‘Sociedade chegou ao fundo poço’: advogado do caso Ágatha contesta absolvição de PM e diz que haverá recurso
Na madrugada de sábao (9), o Tribunal do Júri absolveu Rodrigo José de Matos Soares por 4 votos a 3
RIO DE JANEIRO (AGÊNCIA O GLOBO) Após o 1º Tribunal do Júri do Rio ter absolvido, na madrugada de sábado (9), o policial militar Rodrigo José de Matos Soares, acusado de ser o autor do tiro de fuzil que matou a menina Ágatha Félix, de 8 anos, em 2019, na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, a defesa da família informa que o Ministério Público do Rio de Janeiro entrará com recurso contra a decisão.
— O Ministério Público, que é o titular da ação, disse que vai entrar com recurso de apelação, e nós vamos acompanhar o órgão nesse processo. De fato, cabe apelação ao veredito, porque o julgamento não levou em conta as provas dos autos. Todas as testemunhas civis e os resultados da perícia sustentam que não havia tiroteio no momento do disparo que atingiu a Ágatha. Ainda sim, o júri acatou os três argumentos da defesa para a absolvição: legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e clemência, quando, mesmo se comprovando que o acusado cometeu o crime, há piedade do autor do homicídio. Por mais que esteja sendo falado que tenha ficado definido que o PM não teve intenção de atirar, o julgamento nem chegou a analisar isso — destaca Rodrigo Mondego, advogado do caso.
Os jurados entenderam que o policial foi o autor do tiro que atingiu a criança, mas, por 4 votos a 3, absolveram o PM. Mondego diz que ele e a família receberam a notícia com profunda decepção.
— Nossa equipe acompanhou esse caso de forma bem presente, desde o Instituto Médico Legal (IML). Na época, éramos da Comissão de Direitos Humanos da OAB; saímos em março, mas a família quis continuar com nossa assistência. Então, criamos uma relação de proximidade ao longo desses cinco anos e dois meses. Fiquei muito triste com esse desfecho. A sociedade, na forma dos jurados, achou que a morte de uma criança é algo trivial, passível de não ter nenhuma punição. Isso é um absurdo. Quando a sociedade normaliza a morte de uma criança é porque chegou ao fundo do poço — lamenta. — A família está absolutamente arrasada.
Lei Ágatha Félix
Autora do dispositivo que ficou conhecido como Lei Ágatha Félix (9.180/2021), que determina prioridade nas investigações de assassinatos de crianças e adolescentes no estado do Rio, a vereadora Renata Souza (PSOL) se diz indignada com a decisão da Justiça.
— Essa absolvição revela a conivência com os assassinatos praticados pelo próprio Estado contra as crianças pobres, negras e faveladas. É muito triste. Fiz a Lei Ágatha Félix para garantir a prioridade nas apurações de casos como esse, justamente porque muitos deles não chegam a ter sequer investigação que leve a um julgamento, como observamos cotidianamente — pontua.
Relembre o caso
Ágatha estava em uma kombi com a mãe, quando foi baleada nas costas por estilhaços de uma bala de fuzil . Segundo os moradores, PMs atiraram contra uma moto que passava pelo local com dois ocupantes. Uma das balas ricocheteou em um poste e a criança.
Na época, a PM informou que, por volta das 22h daquela noite, soldados lotados na UPP Fazendinha foram atacados em várias localidades da comunidade ao mesmo tempo. Os policiais revidaram. Ainda de acordo com a PM, após a troca de tiros, os policiais receberam a informação de que um morador havia sido baleado.
A sentença
Com a decisão dos jurados, o juiz da 1ª Vara Criminal do Júri do Rio, Cariel Bezzera Patriota, anunciou a absolvição. Na sentença, registrou:
”Ante o exposto, atendendo à vontade soberana do Egrégio Conselho de Sentença desta comarca, julgo improcedente a acusação e absolvo Rodrigo José de Matos Soares da acusação pela prática do crime previsto no art. 121, §2º, incisos I e IV n/f do art. 73 do Código Penal. Sentença publicada em audiência, estando cientes as partes. Promovam-se as comunicações de estilo, inclusive após trânsito em julgado”, escreveu.
O sentimento de revolta da família
No momento da sentença. Vanessa se mostrou inconformada.
— Eu quero respeito à minha dor pela morte da minha filha — disse Vanessa, dirigindo-se ao PM, que ficou de cabeça baixa, no banco dos réus, como mostraram imagens da TV Globo.
Em entrevista à Globonews logo após o resultado, a avô de Vanessa, Ayrton Félix se mostrou indignado com o desfecho.
— Pergunta a ela (Vanessa, mãe de Agatha), onde está minha neta. Não está com a gente, está debaixo da terra. Porque o policial deu um tiro nas costas da minha neta.Matou. Aí se espera cinco anos para ver essa decisão? — disse Ayrton.