Só um em cada quatro alunos que sai da escola pública faz o Enem
A proporção de alunos que concluíram o ensino médio em escolas públicas estaduais e fizeram…
A proporção de alunos que concluíram o ensino médio em escolas públicas estaduais e fizeram o Enem caiu pela metade durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Na última edição realizada, só 1 em cada 4 fez o exame, que é a principal porta de entrada para o ensino superior.
Em 2021, apenas 26%, dos cerca de 1,7 milhão de estudantes que concluíram o 3º ano do ensino médio em escolas estaduais do país, fizeram o Enem. Em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro, 50% fizeram a prova.
A participação dos estudantes de escolas estaduais no Enem na última edição é a menor registrada ao menos desde 2013, que foi o período analisado.
Houve ainda uma ampliação da desigualdade educacional entre alunos de escolas públicas e privadas. Já que a participação dos concluintes da rede particular se manteve no mesmo patamar, com 72% indo fazer a prova.
Juntas, as duas redes de ensino são responsáveis por 97% das matrículas do país nessa etapa, sendo que as escolas estaduais concentram a maior parte, 85%.
Os dados são de um estudo feito por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com apoio do Instituto Unibanco, a partir de informações fornecidas pelo Inep, órgão responsável pelo Enem.
Para os pesquisadores, a menor participação de alunos de escola pública é um indicador preocupante da falta de perspectiva de futuro entre os jovens. Eles também avaliam que o Enem deste ano, que começa no domingo (13), tende a ter uma exclusão ainda maior desse público.
A Folha mostrou que o número de inscritos no Enem 2022 é o menor em 17 anos, com 3,4 milhões de inscrições. O exame já chegou a ter mais de 8 milhões de inscritos, em 2016.
O estudo da UFRJ mostra ainda que foram os estudantes de menor renda e os pretos e pardos os mais excluídos do Enem. Na edição de 2021, foi registrada a menor participação de concluintes do ensino médio com nível socioeconômico baixo, 23% desse grupo. Em 2019, 30% deles fizeram o Enem.
Também foi verificada a menor participação de estudantes pretos e pardos desde 2013. Só 50% desses concluintes fizeram a prova na última edição. Em 2018, 57% deles participaram da prova.
“Os dados mostram a interrupção de uma trajetória muito positiva do Enem, que seguia para um aumento da participação dos estudantes mais vulneráveis na prova e, consequentemente, da possibilidade de seu acesso ao ensino superior”, diz Tiago Bartholo, professor da UFRJ e um dos responsáveis pelo estudo.
Para ele, a menor participação de alunos mais vulneráveis é reflexo do aprofundamento das desigualdades educacionais nos últimos dois anos com o fechamento de escolas durante a pandemia e a ausência de políticas para garantir o acompanhamento desses estudantes ao ensino remoto.
“A pandemia teve um efeito muito mais perverso entre os estudantes mais pobres. Além de não terem conseguido acompanhar direito as aulas remotas, eles demoraram mais que os alunos da escola particular para o ensino presencial”, diz Bartholo, que é também pesquisador do Lapope (Laboratório de Pesquisas em Oportunidades Educacionais).
Como os estudantes mais vulneráveis sequer estão prestando o Enem, a consequência para os próximos anos é que o país se distancie ainda mais da meta de aumentar a taxa de jovens adultos no ensino superior.
O PNE (Plano Nacional de Educação) previa que o país garantisse até 2024 que 33% da população de 18 a 24 anos estivesse matriculada no ensino superior. No entanto, dados do Inep mostram que o país seguiu trajetória inversa e está se distanciando da meta.
No ano passado, 19,7% dos jovens dessa idade estavam matriculados nessa etapa —2,2 pontos percentuais abaixo do registrado em 2020 e o menor índice verificado desde 2017.
“Com um Enem menos democrático, estamos caminhando para gerar mais desigualdade social. Se os mais vulneráveis não fazem a prova que dá acesso à maior parte das vagas do ensino superior, isso significa que temos menos oportunidades educacionais no país”, diz Bartholo.
Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ressalta que a exclusão dos estudantes mais pobres no Enem é também reflexo do aumento da pobreza no país.
“Se tem uma regra que funciona no Brasil é a de que os indicadores educacionais melhoram de acordo com a situação econômica. Se o jovem tem pai e mãe empregados, ele tem mais estabilidade para continuar estudando. Sem isso, há uma pressão para que ele vá trabalhar.”
Cara também explica que o impacto da baixa escolaridade não é ruim apenas para os estudantes, mas para o país de uma maneira geral. “Ao não garantir o ensino para essa geração, o Brasil compromete a sua produtividade.”
Secretário de Educação do Espírito Santo, Vitor de Angelo, que é também presidente do Consed (conselho de secretários estaduais de educação), avalia que as perdas educacionais acumuladas durante a pandemia e a crise econômica trouxeram um desalento para os jovens.
“Esses adolescentes saem do ensino médio sem confiança de que podem entrar em uma universidade e também sem condições de continuar estudando porque precisam trabalhar. Para reverter esse cenário, precisamos de uma série de mudanças urgentes no país.”