Sem dinheiro

Sob risco de colapso, CNPq financia um terço da ciência nacional

CNPq não terá mais recursos, a partir de setembro, para pagar os cerca de 80 mil bolsistas financiados pelo órgão. Antes disso, o órgão já havia congelado as bolsas "especiais", voltadas para quem já é cientista e tem alto nível de produção acadêmica

Após apagão, presidente do CNPq diz que não há perda de dados da plataforma Lattes (Foto: Adriana Toffetti/A7 Press/Folhapress)

Pelo menos seis em cada dez trabalhos de brasileiros publicados em 2017 com aporte de recursos de agências de fomento à ciência tiveram verba do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) – agência federal ligada ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que, sem recursos, pode ser paralisada nas próximas semanas.

As informações foram coletadas na base internacional de periódicos Web of Science, a mesma utilizada na coleta de dados do RUF (Ranking Universitário Folha). Foram considerados os estudos científicos publicados em 2017 com pelo menos um autor ligado a instituições de ensino e pesquisa do Brasil. Quem informa se o estudo publicado teve apoio de agências de fomento são os próprios autores.

Os dados mostram 21.569 novos trabalhos acadêmicos de pesquisadores do Brasil desenvolvidos com verba do CNPq em 2017. Isso representa um terço de toda a ciência do país no mesmo ano. Para se ter uma ideia, são quase 60 novos trabalhos por dia de cientistas brasileiros com participação da agência federal.

Em um deles, por exemplo, os pesquisadores brasileiros exploraram a aplicação de células-tronco em doenças cardíacas – a principal causa de morte no Brasil. Apenas em 2017, há 51 estudos novos especificamente sobre zika vírus com financiamento do CNPq. Praticamente uma nova descoberta sobre a doença por semana.

A verba destinada a essas pesquisas pode, por exemplo, ter sido usada para comprar insumos e equipamentos de laboratório para experimentos. O CNPq também paga diretamente bolsas de pesquisa a pós-graduandos -uma espécie de salário para que cientistas em formação se dediquem exclusivamente a suas pesquisas. Um bolsista de doutorado recebe R$ 2.200 mensais do CNPq. O valor não é reajustado há seis anos.

O problema é que o CNPq não terá mais recursos, a partir de setembro, para pagar os cerca de 80 mil bolsistas financiados pelo órgão. Antes disso, o órgão já havia congelado as bolsas “especiais”, voltadas para quem já é cientista e tem alto nível de produção acadêmica, caso de quem está no pós doutorado. O aporte à realização eventos científicos também foi suspenso.

O colapso do CNPq prejudica sobretudo as pesquisas nas chamadas ciências duras -justamente as áreas que o governo tem destacado como prioridade no país. Quase metade dos trabalhos em ciências exatas e da terra publicados em 2017 com aporte de recursos de agências de fomento à ciência tiveram verba do CNPq. Essa taxa cai para 13% no caso das ciências humanas.

Além da paralisação de pesquisas essenciais para o desenvolvimento do país, o possível corte de bolsas de pesquisa podem levar à fuga de capital humano. Trata-se da expulsão de pós-graduandos e de cientistas já formados no país, inclusive com dinheiro público, que saem atrás de recursos para fazer ciência em instituições estrangeiras.

Criado com pompa e ligado diretamente à presidência da república, em 1951, o CNPq tem sofrido cortes de verbas importantes nos últimos anos. Hoje, o orçamento do órgão é cerca de metade de 2012, quando estava na casa de R$ 1,8 bilhão.

Em abaixo-assinado online, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) solicita um aporte suplementar de recursos da ordem de R$ 330 milhões para que a agência possa cumprir seus compromissos deste ano.

O documento também se manifesta contra a extinção do CNPq. Nos bastidores do governo, há rumores de que CNPq e Capes (agência voltada ao desenvolvimento da pós-graduação, ligada ao MEC) sejam fundidas em um único órgão -que não se sabe se ficaria sob o guarda-chuva do ministério de Educação ou de Ciência.