Sob Bolsonaro, autorizações para exploração de nióbio explodem na Amazônia
explodem na Amazônia Agência de Mineração concedeu 64 avais para pesquisa, que passam por nove assentamentos e por bordas de duas terras indígenas
As autorizações para exploração de nióbio na Amazônia mais do que dobraram no governo de Jair Bolsonaro (PL), um entusiasta e divulgador do metal antes e depois da chegada à Presidência da República.
As áreas com pesquisas autorizadas pela ANM (Agência Nacional de Mineração) incluem nove assentamentos de reforma agrária, sem evidências de que os assentados tenham sido consultados, e franjas de duas terras indígenas e de uma unidade de conservação federal.
Bolsonaro usa o nióbio como argumento para a defesa de mineração em áreas conservadas na Amazônia, em especial em terras indígenas, o que é vedado pela Constituição Federal.
Em 2020, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que busca regulamentar autorizações para exploração mineral em terras indígenas. O projeto não avançou.
O presidente repete o discurso sobre o nióbio frequentemente —já o levou até mesmo à Assembleia-Geral da ONU, no tradicional discurso de abertura da conferência anual feito pelo líder do Brasil.
O chefe do Executivo ignora nas falas que o país já é o principal produtor do metal, com 88% do total mundial, e que jazidas exploradas —principalmente em Minas Gerais— têm material suficiente para abastecer o mercado nas próximas décadas. Falta demanda para o nióbio, usado para tornar ligas metálicas mais leves e resistentes.
Com a ofensiva de Bolsonaro, explodiram os requerimentos de exploração do metal, as posteriores autorizações de pesquisa e o aval para busca por nióbio na Amazônia.
Um levantamento feito pela Folha no sistema de processos da ANM mostra que 295 requerimentos de exploração do nióbio foram protocolados em 2019, 2020 e 2021, os três primeiros anos do governo Bolsonaro. A ANM concedeu 171 autorizações de pesquisa no período, das quais 64 foram para a região da Amazônia Legal.
No triênio de 2016 a 2018, foram 120 requerimentos e 74 autorizações de pesquisa, das quais 25 para a Amazônia. Assim, o aumento do aval para exploração de nióbio na Amazônia foi de 156% no governo Bolsonaro.
A comparação com o triênio anterior mostra uma explosão de autorizações de pesquisa. Entre 2013 e 2015, foram 9 autorizações na Amazônia, conforme o sistema da ANM. As 64 concedidas entre 2019 e 2021 representam, assim, um aumento de 611%.
A licença para a pesquisa permite a prospecção pelo metal e já envolve gastos elevados por parte das empresas e pessoas físicas interessadas.
Gastos com infraestrutura, sondagem, beneficiamento, lavra experimental e trincheiras podem chegar a R$ 1 milhão, conforme os valores informados à ANM.
No caso do nióbio, o mais comum é que os interessados busquem autorização para explorar o metal junto a outros minérios, como tântalo, bauxita e manganês.
O aumento de autorizações para o nióbio no governo Bolsonaro é superior ao verificado com outras substâncias. O tântalo, por exemplo, permaneceu estável de um triênio para outro.
Os requerimentos feitos nos três anos de governo, que envolvem nióbio, somam uma área de 1 milhão de hectares, o equivalente à área de 6,5 cidades de São Paulo. Entre 2016 e 2018, os requerimentos visavam áreas totais de 394 mil hectares, ou 2,5 capitais paulistas.
O levantamento feito pela Folha em dados públicos mantidos pela ANM mostra que 18 (28,1%) das 64 autorizações de pesquisa de nióbio na Amazônia nos últimos três anos passam por assentamentos de reforma agrária estruturados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Ao todo, são nove assentamentos no Amazonas, no Amapá, no Pará, em Rondônia e em Roraima, onde estão assentadas 8.500 famílias, segundo dados atualizados pelo Incra em novembro de 2021.
Os documentos disponíveis nos processos da ANM não indicam que as comunidades tenham sido consultadas sobre a exploração de nióbio nas áreas dos assentamentos. Há documentos que indicam aval do Incra, desde que ocorra uma comunicação prévia sobre o início das pesquisas.
“O Incra não participou dos processos de autorização de pesquisa nos assentamentos. A ANM deve ser consultada para prestar mais esclarecimentos”, afirmou o órgão, em nota. A ANM não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Segundo o Incra, não há vedação para pesquisa e desenvolvimento de atividade minerária em assentamentos de reforma agrária. “O Incra e os beneficiários da reforma agrária serão consultados na fase de licenciamento ambiental para definição das medidas mitigatórias e compensatórias.”
Pelo menos dois processos para exploração de nióbio envolvem franjas de terras indígenas no Amazonas, conforme os mapas produzidos pela ANM.
O empresário João Carlos da Silva Martins, da cidade de Pontes e Lacerda (MT), é o recordista em autorizações de pesquisa de nióbio e outros minérios em assentamentos de reforma agrária (cinco autorizações) e em áreas coladas a terras indígenas (duas autorizações).
Os documentos da ANM mostram que a terra indígena é a Waimiri Atroari, onde vivem 2.000 indígenas —entre eles isolados da cabeceira do Rio Camanaú, conforme levantamento feito pelo ISA (Instituto Socioambiental). A reportagem não localizou Martins.
O empresário do ramo de transportes Marcos Vizone Carvalho, de Lábrea (AM), obteve autorização da ANM para pesquisar nióbio e cassiterita em uma área de 1.166 hectares em Manicoré (AM).
Os documentos do processo mostram que a área inclui bordas da terra indígena Tenharim Marmelos, onde vivem 535 indígenas tenharim.
“A área não está na terra indígena, está próxima à terra indígena, cerca de 300 a 400 metros. Tem uma rodovia dividindo”, disse Carvalho à Folha.
Segundo o empresário, essa é a primeira vez que consegue uma autorização para pesquisar nióbio. “Eu sonhava com isso. Sonhava com carvão e aparecia nióbio. Minha expectativa é vender o metal dentro do Brasil.”
Questionada pela reportagem, a Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu se participou das autorizações dadas pela ANM e se concorda com as áreas permitidas para pesquisa de nióbio.
Outros projetos margeiam unidades federais de conservação, chegando a tocar nessas unidades, como é o caso do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, no Amazonas.
O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) disse não ter recebido nenhuma consulta sobre pesquisa de nióbio em unidades de conservação.