Sínodo abre chance para padres casados
Depois de três semanas de intensos debates no Vaticano, os padres sinodais apresentaram ontem ao…
Depois de três semanas de intensos debates no Vaticano, os padres sinodais apresentaram ontem ao papa Francisco o relatório final do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Em 120 parágrafos, divididos em cinco capítulos, as propostas vão desde a conceituação do que é pecado ecológico até a maior participação das mulheres na liturgia católica. Provavelmente a mais polêmica é a proposta para que, em casos específicos e de acordo com a necessidade, homens casados possam ser ordenados padres e dispensados, portanto, do celibato.
A proposta está no parágrafo 111 do documento. Os bispos lembram que muitas comunidades do território amazônico “têm enormes dificuldades de acesso à Eucaristia”, ficando meses ou até “vários anos” sem a presença de um sacerdote.
Para diminuir o problema, os padres sinodais pedem ao papa que autorize a ordenação de sacerdotes sem a exigência do celibato clerical – desde que, frisam, sejam “homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiteriado”. Estes padres, segue o texto, teriam “uma família legitimamente constituída e estável”.
Todos os parágrafos precisaram ser aprovados, em assembleia realizada ontem, 26, por pelo menos dois terços dos padres sinodais – aqueles participantes com direito a voto. No encontro final, estavam presentes 181. De todos os itens, o 111 foi justamente o que teve menor índice de aprovação – foram 41 votos contrários.
Como já se esperava, o documento têm forte apelo ambiental e cobra posturas inclusivas junto aos pobres, imigrantes e a todas as “periferias do mundo”. O relatório pede uma Igreja “com rosto indígena, camponês e afrodescendente”, “com rosto migrante” e jovem.
No encerramento do sínodo, Francisco afirmou que a região amazônica sofre “todo tipo de injustiça, destruição de pessoas, exploração de pessoas em todos os níveis e destruição da identidade cultural”. Segundo ele, “a consciência ecológica nos denuncia um caminho de exploração compulsiva e corrupção. A Amazônia é um dos pontos mais importantes disso. Um símbolo”, declarou.
Dentro do conceito de ecologia integral, o papa frisou que os problemas ambientais precisam ser vistos dentro de seus contextos sociais, “não só o que se explora selvagemente a criação, mas também as pessoas”. Ele afirmou ainda que pretende criar um órgão dentro da Santa Sé dedicado exclusivamente aos cuidados com a Amazônia.
No documento, ao sugerirem o “pecado ecológico”, os bispos argumentaram que o desrespeito à natureza deve ser visto como pecado porque seria afronta a Deus e uma agressão à sua criação. Essa ideia já estava presente na encíclica Laudato Si’, publicada por Francisco em 2015. “Nenhum católico pode viver em comunhão com a Igreja sem escutar o grito da Terra. (Desrespeitar a natureza) é um pecado, é um pecado ecológico”, disse o bispo de Izirzada (Peru), David Martinez de Aguirre Guinea.
Mulheres
A maior participação feminina em celebrações litúrgicas e em papéis dentro da Igreja foi abordado em cinco parágrafos do documento, sob o título “presenças e a vez da mulher”. “(…) se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem das decisões e, assim, possam contribuir com sua sensibilidade à sinodalidade eclesial”, diz o documento. O item 103 afirma que muitas consultas solicitam “o diaconato permanente para as mulheres”. Foi o segundo item com mais rejeição – teve 30 votos contrários.
Análise: Francisco Borba Ribeiro Neto – coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
Para muitos, o Sínodo para a Amazônia foi menos uma reflexão pastoral católica e mais um grande embate ideológico. A direita procurava afirmar a supremacia do modelo capitalista atual. A esquerda, a necessidade de um desenvolvimento alternativo, ecológico e inclusivo.
Os progressistas procuravam retomar uma imagem quase disruptiva de Igreja dos pobres, recuperada da segunda metade do século 20. Os conservadores, barrar assustadora maré reformista, que parece ter se estabelecido com o papa Francisco.
Quando se discutia a relação entre soberania nacional e ação da Igreja, o debate real era entre os interesses da mineração e do agronegócio tradicionais e as práticas alternativas apoiadas pelo terceiro setor. Quando se discutia a ordenação de homens casados na região, o tema de fundo era o casamento de padres ordenados no resto do mundo… E assim por diante.
O Instrumentum Laboris, texto base para as discussões, acabou estimulando a tensão. Seu conteúdo estava carregado de propostas e abordagens polêmicas, justas ou injustas – não cabe aqui analisar -, quase como que testando até onde a Igreja Católica poderia ir no pontificado atual.
Nesse contexto, o perigo é que os desdobramentos deste sínodo fiquem presos a uns poucos pontos polêmicos e não às respostas integrais, como aconteceu naquele sobre a família, cuja repercussão parece se reduzir a um debate estéril sobre dar ou não a comunhão aos casados em segunda união – um detalhe importante, mas pequeno em relação ao desafio de apoiar a família.
O documento final do sínodo reafirma o compromisso social e ecológico da Igreja na Amazônia, abrindo espaço para novas ações pastorais. Contudo, as reflexões mostraram que não basta dizer “o que fazer”, mas é necessário saber “como fazer”. Por exemplo, não basta querer ordenar indígenas casados, o problema é como capacitá-los e apoiá-los em suas comunidades distantes. Não basta querer uma evangelização inculturada, o problema é como fazê-la quando nossa sociedade sufoca as culturas indígenas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.