataformas desde a vitória de Lula.
No caso do presidente, foram compartilhadas, desde que foi anunciada a vitória de Lula na corrida presidencial, apenas a transmissão ao vivo do seu primeiro pronunciamento depois da derrota, na terça-feira passada, e um vídeo, da última quarta-feira, em que Bolsonaro pediu o fim dos bloqueios de estradas e deu apoio a atos golpistas.
O primeiro discurso de Bolsonaro, feito em uma coletiva no Palácio da Alvorada quase 45 horas depois da proclamação da vitória de Lula, foi interpretado por apoiadores como um estímulo ao questionamento do resultado das urnas. Em pronunciamento de dois minutos, o presidente afirmou que reação de apoiadores era “fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu as últimas eleições”, mas reafirmou que não poderia haver “cerceamento do direito de ir e vir”. Em sua segunda fala, por meio de um vídeo postado nas redes, Bolsonaro voltou a pedir que as rodovias federais fossem liberadas, mas incentivou que seus apoiadores façam outros tipos de manifestações.
“Confie no plano”
Professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, David Nemer, que estuda grupos bolsonaristas no WhatsApp, destaca que o “sumiço” do clã nas redes tem alimentado teorias da conspiração sobre o processo eleitoral e pode ser uma estratégia para evitar bloqueios de contas determinados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como já tem ocorrido com aliados.
— Os mais radicais reproduzem o mesmo discurso de quando Trump perdeu, da teoria da conspiração QAnon, que é a ideia de “espere” (just wait) e “confie no plano” (trust the plan). O plano, nesse caso, seria mostrar que houve uma fraude, quando não houve. Os apoiadores estão o tempo todo atrás de sinais de que algo está sendo feito e interpretam até mesmo os gestos do presidente. — diz Nemer. — O silêncio pode ainda ser receio de promover desinformação para deslegitimar o processo eleitoral e ter as contas banidas.
Único a se manifestar nas 24 horas seguintes ao resultado, Flávio usou a rede para demonstrar apoio ao pai e compartilhou, assim como Eduardo, imagens de um ato golpista com pedidos de intervenção federal feito no Rio. “Aplausos de pé a todos os brasileiros que estão nas ruas protestando, espontaneamente, contra a falência moral do nosso país! Confiem no Capitão!”, escreveu o senador.
Além de reproduzir a primeira coletiva do pai e de endossar os atos, Eduardo voltou às redes no sábado para criticar bloqueios de contas de bolsonaristas, como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e o deputado eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), após o compartilhamento de desinformação. O deputado classificou as medidas como censura. No caso de Nikolas, o bloqueio ocorreu após sua conta compartilhar uma live feita por um argentino, amigo de Eduardo, em que ele faz acusações infundadas sobre a totalização de votos no Brasil.